terça-feira, 30 de março de 2010

Quaresma

Na Ataíja de Cima, num tempo em que a aldeia vivia exclusivamente de uma pobre agricultura de sequeiro, cabia às mulheres tomar conta da casa, criar os filhos e os animais e cultivar os escassos terrenos familiares que os homens, esses, estavam a maior parte do ano emigrados, muitos em Lisboa e arredores, em busca de um rendimento minimamente regular que nas agruras da borda da serra dos candeeiros não era possível obter.


Tal como na generalidade das civilizações agrícolas, cabia ainda à mulher zelar pela moral e a religião.

É dever de todos os católicos confessar-se ao menos uma vez em cada ano (Catecismo, 989).

Daí que, naquela Quaresma de 1952, uma das grandes preocupações de Joaquina Rosalia, (que pertencia, aliás, a uma família de prática religiosa acentuada, sendo irmã de duas freiras e prima de  um Padre) fosse a de assegurar que o seu marido, José Coelho, então a trabalhar de vaqueiro numa quinta em Camarate, junto a Lisboa, cumpria esse dever de se confessar.

Lembrou-lho  numa carta de 10 de Março e voltou a insistir noutra carta, esta de 8 de Abril:


Nota: "o bilhete para eu te ir deriscar", refere-se ao comprovativo da confissão que devia ser obtido junto do padre confessor e entregue, posteriormente, ao Pároco de São Vicente de Aljubarrota, para actualização do Rol dos Confessados. Nesse tempo a Igreja mantinha (não sei se ainda o faz) a prática secular de em cada paróquia haver um Rol dos Confessados, onde eram registadas todas as confissões. Esses Róis têm, hoje em dia, um valor extraordinário para os historiadores, porque, na ausência de outros registos, são excelentes documentos para o estudo da população de cada paróquia.

quinta-feira, 25 de março de 2010

A primeira telefonia da Ataíja de Cima

Nos anos cinquenta, num tempo em que não havia electricidade (que só chegou em Outubro de 1969) e não tinha, ainda, sido vulgarizado o uso de rádios a pilhas, havia uma única telefonia na Ataíja de Cima.

Era em casa de José Ribeiro, um aparelho a válvulas numa grande caixa de madeira que, julgo, a filha Amélia ainda conserva, alimentado pela electricidade produzida por um dínamo accionado por um aerogerador multipás, do tipo que habitualmente se usava para bombeamento de água dos poços, implantado sobre o telhado da casa do rancho.

A fotografia seguinte, da autoria de Jorge Vasco, publicada no livro de Rui Rasquilho, Roteiro Histórico-Turístico da Região de Alcobaça, Tabacaria Rossio, Alcobaça, 1979, mostra a casa de José Ribeiro, ainda com o portão do pátio e, à esquerda, sobre o telhado da casa do rancho o maciço de cimento sobre que assentava o o aerogrador:

quinta-feira, 18 de março de 2010

Gente da Ataíja de Cima - José Coelho Quitério - O Zé Francês

Em 1936 o meu tio Sapatada foi, com o irmão José que mais tarde havia de ficar conhecido por O Francês, para as vindimas na região do Bombarral.
Acabada a safra, deixou o irmão, então com dezoito anos, na estação das camionetas, com a recomendação de voltar à terra, para ajudar o pai que ele, Sapatada, ia para Lisboa, onde havia de haver trabalho na apanha da azeitona.
O Francês disse que sim mas, mal o irmão virou costas, apanhou a camioneta seguinte para Lisboa onde, durante dez anos ficou fazendo trabalhos diversos e quase sem contactar a família.

Voltou à Ataíja em 1946, para assistir ao casamento do meu pai, tendo regressado logo a Lisboa.

Seguiu-se a emigração clandestina (transportando um saco de mercadoria às costas como se fosse um estivador) para Marrocos, num barco carregado de casca de carvalho para a indústria de curtumes.

Aquando da independência de Marrocos, em 1956, já viúvo e com três crianças pequenas, teve de abandonar a cidade de Rabat, onde vivia e foi para França, e aí ficou a trabalhar de carpinteiro, até à reforma, nos anos 80, quando voltou a viver na Ataíja.
Pelo meio veio, duas ou três vezes, a Portugal. A primeira delas, no início dos anos sessenta, num imponente Citroen arrastadeira que, em Coimbra, foi trucidado pelo comboio da Lousã, assunto que ralava muito a família mas a que o meu tio respondia com um encolher de ombros e bufando como só os franceses sabem fazer. Que o seguro havia de pagar, dizia ele. E pagou que, dois anos volvidos, regressou de novo em carro idêntico.


