terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Quando a festa de Nossa Senhora da Graça se celebrava no dia 1 de Janeiro (II)

No post com o mesmo título, publicado em 29 de Maio de 2010, (aqui) aludimos aos interrogatórios sobre as paróquias e povoações, que o Marquês de Pombal, em 18 de Janeiro de 1758, solicitou, através dos prelados, a todos os párocos do Reino e cujos relatórios são conhecidos por Memórias Paroquais. Transcrevemos então uma parte do Relatório do Cura de São Vicente de Aljubarrota, no qual dá conta que a festa de Nossa Senhora da Graça, Padroeira da Ataíja de Cima, era então celebrada a 1 de Janeiro, dia em que, actualmente, toda a Igreja Católica vive a Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus.

Porque achámos que esta questão, de uma festividade religiosa se poder fazer em diferentes datas, merecia um esclarecimento, solicitámos a um nosso conterrâneo a sua colaboração.

O Fábio Bernardino tem 22 anos de idade. é filho de Pedro Bernardino (Casal) e de Maria Leonor Catarino e prepara-se para exercer a sua vocação de sacerdote da Igreja Católica. Actualmente e depois de ter estudado nos Seminários de Leiria e de Coimbra, reside no Seminário Maior de Cristo Rei dos Olivais e frequenta o 4.º ano do curso filosófico-teologógico na Universidade Católica de Lisboa  pelo que é, de entre nós, uma das pessoas melhor habilitadas para nos explicar estas mudanças no calendário dos festejos em honra de Nossa Senhora da Graça.

Agradecemos ao Fábio Bernardino a sua disponibilidade e é com muito prazer que agora publicamos o que escreveu a propósito:


A festa de Nossa Senhora da Graça, Padroeira da Ataíja de Cima, era então (em 1758) celebrada a 1 de Janeiro, dia em que, actualmente, toda a Igreja Católica vive a Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus.


Remontando ao século VI, esta Solenidade trata-se, com efeito, da mais antiga festa mariana da cristandade ocidental, que começou por celebrar, nesse dia, a dedicação da Basílica de Santa Maria Maior, em Roma, o mais antigo templo cristão dedicado à Virgem Maria e construído entre 432 e 440, durante o pontificado do Papa Sisto III (1).


Convocado pelo Imperador Teodósio II em 431, o Concílio de Éfeso proclamara a Virgem como “Mãe de Deus”, contra o herege Nestório, patriarca de Constantinopla, que negava a união, em Cristo, das naturezas divina e humana. Os duzentos bispos participantes reafirmaram convictamente que a Virgem Maria é Mãe de Deus, porque o único Jesus Cristo, seu Filho, sendo verdadeiramente homem, é também verdadeiro Deus. A Basílica lembra este título atribuído à Virgem, dado que ele salvaguarda uma verdade cristológica: a teologicamente designada de união hipostática(2).


Com o passar do tempo, o aparecimento de uma oitava para a Solenidade do Natal do Senhor levou a que neste dia, oito dias após o nascimento, se começasse a celebrar a seguinte etapa da vida do Menino, a circuncisão, assim como outras festas que foram aparecendo ao longo do tempo. Desapareceu então o cariz mariano do primeiro de Janeiro, tendo estado oculto durante séculos. Só em 1931, o Papa Pio XI, por ocasião do 15º centenário do concílio de Éfeso, instituiu a antiga festa mariana para 11 de Outubro.


Foi o Concílio Vaticano II que abriu as portas para que a Solenidade voltasse à sua data original. Em 1969, a Reforma do Calendário Litúrgico, pedida pelo Concílio, recuperou a antiga data de 1 de Janeiro, inserindo a celebração da maternidade divina de Maria, no tempo do Natal, a celebração do Mistério da Encarnação do Verbo de Deus, que lhe dá razão de ser.


Portanto, seguramente que em 1758, embora na Ataíja se celebrasse a 1 de Janeiro uma festividade mariana, tal não acontecia em toda a Igreja, que comemorava a Circuncisão. No entanto, dado que o calendário se ia enchendo de festividades devocionais próprias dos lugares(3), é possível que ocorressem outras festas em várias Igrejas particulares.


