segunda-feira, 25 de junho de 2012

O Cuco


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Um dos pássaros mais conhecidos, na nossa Ataíja é, também, um dos menos vistos: Todos lhe conhecem o nome, todos lhe conhecem o característico canto mas, a maioria das pessoas, nunca viu nenhum.
De facto, o cuco-canoro (Cuculus canorus) é uma ave discreta já que pela sua cor cinzenta, onde apenas sobressaem as listas mais escuras da parte inferior do corpo e o círculo amarelo onde se inscrevem os olhos, se confunde facilmente no seu habitat preferido, as zonas de arvoredo, a baixa altitude.
Na Ataíja, gosta especialmente do vale da ribeira do Mogo, onde sabemos que está ao ouvir o seu sonoro canto, o “cuc-cuc”, que lhe dá o nome e com que anuncia a primavera.
Ave de arribação, passa o inverno em África e chega a Portugal no mês de março, reproduz-se e, volta a emigrar, retornando ao sul, a partir de julho.
A chegada do cuco (e, com ele, dos dias amenos) era aguardada com grande expectativa.
Já ouviste o cuco? Perguntavam as pessoas umas às outras.
Ainda vai ouvir o cuco, dizia-se aos mais velhos, em sinal de que haviam de passar os rigores do inverno e gozar de muita saúde, pelo que não se justificava estarem a lamentar-se das suas maleitas.

O cuco é, uma ave de costumes peculiares e, diríamos, reprováveis.
É um parasita.
Não constrói ninho, depositando os seus ovos nos ninhos de outras aves, como ele, insectívoras e, muitas vezes, de porte bastante mais pequeno (um cuco é uma ave relativamente grande, com trinta a trinta e cinco centímetros de comprimento, metade dos quais correspondem à cauda e uma envergadura que chega a atingir os sessenta centímetros).
Deposita um ovo em cada ninho e, para que a ave parasitada não se aperceba da tropelia, come um dos ovos lá existentes.
Dispensa-se, assim, de ter de construir ninho, chocar os ovos ou alimentar as crias.
Este sentido de oportunismo, também o tem a cria que, por ter pouco tempo de gestação nasce antes dos outros ovos e, para ganhar espaço, expulsa-os do ninho.
As aves hospedeiras continuam a alimentar o cuco sem darem pela diferença e quando este atinge a maturidade, é já bastante maior que os seus pais adoptivos.
A acrescer a todos estes “maus comportamentos”, parece, ainda, que a fêmea é promíscua, copulando com vários machos.

Mas, pelos vistos, ao cuco tudo se perdoa, por ser o arauto da desejada primavera.


Na Ataíja de Cima da minha infância, havia um outro Cuco.
Um tal Joaquim, de alcunha o Cuco, que era natural do Valado dos Frades, mas casou na Ataíja e aqui viveu, - na casa onde, actualmente, vive o Paulo Jorge -, até viuvar de Teresa Neto, que faleceu de tétano, adquirido como consequência da infecção provocada por um golpe de enxada num pé (as mulheres e as crianças andavam descalças) tendo, posteriormente, regressado à sua terra.
A certa altura, o Cuco arrendou ao meu pai a soija de baixo que (talvez com saudades das culturas de regadio do seu Valado natal) plantou de cebolas que regava com água, trazida em barricas, da Lagoa Ruiva. O que causou grande admiração (e alguma contestação, pelo gasto excessivo de água) pois, por aqui, nunca tal se tinha visto.

NOTA: para a elaboração deste texto foram consultados (em 25-6-2012) além do ficheiro que legenda a foto, mais os seguintes sites de internet:
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quarta-feira, 20 de junho de 2012

A Poupa


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 De entre as aves, residentes ou de arribação, que podemos ver na Ataíja de Cima, a poupa é a que tem a plumagem mais exuberante.

Não se trata de um pássaro muito vulgar e, embora pareça não correr perigo de extinção (apesar de ter desaparecido dos campos de diversos países do norte da Europa, como a Suécia, a Holanda e a Bélgica e de grande parte da Alemanha), é raro ver-se.

Um destes dias, quando me levantei e fui à janela, como habitualmente faço, para me deliciar olhando o campo sob o sol da manhã, dei com uma belíssima poupa que, a escassos metros, debicava a terra em busca dos insectos de que se alimenta.
Ainda tentei uma foto, mas ela (ou ele, sei lá eu) esgueirou-se e foi procurar insectos para outro lado.

Era, no entanto, igualzinha à da fotografia seguinte que encontrei, algures, na internet:



Lembro-me, ainda miúdo, do que terá sido a primeira vez que vi uma poupa, junto à Lagoa Ruiva.
Quem me acompanhava, certamente alguém mais velho, deu-me, então, a correspondente aula de ornitologia: o nome do pássaro, os hábitos alimentares e o de fazer o ninho em buracos nas paredes e, claro, esse costume repugnante de os construir com fezes fedorentas.

O fascínio da poupa estava, exactamente, aí:
A rainha de beleza das aves do meu mundo era, afinal, só aparência, coisa para se ver ao longe. Chegássemos perto e o horroroso cheiro empestaria as plumas caprichosas com que se passeava, arrogante, no meio de pardais cinzentos.