Quando eu era pequeno, o meu tio José Francês era, apenas, um pequeno espaço, onde em jovem dormia, separado do palheiro do burro por um tabique tosco e onde ainda sobravam os restos da tarimba e, agora, a minha avó tinha os coelhos. E era, na casa de fora, um retrato dele e da mulher (que a família nunca conheceu e para quem a minha avó olhava sempre com um ar reprovador), dependurado na parede. E um outro que tinha vindo numa carta, pequenino, tirado em Algeciras quando iam a caminho de França fugidos da agitação da independência marroquina, ele com os três filhos, as gémeas uma em cada braço e o rapazito agarrado às pernas do pai.


Reformado e instalado na Ataíja, um belo dia (aí por volta de 1985) resolveu o meu tio ir, a pé, visitar o seu amigo de juventude, José Qué-Pão que então vivia nos Olheiros.
No regresso, vindo ele caminhando pela estrada, perto da ladeira pequena, foi interpelado pelo Mário do Rosa que passava conduzindo uma camioneta e, reconhecendo-o, parou e ofereceu-lhe boleia para a Ataíja.
Entrou o meu tio na camioneta e, depois de alguma conversa, perguntou ao Mário:
Você não é filho de um a quem chamavam o Pato-Marreco?
Ao que o Mário respondeu que era neto.
Ah! exclamou o meu tio. Eu estava a conhecê-lo pela fala!


O curioso da história é que tinham decorrido cerca de cinquenta anos sobre a última vez que o meu tio vira ou ouvira o Pato-Marreco.


(Óleo de Inês Neves, representando o José Francês, já amparado a um andarilho e os sobrinhos-bisnetos, filhos da autora)

terça-feira, 16 de março de 2010

Os Frades e a Ataíja de Cima - I

(devido à sua natural grande extensão, este assunto será dividido por vários posts)

Um dos privilégios feudais que os monges de Alcobaça mantiveram até ao Séc.XIX e constituiu uma das principais razões do atraso económico da região e foi causa de muitos conflitos entre os povos e o Mosteiro, foi o privilégio dos lagares.
Só o Mosteiro podia ter lagares de azeite e de vinho, como só o Mosteiro podia ter moinhos de cereal.
Ou seja, só os frades podiam transformar os principais produtos agrícolas, cobrando, naturalmente, por isso, as respectivas maquias que se acrescentavam, assim, aos diversos e pesados impostos que já impendiam sobre todos os produtos da terra, do que resultavam condições de vida extremamente penosas.

Autêntica escravidão, como afirma Chichorro.
(in "Memória Economico Política da Província da Extremadura, Traçada sobre as Instruções Régias de 17 de Janeiro de 1793, por José de Abreu Bacellar Chichorro, Ministro encarregado da Divisão das Comarcas, e objectos d'Economia Política da mesma província, 1795". Edição organizada e perfaciada por Moses Bensabat Amzalak, Lisboa, 1943)


O número de lagares existentes e a sua limitada capacidade de processamento tinham, ainda, outra consequência grave que era a da má qualidade dos produtos finais.
Sabendo nós que a qualidade do azeite depende quase inteiramente da qualidade das azeitonas e que estas entram em fermentação quando são entulhadas, podemos imaginar a péssima qualidade do azeite que por aqui se produzia naqueles tempos em que os lagares chegavam a manter-se em funcionamento até Maio e Junho e, por vezes, até Agosto .

Assim e também porque desde o Séc. XVII vinham a ser plantadas grandes áreas de olival na nossa região, (o Olival dos Frades, ou Olival do Santíssimo, foi mandado plantar na segunda metade do Séc. XVIII, às ordens do abade geral D. Frei Manuel de Mendonça que governou a Ordem entre 1768 e 1777 e era sobrinho do Marquês de Pombal. (v. Salvador Magalhães Mota, A Acção de D. Frei Manoel de Mendonça à frente dos destinos da Congregação de Stª Maria de Alcobaça da Ordem de São Bernardo (1768-1777), in, Estudos em Homenagem a Luís António de Oliveira Ramos, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2004, p. 771-779. A generalidade dos escritores dá-o, no entanto, como primo do Marquês. v., por ex. Rui Rasquilho, Roteiro Histórico-Turístico da Região de Alcobaça, Tabacaria Rossio, Alcobaça, 1979).
Em plantio de acordo com as mais modernas técnicas, as oliveiras dispostas num rigoroso compasso, numa efectiva demonstração das gabadas competências agrícolas dos frades, o Olival do Santíssimo possuía, no Séc. XIX, entre dezassete a dezoito mil pés de oliveira.

