sexta-feira, 30 de julho de 2010

Serra dos Candeeiros

O nome de Serra dos Candeeiros, por que hoje conhecemos a serra fronteira à Ataíja de Cima, é muito recente e não o encontramos em quaisquer documentos antigos. Mesmo no Séc. XIX, era, ainda, a serra chamada frequentemente por diversos nomes, como serra dos Molianos, serra de Rio Maior, serra de Porto de Mós, serra das Ataíjas, etc.

No caso do Relatório de 1758, do pároco de Nossa Senhora dos Prazeres, elaborado a mando do Marquês de Pombal e a que já fizemos referência no post de 29-5-2010 "Quando a festa de Nossa Senhora da Graça se celebrava no dia 1 de Janeiro", a serra dos Candeeiros é chamada "Serra das Taíjas"

Transcrevemos a Parte Segunda do referido relatório (as reticências referem-se a pequenas partes do texto que não conseguimos decifrar), onde se faz uma interessante, pormenorizada e, certamente, bem informada descrição do que era, naquele tempo, a parte da serra dos Candeeiros que pertencia ao termo de Aljubarrota:

Parte segunda

Em a qual se responde aos seus interrogatórios e se da verídica informaçaõ, e noticia da Sérra das Taijas
1 Em distancia de huma legoa da Villa de Aljubarrota pêra a parte do Sul esta huma fragoza, e alta Sérra a qual tem por nome a Sérra das Taijas, e tem o seu assento em lugar tam decuberto e desafrontado que do pé da Praça de Badajós em distancia de quarenta legoas se logra claramente a sua vista.
2 Esta Sérra tem dés legoas de comprimento e quasi meya legoa de largo, e tem o seu principio junto á Villa de Portodemos, donde discorrendo via recta pela parte do Sul, no fim dellas junto ao Lugar de Riomayor … e logo mais adiante em pouca distancia se torna a levantar e continuando mais tres legoas vai finalmente acabar ao pé da Serra de Montejunto.
3 Esta Sérra não tem braço algum antes é reunião de muytos que assim ella como a serra de Minde, a de Alvados, e outras mais, que com ela são braços da Sérra da Estrela.
4 No districto e termo da Villa de Aljubarrota naõ nasce Rio algum.
5 Dentro do termo da Villa de Aljubarrota naõ há no districto desta Sérra nem Villas, nem Lugares, porém no mesmo termo ao longo desta estaõ os lugares de Taija de baixo, o Lugar de Taija de Sima, o Lugar dos Casais de Santa Tereza, o Lugar do Casal do Rey, o Lugar dos Covoeñs, o Lugar porem das pedreiras esta situado nas raizes della.

6 No districto desta Sérra dentro no termo desta Villa de Aljubarrota naõ há fonte de qualidade alguma.
7 Dentro do termo da Villa de Aljubarrota não há nem nunca em tempo algum se descobrio nesta Sérra mina alguma de metaes; porem há nella immensidade de excelentes cantarias de pedra branca molar, de que se tem feito admiráveis e sumptuosos edifícios assim antigos, como modernos.
8 Esta Sérra he povoada de muyto rosmaninho, pimenteira, e alecrim, e nella naõ há outras ervas medicinais, nem se cultiva em parte alguma, nem produz género algum de fructos, nas raízes porem della se admira uma dilatada planície de mays de tres legoas de comprimento, e um quarto de largo, a qual toda se cultiva, e he plantada de fecundíssimos olivais, cujo arvoredo a faz muyto vistoza e aprazível.
9 Nesta Sérra naõ há Mosteiros, Igrejas de Romagem, nem Imageñs milagrosas.
10 Há nesta Serra criaçoeñs de gados, e bastante caça de Coelhos, Lebres, perdizes, pombos bravos; e principalmente de lobos, e Rapozas he muyto asssistida e vizitada; sem que sejam bastantes pera os extinguir, as muitas montarias que lhes fazem.
11 Nesta Sérra esta um Arco de Cantaria chamado o Arco da Memoria em cujo lugar, se diz, que o Senhor Rey Dom Affonso Henriques fizera voto de dar á Ordem Cisterciense tudo o que desse lugar avistasse athé ao Mar pela occasião da expugnação da Villa de Santarem como consta de hum padraõ que está no mesmo arco com a inscripçaõ seguinte
Hic scalabim expugnaturus Alfonsus … Portugalia Rex votum vo.. Christo daturum se Ordini Cister ..ensi cincta qua oculus cernere po… decurrentibus aquis in mare, st maritis Divi patris Bernardi fretus verbem capissete Quod dum Pater Sanctus suis st orumque orationibus obtinet, Rex promissa adimplet Surgit Alcobatiae Regale cenobium cujus Principatus ic in ora marítimo terminum habet Gesta sunt hoc omnia anno Domini MCXLVII …