A meu ver, é pouco provável que a escolha desta data para a festa de Nossa Senhora da Graça esteja relacionada com a primitiva festa mariana celebrada no século VI, relativa ao título de Mãe de Deus. Todavia, acredito que terá, de facto, começado a ser realizada nesse dia, sendo depois transposta para o 2 de Fevereiro, dado que era, até há quarenta anos, o dia litúrgico da Purificação de Nossa Senhora, evocando-se a Senhora da Candelária(4). É talvez por isso que hoje, enquanto em numerosíssimos lugares se festeja Nossa Senhora da Candelária, das Candeias ou da Luz, o povo da Ataíja tem a sua festa em honra de Nossa Senhora da Graça. Embora os termos Luz e Graça possam ser teologicamente relacionados e até equacionados, não acho que a palavra graça fosse tida espontaneamente pelo povo como uma outra “variante” para exprimir luz ou candeia. Para além disso, não tenho conhecimento de nenhuma outra terra em que Nossa Senhora da Graça seja evocada no dia 2 de Fevereiro.


Parece que os antigos contavam que, aquando da construção da capela, os pedreiros carregaram uma grande pedra retirada de uns olivais próximos dali(5). Depois de colocada na construção já iniciada, a pedra voltava no dia seguinte a aparecer no sítio de onde tinha sido tirada. Como ninguém conseguia explicar o sucedido, retiraram parte dessa pedra com a qual esculpiram a imagem da Senhora da Graça, deixando o resto da pedra no olival, com a qual fizeram uma pia. Essa pia enchia-se com água da chuva que as pessoas bebiam e que nem no Verão se esgotava. Foi este facto que terá dado origem ao nome de Senhora da Graça, pois, por seu intermédio, Deus cumularia dos Seus dons o povo da Ataíja. Esses dons não podiam traduzir-se melhor para os ataijenses, que viviam dos produtos da terra, do que na abundância e qualidade das colheitas agrícolas, tão bem simbolizada no ramo que a imagem tem na mão direita. A procissão à serra, junto do cruzeiro, que ainda hoje se mantém, poderá ter este significado.


A data de 1 de Janeiro para a festa de Nossa Senhora da Graça, julgo que poderá relacionar-se com o início do ano. Se nela era pedido a Deus, por mediação da Virgem cheia de graça, que enviasse a Sua Graça sobre a vida das pessoas e muito particularmente sobre os campos, também se poderia pedir a Sua Graça para o ano da graça que nesse dia começava …(6)
No dia da inauguração das remodelações da Capela, em Dezembro de 2003, o pároco afirmou, julgo que por convicção pessoal, que a imagem de Nossa Senhora da Graça terá sido possivelmente esculpida no século XVI, por iniciativa dos Monges de Cister, e que a Capela terá sido construída por essa altura, sobre um antigo palheiro ali já existente…


Provavelmente, as razões da existência deste orago(7) permanecerão sempre envoltas em mistério, como de resto acontece em tantos locais de devoção mariana e não só. Existem as lendas que nos contam milagres… Neste caso, julgo que o melhor será mesmo apresentar, como principal razão, a história da relação de amor entre Deus que age gratuitamente e o Seu Povo que com gratidão Lhe responde. História na qual nem sempre tudo tem de ser compreensível aos nossos olhos…


Notas:
(1) A Liturgia cristã antiga dava especial destaque aos templos de Roma, nomeadamente àqueles em que o Papa celebrava ao menos uma vez por ano. Sendo assim, a memória da dedicação deste templo foi estendida a toda a Igreja, até uma certa altura.
(2) Do grego hipóstasis (natureza).
(3) Fenómeno que a Reforma Litúrgica pós Concílio Vaticano II muito travou, fazendo sobrepor as festividades universais às particulares.
(4) Ao contrário do que sucedeu com o 1 de Janeiro, o dia 2 de Fevereiro foi ganhando, ao longo dos tempos, uma grande marca da piedade mariana, convertendo-se assim em festa mariana. Inicialmente, este dia celebrava a Apresentação do Menino Jesus no Templo (em que também é purificada Maria), descrita em Lc 2, 22-39. Nesta passagem bíblica, acho que podemos encontrar o porquê de neste dia se evocar a Senhora da Luz, das Candeias: Semeão, homem justo e piedoso que vivia no Templo de Jerusalém, afirma ao ver o Menino, que Ele é a Luz para se revelar às nações e a glória de Israel (cfr. Lc 2, 32). A Reforma do Concílio Vaticano II “devolveu” o significado cristológico a esta Festa Litúrgica, tomando, a Apresentação do Menino, o primeiro lugar neste dia.
(5) Estes olivais localizar-se-iam onde hoje termina a Rua da Hortas.
(6) Note-se, neste parágrafo, a repetição do termo graça, que considero não ser meramente ocasional.
(7) Orago: Patrono, padroeiro (Invocação da Virgem, Santo ou Anjo) a quem é dedicada uma localidade, povoado ou templo.