Para o processamento das grandes e acrescidas quantidades de azeitona viram-se  os frades, naturalmente, obrigados a remodelar e ampliar os seus antigos lagares e a construir novos.

É essa a razão da construção do lagar de varas da Ataíja de Cima, numa propriedade murada, a Quinta, junto à Lagoa Ruiva. Tratava-se de um grande complexo proto-industrial cuja importância é unanimemente reconhecida e de que hoje sobram, apenas, o muro da quinta, ainda em razoável bom estado, (apesar das destruições a que, para abertura de entradas, nos últimos cinquenta ou sessenta anos foi sujeito) e a Casa do Monge Lagareiro, esta muito arruinada.


Tem passado, até hoje, entre a generalidade dos escritores, uma visão exacerbadamente romântica que tende a elevar os frades de Alcobaça à categoria de mentes iluminadas, mestres da agricultura sempre à frente do seu tempo, fazendo da região um suposto jardim onde toda a gente viveria em paz, abundância e felicidade.

Infelizmente, a realidade não o confirma e a grandiosidade indesmentível do lagar da Ataíja de Cima, pouco mais terá contribuído para a felicidade dos locais do que as pirâmides contribuíram para a felicidade dos escravos egípcios. Ao menos, a acreditar na minha avó e na imensa história de conflitos entre os povos e o Mosteiro.
De facto, a relação das gentes com o Mosteiro nunca foi uma relação amigável. Os frades, pelo menos nos últimos tempos da sua presença em Alcobaça, apenas despertavam ódios e invejas.
A minha avó nunca, que me lembre, me falou dos frades senão para reproduzir as histórias de exploração e opressão que tinha ouvido aos mais antigos. Os frades eram o luxo e a décima, duros perseguidores de camponeses, ociosos e gulosos comedores de bois que assavam na gigantesca chaminé do Mosteiro.
Certamente, havia devotos entre eles e criaram arte e, em certas épocas, foram agrónomos inovadores e foram letrados e mais uma enorme quantidade de coisas recomendáveis.
Mas essa faceta era totalmente desconhecida da minha avó e só muito mais tarde a aprendi nos livros.

domingo, 14 de março de 2010

Carapaus secos


Os carapaus secos, comidos hoje, são sabores de juventude, como me dizia a Elisa Damião contando-me que, uma vez, tendo visto em Alcobaça uns, muito bonitos, os comprou, levou para Lisboa e, cheia de entusiasmo, convidou um grupo de amigos para ir lá a casa, provar um petisco da sua terra.

Não lhe tocaram!

Só quem por aqui foi criado os sabe apreciar, sejam crus, cozidos, com batatas às rodelas, sobre um refogado ou, melhor ainda, levemente aquecidos nas brasas, temperados com azeite, vinagre e alho migado e comidos sobre fatias de pão.

Também num dia em que, vindo eu do Tribunal, pasta característica dos advogados na mão e toga debaixo do braço, vi, pela primeira vez em Lisboa, na Rua do Arsenal, carapaus secos à venda, entrei e, conversando com o lojista, perguntei-lhe se se vendiam bem.
Ao que, visivelmente constrangido, aparentemente desconhecedor que o sol das praias africanas é propício à secagem do peixe, acabou por, timidamente, responder que eram os pretos que mais compravam.

Mas a história mais deliciosa aconteceu-me quando, visitando a minha tia Luísa Carlota, então já velha e há muito viúva, expliquei à minha mulher que, quando eu era miúdo, ali havia sempre carapaus secos, dentro de um crivo.
Ao que a minha tia se levantou da lareira acesa onde conversávamos e, chegando ao costumado sítio dos carapaus, de lá tirou o crivo, dizendo:

Ainda aqui estão!

