Sob a epígrafe Gente da Ataíja de Cima pretendemos construir
uma galeria que lembre aos mais velhos e ensine aos mais novos, algumas pessoas
que, pelas suas características ou pela sua acção deixaram, na vida da aldeia, uma
marca de importância que merece ser conhecida.
A transição da economia agrícola de subsistência, que
durante séculos caracterizou a vida local, para a economia industrial que começou
(e continua) pela extracção de pedra (a apreciada rocha ornamental que tem a
designação comercial de Vidraço de Ataíja), a que se seguiu a faiança e agora, a transformação de pedra e
todas as actividades subsidiárias que entretanto foram surgindo, por serem indispensáveis
à vida normal de uma comunidade industrial e ao evoluir dos tempos. Essa
transição, dizíamos, também teve os seus protagonistas.
Já falamos neste blog do pioneiro João Veneno e de Luís da
Graça (VER AQUI).
Falemos, agora, de António Baptista Vigário, o António
Sabino.
Nascido em 6 de Julho de 1932, foi um dos três filhos de
Sabino[i] Vigário
e de Joaquina Baptista e, pelo lado paterno, neto de José Lourenço e Luísa
Sabino, alfaiates e bisneto de José Vigário e Ana Lourenço e de Sabino dos
Santos, também alfaiate e Maria Branca.
Teve dois irmãos:
José, o mais velho dos três, já falecido e que fez a maior
parte da sua vida “lá para Lisboa”[ii], também
teve por alcunha o nome do pai e foi, por sua vez, ao que se dizia, responsável
pela alcunha do Manuel “Mochila”. É que o José Sabino era acordeonista ou aprendiz
de acordeonista[iii] e,
transportava o instrumento às costas, à laia de mochila. O dito Manuel
“Mochila” nasceu de mãe solteira e mais não é preciso contar que os filhos de
mãe solteira eram, sempre, alcunhados por referência ao pai presumido.
O outro irmão, o mais novo, é o Arnaldo que, pela raridade -
durante décadas, mesmo, singularidade - do nome, nunca precisou de alcunha.
Desde novo que o António Sabino mostrou apetência para os negócios e pouca vontade de seguir as pisadas do pai que era carreiro[iv] profissional
e, nos tempos mortos da sua actividade principal, também arriscava o ofício de
sapateiro, o qual exercia na Casa do Couto.
Negociar tudo o que podia ser negociado, fossem peles de
coelho ou chinelos velhos e, no devido tempo, candonga de azeite, foram
actividades a que o António Sabino se dedicou logo na adolescência, muitas
vezes tendo por companheiro de aventuras o amigo Luís da Graça, apenas alguns
meses mais velho.
Os negócios corriam bem como o demonstra o facto de, aos
dezoito anos, ter sido emancipado para poder tirar a carta de condução e, de
seguida, comprar (já nem o próprio se lembra bem, se em 1950, se em 1951) um
automóvel, um velho Opel que foi o primeiro veículo automóvel ligeiro de
passageiros que houve na Ataíja de Cima. (VER AQUI)
Em 4 de Março de 1956, aos 23 anos de idade, essa tendência
para o negócio ficou definitiva e necessariamente fixada. Nesse dia, quando ia
à "pendura" na moto (eu tinha a memória de que era uma Norton mas, há quem jure
que era uma AJS) do seu amigo António Faustino Ribeiro, “O Mosca” o qual, por
vezes, também era companheiro nas aventuras da candonga do azeite[v], um
grave acidente levou-o por largo tempo ao hospital, deixou-o a coxear para o
resto da vida e livrou-o, de vez, de ter de vir a trabalhar no campo ou em
outra actividade de igual exigência física.
Por essa altura, tinha sido construída no Largo do Outeiro a
“casa do Maneta”, destinada a armazém de alfaias, adubos e produtos agrícolas,
taberna e casa do rancho[vi].
Curado tomou então, em 1957, a exploração da taberna e aí
ficou durante cerca de seis anos, até ao seu casamento, em 1963.
Em 1959, tornou-se um dos pioneiros da exploração da pedra
VIDRAÇO de ATAÍJA, abrindo uma pedreira nos Caramelos.
A pedreira ainda existe. É a Pedreira “Caramelo 3”, propriedade
de Mármores Vigário, Lda.
