terça-feira, 31 de dezembro de 2013

O Gadanho

O gadanho é, segundo o DPLP[i], uma “espécie de ancinho com grandes dentes de ferro”.

Gadanho é, também, garra das aves de rapina e, em linguagem informal, mão, ou unha (de que dá como exemplo a frase: se te deito o gadanho…).

Na Ataíja de Cima usa-se mais, nestes dias frios de Inverno, o respectivo plural quando lamentosamente nos queixamos de que: estou sem gadanhos!
(Para não ataijenses, esclarece-se que tal significa que, em virtude do muito frio, estamos sem força nos dedos, sem capacidade para agarrar e segurar os objectos).

Curiosamente, aquele dicionário dá gadanho e ancinho como sinónimos de engaço (a parte lenhosa dos cachos das uvas), já que, pelos vistos, também há quem chame engaço a um “instrumento agrícola em forma de pente, usado para limpar ou aplanar terras agrícolas ou ajardinadas”.

Vem tudo isto a propósito de um gadanho que, também ele, tem uma relação estreita com os engaços, seja, com a parte lenhosa dos cachos das uvas.

O gadanho é este:



Trata-se um velho gadanho, já com muitas dezenas de anos e que sempre conheci tal como aqui se apresenta sem, sequer, vestígios de alguma vez ter tido cabo de madeira que, julgo, nunca teve.

É, agora, meu, depois de ter sido do meu pai e, antes, do meu avô e (pelo menos nos últimos sessenta anos) nunca serviu para outra coisa que não, uma vez por ano, ser cravado no pé da prensa do vinho, para o desfazer, no final da lagaragem.

Acho que um destes dias o vou limpar cuidadosamente e dar-lhe o uso que sempre foi o seu, o uso que lhe deram o meu pai e o meu avô:

Ajudar, no final da lagaragem, a desfazer o pé da prensa.





[i] Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/gadanho [consultado em 31-12-2013].

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Uma tragédia na Ataíja de Cima - O surto de Tifo de 1832



Em 1832, no ano anterior à epidemia de cólera a que nos referimos AQUI, já na Ataíja de Cima se tinham verificado 10 falecimentos, um número invulgarmente alto face à média normal de três mortos por ano. Esse acréscimo de mortalidade há-de explicar-se, vista a sua concentração nos meses de Março e Abril, por razões não naturais, talvez uma qualquer doença infecciosa.

Entre os dias 10 de Março e 21 de Abril, ocorreram a maioria das mortes do ano: 6 pessoas.
Destes, o falecimento em 20 de Março de uma inocente sem nome, nascida nesse mesmo dia, filha de Custódia Maria, a qual “foi batizada em casa por necessidade por Paulo dos Santos a quem examinei pelo dito batismo”, conforme se escreve no respectivo assento de óbito, é, talvez, um caso diferente, um problema sobrevindo durante o parto, como era vulgar na época e não doença infecciosa. Note-se, aliás, que a mãe sobreviveu, aparentemente sem sequelas.

Dos 10 falecidos no ano, 1 era viúvo, 2 casados e 7 solteiros, 3 dos quais “inocentes” e um “menor”. Dos solteiros, 3 eram expostos do Real Hospital da Cidade de Lisboa que se encontravam a ser criados por amas locais.

Dos 4 falecimentos ocorridos fora do período crítico que se desenrolou entre 10 de Março e 21 de Abril, dois foram de crianças, de 4 e 11 anos e, os outros dois, de pessoas idosas:
Um destes foi Veríssimo Amado, uma pessoa de quem ainda havemos de voltar a falar e que, nesse tempo, tinha um filho já com 45 anos de idade. Tratava-se, pois, de uma pessoa de idade avançada para a época, pelo que se há-de admitir que a morte se deveu a causas naturais.
O outro foi a viúva Micaela dos Santos, de quem já aqui falámos, a propósito do seu TESTAMENTO. A Micalela já era casada em 1790 (42 anos antes) e, em 1832, era, seguramente, pessoa de avançada idade para a época, pelo que também a sua morte há-de ser tida como devendo-se a causas naturais.