domingo, 7 de março de 2010

Barretes, bóinas e bonés, chapéus, lenços e cachinés

Terá sido José Vigário, conhecido por José Dionísio, o último homem da Ataíja a usar barrete.
Antes, todas as pessoas usavam a cabeça coberta.
As mulheres usavam lenço, quase sempre preto e, sobre ele, as mais antigas, também um chapéu de feltro, de aba curta e copa arredondada, quase um chapéu de coco.
Ao Domingo, as mais novas usavam vistosos cachinés, de fundo azul, com flores, ou decorados com grandes cornucópias em tons de amarelo e vermelho. Um acessório de moda e beleza que se atava sob a nuca, puxado para trás, para deixar ver algumas madeixas de cabelo sobre a testa, ou no alto da cabeça em cuidado nó e de mais uma vasta quantidade de maneiras que a vaidade feminina inventava. Só nunca vi o cachiné usado como o seu nome francês aconselharia (cache-nez significa que tapa o nariz).
Os homens e rapazes, na sua maioria e desde muito novos, como, por Portugal inteiro, quase todos os camponeses e pescadores, usavam barrete.
Alguns usavam uma bóina semelhante à bóina basca, no entanto com copa mais discreta (lembro-me de José Neto, agitando na cabeça uma bóina velha e coçada e repetindo o Ah! Carago! que lhe valeu a alcunha).
Raros usavam boné (ou bóina) de pála.
E não se diga que a vaidade é atributo feminino. As bóinas faziam-se rodar na mão para perder rugas e eram cuidadosamente colocadas na cabeça e inclinadas para um dos lados, os bonés de pála eram puxados para a testa para obrigar o portador a caminhar de cabeça levantada e não era indiferente o modo como a borla do barrete assentava no ombro.
Muito raro era o uso do chapéu de feltro que, quando o havia, era reservado para o Domingo.

O meu avô Quitério usava um grande barrete preto que lhe pendia sobre o ombro, onde pousava uma imponente borla.
No seu fundo cabia, diariamente, enrolada em papel pardo ou de jornal ou, às vezes, até numa folha de figueira ou numa parra, uma fatia de pão e um carapau seco, ou uma sardinha ou uma posta de chicharro fritas.
Nos dias do fim de Inverno, quando o sol rompe luminoso após a chuva e todas as cores ficam vivas e brilhnantes, o meu avô sentava-se na tripeça em frente da vasilha da água-pé e, tirando o espicho, enchia uma pequena garrafa que, cá fora, encostava a um grande seixo, virada ao sol, para quebrar da friúra.
Enquanto a cabra, peada e presa a uma estaca, se deliciava com os rebentos tenros e frescos, o meu avô tirava o barrete e, enfiando a mão até ao fundo, dele sacava a merenda e repartia o pão e o peixe com o pequeno neto que também tinha direito a molhar os lábios na garrafa, … para não augar.

NOTAS:
Augar v. tr. Adoecer (uma criança ou um animal) por não se lhe dar daquilo que vê comer e de que tem grande desejo (igual definição no DPLP que indica a palavra como de uso em Trás-os-Montes e na Beira).
Espicho s.m. Por espiche. Pau ligeiramente aguçado, feito de um ramo de oliveira, de moita ou de vime (eram os melhores) que servia para tapar o buraco feito na vasilha para, por ele, tirar pequenas porções de vinho.
Tripeça s.f. Banco individual, feito de uma secção de um tronco de madeira, com vinte a trinta centímetros de diâmetro, onde encaixavam três pés feitos de troncos, finos, de oliveira ou de carvalho, com três ou quatro centímetros de diâmetro.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Estrada do Lagar dos Frades

É a Estrada Municipal n.º 553 que liga o IC2 a Aljubarrota, por Ataíja de Cima e Cadoiço.


(Extracto da Folha 317 da Carta Militar de Portugal, Série M888, Escala 1:25.000, Edição 3, Instituto Geográfico do Exército, 2004)

Foi construída, no final dos anos quarenta do Séc. XX como, em Agosto de 1949, Joaquina Rosalia relata numa carta que enviou a seu marido José Coelho:

(NOTA: Resmo s.m. Aglomerado de aluvião, constituído por pequenas pedras, areia e terra argilosa que se extraía na base da Serra dos Candeeiros e se usava, à laia de touvenant, para compactar a superfície de estradas e caminhos. O resmo foi, ainda, largamente usado na construção da Estrada Nacional n.º 1, nos anos cinquenta.)

Esse foi, no entanto, um trabalho feito com fraca qualidade já que, lembro-me bem, logo nos final dos anos cinquenta, em grande parte do seu percurso, sobretudo nas zonas de ladeira (ao fundo da Igreja, nas ladeiras Grande e Pequena e na dos Caramelos), o macadame tinha desaparecido e, em seu lugar, ficaram as lages sobre que assentava.
Inicialmente chegava, apenas (o macadame, entenda-se), até à Lagoa Ruiva tendo sido prolongado até à Estrada Nacional nº 1 (actual IC2) aquando da construção desta.