Notas: Voltaremos a falar deste texto. Por agora, quero chamar a atenção dos leitores para duas coisas:
- Quando, no ponto 5, se fala do Lugar das pedreiras, não se está a referir as Pedreiras que pertecem ao conselho de Porto de Mós mas, antes, os Molianos. De facto os Molianos eram conhecidos por a Pedreira, ou a Pedreira dos Molianos e ainda quando eu era pequeno assim lhe chamava a generalidade das pessoas mais velhas.
- Outro ponto interessante do texto é a prova de que já em meados do Séc. XVIII, portanto antes da construção do lagar dos Frades da Ataíja de Cima e da plantação do Olival do Santíssimo (o olival dos frades da Ataíja de Cima) já toda a nossa região era largamente povoada de oliveiras.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Ataíja de Cima e a Diocese de Leiria

A Diocese de Leiria foi criada, a pedido de D. João III, pelo Papa Paulo III em 22 de Maio de 1545 e ampliada em 1585, com a integração das paróquias de São Vicente de Aljubarrota, Alvados, Arrimal, Seiça, Fátima, Freixianda, Juncal, Mendiga, Minde, Olival, Ourém, Porto de Mós (São João, São Pedro e Santa Maria) e Serro Ventoso.

Como se diz no COUSEIRO:
“No ano de 1585, uniu o Sumo Pontífice (Sisto V) a este bispado a vila de Ourém e seu distrito, que teve somente efeito na jurisdição, da qual se tomou posse pelo bispo D. Pedro, em 14 de Junho de 1586”. Na mesma data, foram integradas a vila e termo de Porto de Mós, com suas paróquias, e “metade da vila de Aljubarrota, que era a freguesia de S. Vicente, que veio juntamente nesta união, assim renda para o cabido, como jurisdição para o Prelado”. Todos estes territórios pertenciam ao arcediagado de Santarém e ao arcebispado de Lisboa.

Nessa época, já estavam constituídas as seguintes paróquias, algumas fundadas desde o primeiro povoamento cristão, e outras ao longo dos tempos, até esse ano de 1586: na vila de Ourém, Santa Maria, S. Tiago, S. Pedro e S. João; no seu termo, as da Freixianda (séc. XIII?), Seiça (1517), Olival (séc. XIII?) e Fátima (1568); na vila de Porto de Mós, S. Pedro, S. João e Santa Maria; no termo, as paróquias de Minde (cerca de 1555), Alvados (entre 1555 e 1559), Arrimal (depois de 1526), Mendiga (depois de 1526), Serro Ventoso, Juncal (1554?) e S. Vicente de Aljubarrota (antes de 1429).

No início do Séc. XVII (1606), sendo bispo D. Martim Afonso Mexia (1604-1615), procedeu-se, sob a direcção do arquitecto Pêro Moreira, à reconstrução da igreja de São Vicente de Aljubarrota.

Em 9 de Outubro de 1614, o Papa Paulo V, pela bula “Decet Romanum Pontificem”, integrou no bispado de Leiria as paróquias de Nossa Senhora dos Prazeres de Aljubarrota e de Alpedriz, até então pertencentes ao arcebispado de Lisboa.

A Diocese veio a ser extinta em 30 de Setembro de 1881, por bula de Leão XIII, tendo uma parte das paróquias sido integrada na Diocese de Coimbra e as restantes 25 no patriarcado de Lisboa: quatro paróquias do actual município de Alcobaça (Nossa Senhora dos Prazeres e S. Vicente de Aljubarrota, Alpedriz e Pataias); duas da Batalha (Batalha e Reguengo do Fetal); onze de Porto de Mós (Alcaria, Alvados, Alqueidão da Serra, Arrimal, Juncal, Mendiga, Minde, Mira, Porto de Mós [S. João e S. Pedro] e Serro Ventoso); oito de Ourém (Espite, Fátima, Freixianda, Olival, Ourém, Rio de Couros, Seiça e Vila Nova de Ourém).