Que doença terá sido a principal responsável por aquele anormal número de mortes?
Ao contrário do que se passa com a Cólera-morbo de 1833, não tenho certezas mas, muito provavelmente, tal mortandade é consequência da epidemia de tifo que, nesse ano de 1832, ocorreu em Portugal, com especial incidência nas regiões de Lisboa e Ribatejo[i].

O  tifo epidémico, ou tifo exantemático ou, apenas, tifo, é uma doença epidémica transmitida por parasitas comuns no corpo humano, como piolhos. As epidemias mais graves verificaram-se em situações de grande aglomeração de pessoas e cuidados limitados de higiene, como exércitos (foi a principal causa de morte entre os soldados de Napoleão durante a campanha da Rússia), prisões e campos de concentração (matou centenas de milhares de pessoas em campos de concentração nazis, durante a segunda guerra mundial).[ii]

Uma outra forma de tifo, menos agressiva e que é, ainda, endémica em certas regiões rurais de África, da América  Central e do Sul e da Àsia é o chamado tifo murino, cujo principal vector[iii] é uma pulga que parasita os ratos e outros pequenos mamíferos.

O Tifo chegou a Portugal no final do século XV e foi evoluindo por surtos até às Invasões Francesas, a partir de quando se tornou endémico entre nós e assim se manteve até ao Séc. XX[iv] (o último grande surto de tifo, do qual resultaram cerca de 3.000 mortos, ocorreu em 1918-1919 sobrepondo-se, parcialmente, à pneumónica).

Quando se começou a compreender a relação entre o tifo e a falta de higiene, o exército francês introduziu nas medidas de disciplina a obrigatoriedade de fazer a barba e de cortar o cabelo rente, como forma de acabar com os piolhos que eram o vector da infecção.
E, de facto, as medidas de higiene capazes de erradicar ou controlar as populações de ratos e piolhos, continuam a ser estritamente necessárias para evitar o ressurgimento desta e de outras doenças infecciosas.

 Voltando ao caso da Ataíja de Cima:
10 mortos em 1832, a maioria deles em razão de um surto de tifo e,
18 mortos em 1833, a maioria deles por efeito da epidemia de cólera-morbo que assolou o país.
28 mortos em 2 anos, numa aldeia onde a média, durante todo o Século XIX, foi de 3 mortos por ano, equivale, grosso modo, ao numero de mortes que havia de ter lugar em nove ou dez anos.
É difícil imaginar a dimensão da tragédia, tanto mais que não dispomos, ainda, de estimativas seguras sobre a população que a aldeia teria naquele tempo mas, fazendo um paralelo com o Portugal actual onde, em 2012, houve cerca de 108.000 falecimentos, é como se de repente e em dois anos consecutivos morressem 346.000 e 648.000, praticamente, um milhão de pessoas. Ou seja, 10% da população (no caso da Ataíja de 1832 terá sido, deste ponto de vista, pior: talvez, cerca de 15% da população).

Conseguem imaginar a dimensão da tragédia?




O presente texto é, no que se refere à descrição e história da doença, subsidiário de:
“Tifo epidémico em Portugal: um contributo para o seu conhecimento histórico e epidemiológico”, artigo de J. A. David de Morais, publicado In Medicina Interna, Revista da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, VOL.15 | Nº 3 | JUL/SET 2008



[i] Em 1810-1813, um outro surto de tifo tinha percorrido todas as localidades mais importantes do país, provocando um tal número de mortes que há quem sustente que mais vítimas fez o tifo do que as tropas francesas.
[ii] Veja, por ex.: http://www.invivo.fiocruz.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=758&sid=8 (consultado em linha em 19-12-2013)
[iii] Vector, em medicina, é o artrópode que transmite o germe de uma doença (bactéria, vírus, ou protozoário) de um indíviduo doente a um indivíduo são. (in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], consultado em 14-12-2013).
[iv] Especialistas contam um total de dezassete surtos de tifo, em Portugal, durante o Séc. XIX.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Uma tragédia na Ataíja de Cima - A Epidemia de Cholera - Morbus de 1833



A epidemia de Cólera que, nos anos de 1832 e 1833 assolou a Europa, teve um forte impacto na Ataíja de Cima onde provocou um elevado número de mortos.