A estrada do Lagar dos Frades foi alcatroada em meados dos anos setenta, por iniciativa de um grupo de naturais e residentes que incluía, entre outros, o meu pai e José (Coelho) Sabino, então ambos emigrados por Lisboa e que, para isso, fizeram fortes e prolongadas pressões junto da Câmara Municipal de Alcobaça (o meu pai, por noves vezes se deslocou, propositadamente, de Lisboa a Alcobaça).

A população deu trabalho, dinheiro, pedra e outros materiais, cedeu as faixas de terreno necessárias ao alargamento e a pequenas rectificações do traçado e reconstruiu os muros.

O traçado foi definido pelo funcionário da Câmara, Sr. Carrão que percorreu o centro da via transportando nos braços uma comprida vara cujas pontas assinalavam os bordos da estrada que se iam marcando com estacas.

Aquando do alcatroamento da estrada ficou clara, para quase toda a gente, a necessidade de se arrasar a sacristia da Capela de Nossa Senhora da Graça a qual se situava, então, do lado sul, provocando um forte estrangulamento da via.

Eu próprio fiz um desenho que serviu de base à construção da nova Sacristia, na cabeceira da Capela, tal como agora existe.

Estas obras decorreram num ambiente de grande entusiasmo, quase um levantamento popular (estávamos na ressaca do 25 de Abril e o ambiente que então percorreu o país, afectava toda a gente) que culminou numa rija festa.

As obras contaram, no entanto, com a oposição do "Mosca" apoiado por mais um ou dois residentes, entre eles José Veríssimo. Ora, este era conhecido por ter um feitio, digamos, rígido que facilmente arranjava inimizades. Foi assim que as posições se extremaram, com a oposição a fazer tudo para impedir as obras, incluindo chamar a GNR que chegou a pôr-se ao caminho (as obras estavam a ser feitas, aos fins-de-semana, por trabalho voluntário e sem licença) mas foi travada a tempo pelo Padre Ramiro que receou e bem os desacatos que poderiam resultar da intervenção policial.

terça-feira, 2 de março de 2010

Enjeitados

Por alguma razão que ainda não consegui apurar com suficiente rigor, no final do Séc. XIX, fixou-se na Ataíja de Cima um, relativamente, elevado número de enjeitados. Tão elevado que, hoje em dia, serão raros os ataíjenses que não terão um seu antepassado que foi enjeitado.

Um desses enjeitados foi Porfírio dos Santos, o qual foi casado com Maria de Jesus, irmã do meu bisavô Joaquim da Graça, pai da minha avó Maria Lourenço.

Porfírio dos Santos foi pai de Joaquina Porfíria (esta foi casada com António Baptista, dito o António Orelha) e morou na Rua de Trás numa casinha com alpendre, muito estreita, pouco mais que a largura da porta (se olharmos atentamente, ainda reconheceremos, na parede agora cega, os limites da frontaria da casa e o desenho do alpendre) que existia entre a casa de Joaquina Méla (sua neta) e a que foi dos meios-irmãos da minha avó, Manuel Mariola e Maria Marreca e, depois, do meu tio José Francês.

Faleceu em Dezembro de 1951.

As crianças que eram abandonadas (enjeitadas), eram-no, por vezes, com alguns sinais ou indicações que pudessem permitir um eventual reatamento da relação parental, por ex., um papel escrito onde se dizia o nome, no caso de ter sido baptizada. (em 2001, por ocasião do seu 503º aniversário, a Misericórdia de Lisboa promoveu uma exposição, de que publicou um interesante catálogo "Os Expostos da Roda da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa", no qual são reproduzidos muitos dos "sinais" que acompanharam crianças enjeitadas).

Quando não havia certezas, procedia-se ao baptismo ”sub conditione” (sob a condição de se não vir a saber do primeiro baptismo, caso em que este segundo seria considerado nulo quer dizer, sem nenhum efeito, como se nunca tivesse sido realizado), atribuindo-se-lhe um nome que era, em geral, o do santo do dia e, por apelido “dos Santos”, já que a criança não era de ninguém.

Assim, desconhecendo eu quando terá nascido o Ti’Porfírio dos Santos, podemos afirmar que, com certeza, ou nasceu num dia 26 de Fevereiro ou foi encontrado, ou foi baptizado nesse dia. Isto, por o dia 26 de Fevereiro ser, no calendário litúrgico, o dia consagrado a São Porfírio.