A Rua do Amparo em Lisboa é, hoje, uma curta passagem entre
o Rossio e a Praça da Figueira ao lado norte desta, e paralela à igualmente
curta Rua da Betesga que, ao sul, liga o mesmo Rossio à dita Praça[i] da
Figueira.
Mas, nem sempre foi assim.
Até 1950 a Rua do Amparo, cujo nome vem de uma Capela de
Nossa Senhora do Amparo que, antes do terramoto, por ali existiu fazendo parte
do Hospital de Todos-os-Santos, começava na Rua do Arco do Marquês do Alegrete
(actual Poço do Borratém), prolongando-se pelo lado norte da Praça da Figueira
até ao Rossio.
Foi nos terrenos libertados pela ruína do Hospital Real de Todos-os-Santos
que a seguir ao terramoto se começou a comerciar na zona da actual Praça da
Figueira e, no projecto de reconstrução pombalina da Baixa, foi esse espaço
destinado a mercado.
Esse mercado foi evoluindo e, pelo menos desde meados do
Séc. XIX era já uma área de cerca de 8. 000 m2 fechada por um muro encimado por
gradeamento a cujo interior se acedia por oito portas ocupando todo o
quarteirão formado pelas ruas do Amparo, da Betesga, dos Correeiros e Nova da
Princesa (actual Rua dos Fanqueiros). [ii]
Nesse tempo já o espaço era, como hoje, limitado pelos
prédios do projecto pombalino que definem uma área de cerca de 12.000 m2.
Foi aí que se ergueu, entre os anos de 1882 e 1885, um
grande edifício da chamada arquitectura do ferro, a “praça da Figueira”, que
foi durante 64 anos, desde 1885 até 1949, (a par do mercado abastecedor da 24
de Julho inaugurado três anos antes, em 1 de Janeiro de 1882 e, ainda,
parcialmente em funcionamento)[iii] um dos
mais importantes mercados de Lisboa (no dizer de Fernando Pessoa, in “Lisboa –
O que o turista deve ver”, o mercado central de Lisboa).
Em 1949 a “praça da Figueira” foi demolida e, no ano
seguinte, a Câmara Municipal decidiu dar ao troço inicial da Rua do Amparo o
nome de Rua João das Regras e integrar o troço central na nova Praça da
Figueira, agora um grande espaço público, reduzindo a Rua do Amparo ao troço sobrante,
de ligação com o Rossio.
Era aí, no nº 21 da Rua do Amparo, na hoje designada Rua
João das Regras, numa porta onde há pouco funcionava (não sei se ainda
funciona), sinal dos tempos, o Istanbul Kebab, comida Halal[iv], que o ataíjense
Francisco Caetano Branco tinha o seu estabelecimento
Sabemos muito pouco deste Francisco Caetano branco. Apenas,
que em 3 de Janeiro de 1883 foi celebrada a escritura de ratificação e
confirmação da doação intervivos que fizeram Mariana Branca viúva e seus filhos
Luísa, Francisca e Francisco, todos da Ataíja de Cima, e outra sua filha Maria
e seu marido, a favor destes últimos,
Maria Branca e Sabino dos Santos Trindade, alfaiates, de “umas casas com seu pátio confrontando de norte e sul com ruas, nascente com
José António de Castro e poente com Joaquim Felizardo”, que haviam sido
verbalmente doadas pela Mariana Branca a sua filha Maria, uns seis anos antes,
a título de dote pelo seu casamento com o referido Sabino dos Santos Trindade.
Qual seria a casa objecto da doação, só o poderemos
saber quando soubermos quem eram os vizinhos José António de Castro e Joaquim
Felizardo. Certo, certo, é que ela se situava no coração da aldeia, ente as
ruas de Trás e a do lagar dos Frades, porque só aí há ruas próximas paralelas,
só aí há casas que se confrontem a norte e a sul com ruas.
A escritura foi celebrada, como se disse, em 3 de Janeiro de
1883, em Alcobaça, no cartório do tabelião Francisco Eliseu Ribeiro e, nela, o
Francisco Caetano Branco foi representado, mediante a competente procuração,
por João Ângelo da Silva, casado, também da Ataíja de Cima. Na dita procuração
o Francisco Caetano Branco é identificado como “solteiro, maior e sui juris[v],
comerciante, morador na Rua do Amparo vinte e um”.
Tendo estabelecimento junto ao principal mercado de Lisboa,
tinha a passar-lhe à porta um grande número de potenciais clientes e, por isso,
talvez, um próspero negócio. Se assim era ou não, não o sabemos, nem sabemos
qual era o ramo do seu negócio, nem mais nada sabemos sobre ele.
Duas curiosidades, para terminar:
Ao tempo da celebração da escritura, em 1883, a Mariana
Branca era já duplamente viúva: Das 1ªs núpcias com Caetano dos Santos,
casamento do qual lhe ficaram dois filhos, os referidos Francisco e Maria. Das
2ªs núpcias com António Dias, das quais lhe ficaram as filhas Luísa e Francisca.
A Mariana Branca e o Caetano dos Santos foram trisavós do
nosso amigo Américo de Sousa Sabino.
[i] Neste
texto vai ser frequente o uso da palavra praça quer no sentido de mercado quer
no de espaço público
[ii] Ver
Carta Topográfica da Cidade de Lisboa, levantada entre 1856 e 1858 por Filipe
Folque, in http://purl.pt/index/cart/aut/PT/44818.html
[iii] Embora
ainda funcione como mercado – retalhista e já não abastecedor – o mercado 24 de
Julho foi parcialmente transformado pela empresa multinacional Time Out num
Food Market de grande êxito, com mais de 40 espaços gastronómicos diferentes.
[iv] Comida
Halal refere-se aos alimentos autorizados e preparados de acordo com os
preceitos da religião islâmica.
[v] Sui juris,
é uma expressão latina usada em Direito Civil para significar que a pessoa é
autónoma e livre, capaz de determinar-se sem depender de outrem. Em Direito
Canónico refere-se às igrejas particulares, autónomas, que se encontram em
comunhão com o Papa.