A doença era conhecida há longo tempo, por ser endémica na Índia aonde, no entanto, se manteve circunscrita até à década de 1820 quando atingiu a Rússia e continuou a progredir para ocidente.

A cólera chegou a Portugal “trazida a bordo de um navio que, de Ostende[i], transportava soldados para ajudarem D. Pedro no cerco do Porto”[ii], quando já tinha atacadocom grande virulência em Paris, no mês de Abril desse ano de 1832.

Pela primeira vez, foi antecipada a propagação de uma epidemia e a sua evolução sistematicamente acompanhada e, por toda a Europa, foram publicados numerosos livros e folhetos contendo quer instruções sobre os comportamentos a adoptar face à, ou para evitar a doença, quer relatórios médicos descrevendo as observações aos doentes, incluindo numerosas autópsias, ou relatando os efeitos dos medicamentos[iii] experimentados, seja, fazendo a história médica da epidemia[iv].

Exemplo de medida “preventiva” é o Aviso de D. Miguel I[v] ao Cardeal Patriarca de Lisboa que a seguir se transcreve:

TENDO apparecido em algumas Nações, e ultimamente mais proximo a nós, em a França, huma enfermidade nova, que se está conhecendo com o nome de Cholera-morbo Asiatica, e cujos terríveis estragos são talvez hum castigo, com que a Divina Omnipotência quer punir, e reprimir esse espirito de perversidade, e de impiedade, que desgraçadamente tem chegado a tamanho gráo no Século, em que vivemos, deve, em taes circumstancias, hum Povo Catholico, e que tanto se préza de o ser, como o Povo Portuguez, acudir, e reunir-se junto aos Altares a implorar a Clemencia do Omnipotente, e a adorar a Sua Alta Providencia, mesmo quando assim se mostra severa, e justiceira: He por tanto da vontade de Sua Magestade que Vossa Eminência ordene que, para o sobredito fim, hajão Preces públicas em todo o Patriarchado. Sua Magestade Manda lembrar a Vossa Eminência que he necessário que nessa ocasião os Ecclesiasticos, a quem isso competir, usando do importante Ministerio da palavra, que lhes incumbe, fação conhecer aos Povos que não basta a Oração para se applacar a Justiça Divina ofiendida, mas que são precisas as boas obras, affastando elles com especialidade, e repelindo firmemente para longe de si as idéas de corrupção, e de impiedade, que os máos, para seus fins perversos, tanto tem procurado espalhar; e tambem que lhes fação vêr os muitos motivos , que temos para esperar, e confiar na Misericordia de Deos, que sempre se tem mostrado propicio aos Portuguezes , e cujos Beneficios , ainda nestes passados tempos tão visivelmente acabamos de experimentar, livrando-nos por duas vezes da Facção revolucionaria, que dominava, e que pertendia destruir o Throno , e a Religião, e causar a total ruina de Portugal. O que de Ordem do Mesmo Senhor communico a Vossa Eminência para sua intelligencia, e para que assim se execute,  = Déos guarde a Vossa Eminência. Çamora Corrêa em 28 de Maio dé 1832. = Eminentíssimo e Reverendíssimo Senhor Cardeal Patriarcha. = Luiz de Paula Furtado de Castro do Rio de Mendoça.

Depois do Porto, em cuja região terá matado cerca de 13.000 pessoas, a Cólera alastrou a Lisboa e outras regiões e terá feito, no país, um total de cerca de 40.000 mortos até desaparecer no final de 1833[vi].

À Ataija de Cima a cólera terá chegado em Junho de 1833 provocando o que há-de ter sido uma hecatombe social, com a morte, num espaço de quarenta dias, de um total de 16 pessoas (9 em Junho, 7 em Julho)[vii].

Quem morreu?
2 eram viúvos, 6 casados e 8 solteiros, dos quais, 3 eram inocentes e um menor.
Dos inocentes, 2 eram expostos do Real Hospital da Cidade de Lisboa, que estavam a ser criados na aldeia.
João Machado que, no final do ano anterior tinha assistido à morte de uma filha verá, em Junho deste ano morrerem, no mesmo dia, a mulher e uma outra filha.
Bernardo de Moira verá desaparecerem-lhe, no espaço de 3 dias, um filho inocente e um menor.
A Custódia Maria, morreram o marido e um exposto que criava.
Luis Machado e a mulher também morreram no espaço de três dias.