Parece-me bem que a tal lição de ornitologia tinha uma intenção moral: Alertar a criança que eu era, para o valor relativo da aparência e da beleza.
E, funcionou.
Durante muito tempo a poupa foi, para mim, um pássaro falsamente bonito, na verdade, apenas, mal-cheiroso que fazia ninhos nojentos em lugares decadentes como, no caso, as ruínas do lagar dos frades e da Casa do Monge Lagareiro.

Mas, a verdade é as poupas são pacíficos e muito belos insectívoros (e, por isso, vítimas colaterais do uso de insecticidas na agricultura) e, não só não fazem o ninho com excrementos, como o mantém impecavelmente limpo e o tal cheiro é produzido por uma glândula que, em caso de ameaça e só nesse caso, expele um líquido, esse sim muito mal-cheiroso, no que constitui uma estratégia de defesa, destinando-se, exclusivamente, a afastar os predadores.

Estamos reconciliados, eu a poupa e, aquela que me visitou numa destas manhãs, está autorizada a fazê-lo todos os dias.
O que me daria muito gosto.
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segunda-feira, 4 de junho de 2012

Os Crespos, de Regueira de Pontes, senhorios foreiros na Ataíja de Cima


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Entre as muitas famílias “de fora” que possuíam terras na Ataíja de Cima, assunto a que já dediquei alguns textos aqui publicados, surge agora uma outra:
A família Crespo, de Regueira de Pontes, Leiria, que por aqui conservou prazos foreiros pelo menos desde 1835 e até 1920.

Em 1835, o ataijense Manuel Martins, então ainda solteiro, tornou-se enfiteuta do Dr. António Manuel da Silva Crespo, de Regueira de Pontes, Leiria, ao qual ficou a pagar o foro anual de 5 alqueires, ou 69,825 litros, de trigo pelo domínio útil de “metade de uma terra e oliveiras no sítio dos Arneiros, um olival no sítio dos Caramelos e uma casa térrea na Ataíja”.

Falecido o Dr. Crespo foi, tal foro, objecto de uma escritura de reconhecimento, celebrada em 5 de Fevereiro de 1869, no Cartório do Tabelião Libório, em Alcobaça, na qual o Manuel Martins, e sua mulher Maria Guilhermina e as herdeiras do senhorio, suas irmãs, Dona Ana Joaquina da Silva Crespo e Dona Maria Ignácia da Silva Crespo, representadas na escritura pelo seu procurador José de Bairros, professor de instrução primária em Alcobaça, se reconheceram, mutuamente, como enfiteutas e senhorias.

Cinquenta e um anos mais tarde, em 19 de Março de 1920, um outro Crespo, o Padre Manuel de Sousa Crespo, dos Milagres (a freguesia dos Milagres foi criada por desmembramento das de Regueira de Pontes e Colmeias), vendeu[i] a Francisco Vigário (o Vigário Velho), o domínio directo de um foro anual de oitenta e quatro litros de trigo (6 alqueires), imposto em uma terra de semeadura e vinha no Outeiro, que o vendedor possuía por herança de D. Júlia das Dores da Silva Crespo[ii], de Regeira de Pontes.

Aquele Dr. António Manuel da Silva Crespo foi gente importante. Era filho do Capitão (da Companhia de Ordenanças de Regueira de Pontes?) António Francisco Crespo e foi Bacharel em Cânones e juiz de fora, conselheiro do distrito e vereador da Câmara Municipal de Leiria, integrando, em 1852, a lista dos maiores agricultores do distrito, com interesses em, pelo menos, Regueira de Pontes e Alcobaça onde, aparentemente, se deslocava com frequência e passava temporadas.[iii]

Seria tio[iv] do Dr. António Lúcio Tavares Crespo (1843-1905)[v], ilustre alcobacense que foi um dos promotores da construção do elevador da Nazaré, Bacharel em Direito[vi], Advogado e Conservador do Registo Predial no Porto, deputado às Cortes pelo círculo de Alcobaça em 1865-1868 e 1887-1889 e presidente da mesa da assembleia geral da Companhia de Fiação e Tecidos de Alcobaça.


NOTAS:

[i] Escritura celebrada em 19-03-1920, Alcobaça, Notário José Estevam d’Abreu e Oliveira.
[ii] Sobrinha do Dr. António Manuel da Silva Crespo.
[iii] Como se deduz das actas da sessão da Câmara Municipal de Leiria, de 18 de Maio de 1846, citada por Ricardo Charters d’Azevedo, in http://www.familiasdeleiria.com/, (consultado em 30-5-2012). O que parece pressupor que tais interesses excediam os foros da Ataíja de Cima.
[iv] No entanto, este parentesco não parece totalmente esclarecido.
[v] Uma breve biografia do Dr. António Lúcio Tavares Crespo pode ser lida em “Figuras de Alcobaça e sua Região”, por Bernardo Villa Nova, Rebate, 2002, Alcobaça,
[vi] Em 1857/1858, frequentava o 1.º ano do curso de Direito, onde era colega de Thomaz Emilio Rapozo de Magalhães. Não havia, naquele ano, outros estudantes alcobacenses em Coimbra. (v. “Relação e Indice Alphabético dos Estudantes…”, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1857)

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