Em 17 de Janeiro de 1918, o Papa Bento XV, restaurou a Diocese e, em 25 de Março de 1957, a sua área foi de novo aumentada com a integração da freguesia de Formigais, desanexada do patriarcado de Lisboa.

A partir da refundação, sob o governo do Bispo D. José Alves Pereira da Silva e devido ao fenómeno de Fátima que, aliás, levou à alteração da sua designação para Diocese de Leiria-Fátima, atribuída por bula de João Paulo II, de 13 de Maio de 1984, a Diocese de Leiria acabou por se transformar numa das mais importantes dioceses portuguesas e é composta por nove vigararias: Batalha – na qual se integram as paróquias de Alpedriz, Batalha, Calvaria, Juncal, Reguengo do Fetal e Nossa Senhora dos Prazeres e São Vicente de Aljubarrota -, Colmeias, Fátima, Leiria, Marinha Grande, Milagres, Monte Real, Ourém e Porto de Mós.

A Ataíja de Cima integra, assim, a Diocese de Leiria desde 1585.

NOTA: Na elaboração deste texto recorremos às seguintes fontes de informação:
- O Couseiro, ou memórias do bispado de Leiria;
- A Diocese de Leiria-Fátima, por Luciano Coelho Cristino, in Catedral de Leiria;
- Diocese de Leiria-Fátima, por Saul António Gomes, In Dicionário de História Religiosa de Portugal, Vol. 3, Círculo de Leitores, Lisboa 2001;
- http://www.leiria-fatima.pt/

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Festa em Honra de Santo António

No dia 15 de Agosto vai decorrer na Ataíja de Cima a tradicional Festa em Honra de Santo António.
Integrada no Programa da Festa, este ano e pela primeira vez, disputar-se-à no sábado dia 14-08-2010 e com início às 18h00 a



Mais informações sobre esta prova podem ser obtidas em http://festadesantoantonio2010.blogspot.com/ ou, ainda, pelo email paulino.axa@iol.pt ou pelo número de telemóvel 919742883.

NOTA: O curioso nome de "Santo António Serôdio"que a organização resolveu dar à corrida  deve-se, sem dúvida, ao facto de, como referimos em post anterior, Santo António ser habitualmente comemorado no dia 13 de Junho, data da sua morte, enquanto na Ataíja de Cima é comemorado em 15 de Agosto, data do seu nascimento. O que faz da Festa de Santo António da Ataíja de Cima uma festa serôdia, quer dizer, tardia.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Santo António na Ataíja de Cima

Na capela de Nossa Senhora da Graça da Ataíja de Cima, sobre duas peanhas de pedra cravadas na parede que ladeiam o nicho onde se encontra a imagem do orago, estão, dentro de redomas de vidro, as imagens do menino Jesus e de Santo António.
Trata-se de imagens modernas, adquiridas já na segunda metade do Séc. XX, para substituir outras mais antigas que se encontravam muito deterioradas e, pelo menos o menino Jesus, das últimas vezes que saiu em procissão tinha, inclusive um dos braços partidos.
Inicialmente e até ao Séc. XVII, na capela havia, ao menos a acreditar no autor do COUSEIRO, apenas a imagem de Nossa Senhora da Graça. Entre meados do Séc. XVII e meados do Séc. XVIII, foi acrescentada a imagem do menino Jesus, uma vez que no seu relatório de 1758 o cura de São Vicente diz que ela está sobre o altar, sem fazer qualquer referência a Santo António.

A introdução da imagem de Santo António é, pois, posterior e, em data que não conhecemos, passou a realizar-se uma festa em honra do Santo no dia 15 de Agosto.

Ora, Santo António é tradicionalmente festejado, em 13 de Junho. Qual, então, a justificação para que na Ataíja seja celebrado em 15 de Agosto?
É que Santo António nasceu em Lisboa, onde foi baptizado com o nome de Fernando de Bulhões, em 15 de Agosto de 1191 (ou 1195, não se sabe bem), e faleceu em Pádua em 13 de Junho de 1231. O que comemoramos é, assim, a data de nascimento do santo.