Dezembro de 2010
Fábio Bernardino

12º ALMOÇO ANUAL DO SALÃO CULTURAL ATAÍJENSE

O 3.º DOMINGO DE JANEIRO É, SEMPRE, DIA DE ALMOÇO NO SALÃO!

Dia 16 de Janeiro de 2011, Domingo,  12º Almoço Anual do Salão Cultural Ataíjense!




terça-feira, 14 de dezembro de 2010

A indústria e o Comércio na Ataíja de Cima, hoje

Se, como referimos em post anterior (aqui), a importância económica da indústria da faiança é, hoje em dia, bem menor do que foi há vinte ou quinze anos atrás, em compensação as actividades ligadas à exploração da pedra Vidraço da Ataíja não têm parado de se desenvolver e alastraram-se, aliás, a todas as aldeias vizinhas. Agora já não é só, nem sobretudo, a actividade extractiva mas, antes, as da transformação e serviços associados.

Ao contrário do que aconteceu na cerâmica decorativa que é uma actividade importada e onde os ataíjenses quase nunca ultrapassaram a função de operários, no caso do Vidraço da Ataíja , verificou-se uma rápida adaptação que permitiu aos naturais aprender não só a extrair a pedra (a) como, mais importante em termos económicos, a transformá-la.

Por outro lado, as excelentes condições de acesso propiciadas pelo IC 2 (b) e a crescente importância da indústria extractiva regional, propiciada designadamente pelo desenvolvimento provocado pela crescente aceitação da pedra Molianos e outras extraídas nas Serras de Aire e Candeeiros, levaram alguns dos maiores grupos empresariais ligados à extracção e ao comércio de rochas ornamentais a instalar-se na Ataíja de Cima.

Esta dinâmica industrial levou a que as actividades, directa ou indirectamente ligadas viessem a, do mesmo modo, instalar-se ou desenvolver-se no local. Desde logo, a satisfação da necessidade básica da alimentação dos trabalhadores envolvidos, levou ao surgimento de cafés e restaurantes. A melhoria das condições de vida local, à banalização do automóvel e à necessidade de existência de oficinas de reparação. A produção industrial à necessidade de especialistas na sua comercialização. O crescimento do conhecimento local das técnicas de trabalhar a pedra ao surgimento de fábricas e oficinas de transformação.

Hoje, fazendo uma pesquisa sobre as empresas que têm fábricas, oficinas, armazéns ou outras instalações na Ataíja de Cima, contei 43 (c).

Mais de metade das empresas estão no sector da pedra, (extracção, serragem, armazenamento, fabrico de lareiras, pavimentos, revestimentos e cantarias, transporte, etc,).

Mais de 25% (12 empresas) possui sites próprios na internet. Este é um bom indício de que se trata de empresas modernas e viradas ao futuro.

O encerramento da maioria das fábricas de faianças conduziu, naquela época, ao surgimento de desemprego. Mas hoje em dia o desemprego é perfeitamente marginal (d) e, – parte boa – tendo desaparecido a exagerada pressão sobre a mão-de-obra local que levou a que uma geração inteira tivesse abandonado a escola para, (muito jovens, com catorze anos de idade), ir trabalhar nas fábricas há, finalmente, condições para a juventude estudar como deve estudar, já que só o estudo lhes poderá permitir fazer a gestão das empresas que os seus pais criaram, ou exercer, nelas, os cargos cada vez mais especializados que o futuro exige.