Em data que não consegui apurar, por volta de 1969/70,
foi episódico (durante cerca de um ano) proprietário, ou co-proprietário da Safaril[vii], a primeira
fábrica de faiança que existiu na Ataíja de Cima[viii].
Em 1984 entrou em novo ramo de negócio abrindo, sempre na
Ataíja de Cima, uma fábrica de recauchutagem de pneus.
Entretanto, em 1963, tinha-se casado com Maria do Rosário, oriunda
das Pedreiras e, infelizmente, precocemente falecida. Para instalar a nova família,
comprou a casa e quintal da Benedita (a Benedita era uma senhora que sempre
conheci viúva e, vim a sabê-lo mais tarde, o era de um marido que tinha
falecido “na América”, não tenho a certeza se nos EUA se no Canadá) e aí
construiu uma casa de dois pisos, sendo o primeiro andar destinado à habitação
e o rés-do-chão a taberna e mercearia.
Esta foi a primeira casa da Ataíja de Cima equipada, de
raíz, com casa(s) de banho(s) (2).
Hoje, aos 82 anos de idade, o António Sabino contempla, com
justificado orgulho, o trabalho dos filhos, o Rogério e o Luís que dão, brilhantemente,
continuidade ao pioneirismo do pai, dedicando-se à extracção e transformação de
pedra, através das empresas Mármores Vigário, Lda e MVC - Mármores de Alcobaça,
Lda.
À MVC – Mármores de Alcobaça, Lda., uma empresa com
instalações fabris de grande dimensão, altamente sofisticada, dotada dos
equipamentos e tecnologias mais modernas, o que lhe permite produtos de grande
qualidade e, consequentemente, actuar nos mais exigentes mercados de
exportação, já dedicamos um texto neste blog. (VER AQUI)
Sítio de internet da MVC – Mármores de Alcobaça, Lda:
_______________________________________________
O texto acima foi publicado neste blog em 27 de setembro de 2014.
António Baptista Vigário, António Sabino, faleceu hoje, dia 04 de novembro de 2021, aos 89 anos, escassos dias após o seu amigo de sempre, Luis da Graça. Com ele, com eles, morre a geração de pioneiros que levou a Ataíja de Cima da agricultura de subsistência à economia industrial.
[i] Como é
muito comum, o nome próprio do pai tornou-se alcunha do filho.
[ii] “lá
para Lisboa” era uma expressão corrente que muitas vezes ouvi na boca de
mulheres mais velhas que só escassamente faziam idéia de onde andavam os seus
maridos e filhos.
[iii] É
minha a hipótese de ter sido, apenas, aprendiz e nunca terá efectivamente feito
carreira de acordeonista ou, então, desistiu cedo dela. É que nunca lhe conheci
acordéon e nem me lembro de alguém, alguma vez, me ter dito que o ouviu tocar.
[iv]
Carreiro, era o profissional que conduzia o seu carro de bois, com o qual faz
transportes e, com as alfaias, - charrua, grade, trilho, etc. - prestava outros
serviços agrícolas com a sua junta de bois (ou vacas, o que era o caso). Não
confundir com abegão que desempenhava funções semelhantes mas enquanto
trabalhador ao serviço de uma exploração agrícola.
[v] O
cerrado controlo estatal sobre os abastecimentos alimentares que tinha atingido
o seu pico durante a guerra com o racionamento, era o pretexto perfeito para o
trânsito ilícito dos bens mais valiosos como o azeite.
[vi] Naquele
tempo, em que não havia empregos fixos, eram cíclicas as deslocações de grandes
grupos para tarefas agrícolas exigentes de muita mão-de-obra. Para a Ataíja,
cujos campos eram um enorme mar de oliveiras, vinham, no devido tempo, grupos
de pessoas – ranchos - de fora da aldeia para trabalhar na apanha da azeitona.
[vii] A
fábrica começou a ser construída em 1969, na perspectiva da chegada da
electricidade que viria a acontecer em Outubro desse ano. Embora a escritura de
constituição da Safaril seja de 1972, o início da laboração é anterior.
[viii] Que
adquiriu a uns tais Caetano e Fróis que julgo terem sido os empreendedores
iniciais. Daquele Fróis, lembro-me de um dia em que, na adega do meu pai, bebeu
mais do que a conta e foi o filho, então com uns escassos doze anos, quem
conduziu o carro até a casa.
Sem comentários:
Enviar um comentário