A dimensão da tragédia fica mais nítida se nos lembrarmos de que, a média de falecimentos na aldeia, durante todo o Século XIX, é de 3 por ano.



NOTAS:

[i] CORREIA, Fernando da Silva - Portugal Sanitário (Subsídios para o seu estudo. Lisboa: Ministério do Interior ; Direcção Geral de Saúde, 1938, p. 465.)
Citado em: Portugal e as Conferências Sanitárias Internacionais (Em torno das epidemias oitocentistas de cholera-morbus), por Maria Rita Lino Garnel.
Ostende situa-se na actual Bélgica que, por esse tempo, alcançava a independência.
[ii] O cerco do Porto teve início em finais de Julho de 1832. Os "soldados" em causa eram, certamente, mercenários que tinham combatido nas lutas pela independência da Bélgica, iniciadas em 1830.
[iii] Melhor seria dizer mezinhas.
[iv] No caso de Portugal, por exemplo, o livro: Um fragmento da història da epidemia que, sob o nome de Còlera-morbus asiàtico, havendo percorrido a Àsia e a maiòr parte da Europa, chegou a Portugal no corrente anno de 1833, pêlo Dr. Lima Leitão.
Para o caso de França, por exemplo: RELATION sur le CHOLERA–MORBUS OBSERVÉ A PARIS , DANS LE MOIS d'AVRIL l832, SUIVIE D’UN RAPPORT SUR L’ÉPIDÉMIE CHOLÉRIQUE QUI A RÉGNÉ DANS l'arrondissement DE BERNAY (EURE), DEPUIS LE 29 AVRIL jusqu'au 27 SEPTEMBRE l832, PAR M. NEUVILLE,

[v] Estavamos em plena Guerra Civil que opunha os absolutistas chefiados por D. Miguel, aos liberais fiéis a D. Pedro IV. As posições de cada uma das partes em conflito perante a epidemia é um aspecto que acrescenta interesse ao estudo do tema. 
O Aviso transcrito é um claro exemplo demonstrativo do extremismo político e religioso de D. Miguel.
[vi] Havia de voltar várias vezes durante as décadas seguintes e, com particular virulência, em 1853-1856.
[vii] Nesse ano houve, na aldeia, mais duas mortes que, no entanto, não terão sido provocadas pela cólera.

Todas as publicações citadas estão acessíveis online.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Diácono Fábio Bernardino

No passado dia 24 de Novembro teve lugar, na Sé Catedral de Leiria, a ordenação diaconal de Fábio Bernardino.

Quase setenta anos depois, a Ataija de Cima prepara-se para ver, de novo, um dos seus naturais a chegar a padre. (o último foi o Padre Manuel Tomás de Sousa que, como já AQUI dissémos, foi ordenado presbítero em 1947).

Com os desejos de que o Fábio seja muito feliz no caminho que escolheu, fica aqui uma fotografia da cerimónia, retirada do site da Diocese de Leiria-Fátima
Com a devida vénia ao autor, Luis Manuel Ferraz.


 ©2013 LMFerraz | Presente Leiria-Fátima





PS: Na consulta ao site da Diocese de Leiria-Fátima  fiquei a saber de uma notícia velha: O semanário A Voz do Domingo já se não publica.
Há talvez dezenas de anos que o não lia. Mas, para mim leitor inveterado de jornais, terá sempre um significado especial: Foi o primeiro jornal que li

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Frei Luis da Purificação - O Monge Lagareiro


Sempre lhe ouvi chamar o Lagar dos Frades, ou o Lagar do Frade ou, a Quinta, isto referindo-se à propriedade murada onde a construção se insere. Casa do Monge Lagareiro é designação recente introduzida por via erudita e consagrada no Decreto de classificação das ruínas como imóvel de interesse público.
Que aqui, nesta fábrica de azeite, residisse um frade que, assim, justificasse a designação de Casa do Monge Lagareiro, foi coisa que sempre me causou alguma confusão, desde logo porque, conhecendo as instalações desde garoto, nunca nelas vi qualquer vestígio do que poderia ser um local adequado às muitas orações que o frade, diariamente, não poderia deixar de rezar.
A dúvida, parece, deixou de ter razão de ser.
De facto, em Agosto e Setembro de 1799, “Fr. Luis da Purificação, Professo Bernardo, rezidente na quinta do Lagar da dita Ataija”, foi padrinho de duas crianças da aldeia.