NOTAS:
a) -Nos primeiros tempos foi necessário recorrer à emigração de trabalhadores experientes, oriundos de Pero Pinheiro, Vila Viçosa, Ançã e Tentúgal (destes, cá ficou o Pimenta que, há muito tempo, já é um ataíjense).
b) Condições essas que, aquando da entrada ao serviço do IC 9, terão uma melhoria muito significativa.
c) Faltam algumas. A colaboração dos leitores para colmatar as falhas será bem-vinda.
d) A insuficiência da mão-de-obra local continua a justificar a existência de emigrantes, agora oriundos, sobretudo, dos chamados países de Leste.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

A Faiança na Ataíja de Cima

A rede pública de electricidade foi inaugurada na Ataíja de Cima, em Outubro de 1969, nas vésperas das eleições legislativa.

Estavam, assim, criadas as condições para o início de uma nova fase da industrialização da aldeia (industrialização essa que tinha começado em 1955 com o início da exploração do Vidraço de Ataíja, como se disse em post anterior).

Ainda em 1969, começou a ser construída a primeira fábrica de faianças, a SAFARIL – Cerâmica Artística e Decorativa dos Candeeiros, Lda, (cuja escritura publica de constituição da sociedade é de 1972) que tinha entre os sócios fundadores o ataíjense António Baptista Vigário.

Mais tarde, a Safaril integrou-se no grupo empresarial de faianças Martan/Safaril.

Fechou portas e apresentou-se à falência no ano de 2000, encontrando-se as suas instalações actualmente abandonadas.

Na década de 1980, assistiu-se a um grande crescimento do número de fábricas de faiança em todo o concelho de Alcobaça, tendo iniciado actividade um total de, pelo menos, 78 empresas, das quais 7 na Freguesia de São Vicente de Aljubarrota e, destas, 5 na Ataíja:

- Novalco – Novas Faianças de Alcobaça. Lda., a qual, tendo entrado em falência, foi adquirida por novos proprietários que a reabriram com a firma Destinos – Arte Cerâmica, S.A., e encontra-se em funcionamento.

- Carfip – Cerâmica da Figueira Pedral, Lda., que entretanto cessou as suas actividades e em cujas instalações existe, actualmente, uma fábrica de transformação de pedra da empresa Airemármores, Extracção de Mármores, Lda.

Sousicer – Faianças Decorativas. Lda., criada por iniciativa do ataíjense José Fernando Cordeiro de Sousa e que se encontra em laboração.

- Fata – Faianças da Ataíja, Lda., com falência decretada por sentença de 27-02-2003, do Tribunal da Comarca de Alcobaça.

- Sofal – Sociedade de Faianças. Lda., empresa que chegou a ter assinalável projecção. Veio a falir (insolvência declarada por sentença de 20-05-2008, do Tribunal da Comarca de Alcobaça), encontrando-se as suas instalações actualmente abandonadas e em rápido processo de deterioração.


As seis fábricas referidas empregavam, no final do Séc. XX, centenas de trabalhadores do que resultava o pleno emprego da população ataíjense e, por isso, embora o nível salarial fosse bastante baixo, próximo do salário mínimo nacional, esse foi um período de extraordinária prosperidade, tendo o nível de empregabilidade chegado a ultrapassar os 50% da população total da aldeia.


Actualmente, em todo o concelho de Alcobaça, são pouco mais de cinquenta as entidades que constituem o sector da cerâmica utilitária e decorativa, incluindo fábricas, fornecedores de matérias-primas, empresas distribuidoras e artesãos.

Uma vez que o sector se mantém em crise – e não se vê que possa voltar, ao menos em dimensão, ao que foi nos anos de 1980 – a maioria dessas entidades é constituída por “sobreviventes” do período áureo, o que se reflecte, desde logo, na idade média dos trabalhadores que é de cerca de 45 anos. Como sempre no sector, a maioria são mulheres (70%), têm como habilitações literárias a escolaridade mínima obrigatória e são operárias (88%).


NOTA: Este post é, parcialmente, subsidiário do estudo elaborado por Luís Peres Pereira para SDO Consultoria – Análise SWOT ao Sector da Cerâmica Utilitária e Decorativa da Região de Alcobaça – Relatório de Diagnóstico, Junho de 2009, disponível in:

http://www.cm-alcobaca.pt/resources/e948fa0cea16233e67612e1de606d708/Full_Report_Alcobaca_Final_Version_02.pdf

 
Bule "gata" produzido em 1992, na Ataíja de Cima, por SOFAL para a AVON (Estados Unidos)