Santo António foi frade agostiniano mas, em 1220, ingressou na OFM (Ordem dos Frades Menores, Franciscanos) de cujo Capítulo Geral, em Assis, Itália, fez parte por convite do próprio São Francisco.
Foi canonizado pelo Papa Gregório IX no dia 30 de Maio de 1232, menos de um ano após a sua morte, o que diz bem do prestígio de santo que adquiriu em vida.
Em 1946, o papa Pio XII proclamou-o Doutor da Igreja, considerando que foi um exímio teólogo e insigne mestre em matérias de ascética e mística.

"Assentou praça" em 1668 e foi sucessivamente promovido a capitão, e a Tenente-Coronel do Exército Português, com direito ao respectivo soldo e o mesmo aconteceu no Brasil durante todo o período imperial, com a patente de Tenente-Coronel e direito ao soldo que só deixou de ser pago em 1911.

Santo muito popular em países como Portugal, Itália, Brasil e Espanha (onde, em Ciudad Real, o vi festejar rijamente) tornou-se, em detrimento de São Vicente, o patrono popular de Lisboa que o comemora com sardinhas assadas na noite mais alegre, movimentada e anárquica do ano. É santo casamenteiro, advogado de causas perdidas e afamado milagreiro (no Brasil fazem promessas e colocam a imagem de cabeça para baixo até que se cumpram).

Como é que um místico e asceta Doutor da Igreja se torna um santo tão popular, sempre associado na imaginação do povo a festa e alegria? Não sei mas, a verdade é que todos os franciscanos que conheci eram pessoas alegres, bem dispostas e com gosto de viver. Talvez Santo António fosse um franciscano assim.


FESTA EM HONRA DE SANTO ANTÓNIO

ATAÍJA DE CIMA

15 DE AGOSTO DE 2010

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Pedra insonsa

Os estudiosos que têm publicado sobre a região serrana do concelho de Alcobaça dão, sistematicamente, uma grande importância às construções em pedra seca ou insonsa, quer dizer, sem qualquer argamassa.
Mas, se esse tipo de construção é evidente nas delimitações das propriedades, em paredes de estrutura muito simples, a maioria das vezes mera sobreposição das pedras, solução aliás comum em muitas regiões de Portugal (por exemplo, nas zonas rurais do concelho de Sintra) e, também noutros países da área mediterrânica, como se vê na fotografia seguinte tirada na Croácia mas que bem o poderia ter sido no vale da ribeira do Mogo:



A verdade é que na Ataíja o uso desta técnica foi muito limitado no que respeita à construção de edifícios e outras estruturas mais complexas. Pelo menos nos últimos dois séculos, é de crer que o exemplo dos frades que construíram o lagar dos frades com uma argamassa de barro, cal e borras de azeite, tenha sido largamente copiado. Os muros da "quinta", são, aliás, um extraordinário exemplo da qualidade desta construção, mantendo, após duzentos e cinquenta anos, uma notável solidez, como se vê da fotografia seguinte:



Esse uso limitado da técnica de construção em pedra insonsa é bem compreensível desde logo, porque é claramente mais fácil construir com argamassa com o que se dispensa (à custa, até certo ponto, da solidez do conjunto) um aparelhamento mais minucioso das pedras de enchimento.
Havia, construidas em pedra seca, muitas cortes de porcos, covas de bagaço e pequenos palheiros ou casas de arrumos mas estão hoje quase todas desaparecidas.
Os poços eram, também, construidos em pedra seca e nisso se distinguiam das cisternas que eram argamassadas com uma mistura de barro e cal e rebocadas.
A maioria dos poços, designadamente os mais característicos, com cobertura de telha, estão hoje desaparecidos.
Sobram, no entanto alguns com falso aspecto de cisterna, como é o caso do que foi construído pelo meu avô Joaquim Coelho Quitério: tem cobertura de cimento armado e, apenas na parte que emerge da terra, a parede rebocada pelo exterior, como se vê na fotografia seguinte:



Das paredes de edifícios, construídas em pedra seca, o caso mais notável, pela qualidade da construção, que se pode ver nas ruas da Ataíja, é a parede de um anexo à residência que foi de Maria Branca, na Rua das Hortas, de que a fotografia seguinte apresenta um pormenor. De notar que quando esta parede foi construída já não havia na Ataíja pedreiros especializados nesta técnica tendo, segundo me explicou Joaquina Branco, a construção sido feita a mandado de seu pai por pedreiros que vieram "de trás da serra".