Ou seja, naquela época havia mesmo um frade bernardo que residia na casa do Monge Lagareiro e, muito interessante, tinha relações privilegiadas com algumas das famílias locais. Relações tão privilegiadas que era convidado para - e aceitava - ser padrinho de baptismo das crianças.


Quem eram essas famílias com que o frade tão intimamente se relacionava havemos de, a seu tempo, tentar saber.
Os indícios vão, no entanto, no sentido de que se tratava de famílias que integravam as elites locais. De facto, no primeiro dos baptizados, a madrinha é uma filha do Capitão Bartolomeu Rodrigues Carreira que, aliás, esteve presente com procuração e em representação da filha e, no segundo, é a vez do frade ser representado, com procuração, pelo “Doutor Jozé da Fonseca desta Villa”.
Tudo, gente importante.

 ..........

Os leitores interessado podem ver, relacionados com este assunto, os seguinte textos que, além de outros, foram publicados neste Blog:

- O sino de ouro da Casa do Monge Lagareiro, in  http://ataijadecima.blogspot.pt/2012/04/o-sino-de-ouro-da-casa-do-monge.html;

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Dona Joaquina e os seus três maridos



Durante pelo menos todo o Séc. XIX e, ainda, durante a primeira metade do Séc. XX era vulgar na nossa região que as pessoas se casassem mais de uma vez.
Tal, tinha duas razões:
Uma, evidente, o falecimento prematuro de um dos cônjuges, fosse na sequência de acidente (tétano), complicações inerentes ao parto, ou as muitas doenças epidémicas que assolaram os anos de 1800, sobretudo o tifo e a cólera e as primeiras décadas do Séc. XX, aqui, ainda o tifo mas, sobretudo, a pneumónica e a tuberculose.
A outra, a quase impossibilidade de sobrevivência de uma pessoa adulta solitária, muito menos quando, como em geral era o caso, tinha filhos menores.
Ainda que não tivesse filhos. A verdade é que uma acentuada especialização da educação, fazia com que um homem nada soubesse das tarefas domésticas, nem a mulher estivesse apta ao exercício da generalidade das tarefas de exterior, caracterizadas, aliás, por exigirem, em regra, um grande esforço físico.

O homem e a mulher eram, assim, verdadeiramente complementares e, unidos, tinham muito melhores condições para enfrentar as dificuldades quotidianas.

A D. Joaquina Marques, essa, casou por três vezes:

1858
Ataija de
Sima
Joaquina
Marques
m.er de Joaq.im
Verissimo.
Aos nove dias do mez de Fevereiro de mil oito centos, e cincoenta, e oito, falleceo e foi sepultada no Adro d’esta Parochial Igreja de S. Vicente d’Aljubarrota, tendo recebido os Sacramentos da Penitencia, Sagrado Viático, e Extrema Unção Joaquina Marques, cazada com Joaquim Verissimo d’Ataija de Sima. Fez disposição verbal deixou a terça dos seus bens a seo Marido e pela sua alma quinze Missas e pelas almas de seos dous defuntos Maridos dez, e uma oliveira á Confraria do SS.mo sacramento desta Freguesia, do que para constar fiz este assento, que assignarão como testemunhas Joaquim da Roza Sacristão, e Manoel Francisco Torneiro, dia, mez, e anno ut supra.
O Parocho Manuel Vieira da Silva            
Test.as
Joaquim da Roza                      Mel + Fr.o Tornro

  
O que levou a Joaquina Marques a casar três vezes?
O primeiro marido, João Vieira, morreu em 1826 e deixou uma filha (Maria da Graça), com 12 anos.
O casamento seguinte foi, ainda, mais breve já que o marido, Joaquim Antunes, veio a falecer logo em Julho de 1833, durante a epidemia de cólera que, então, assolou a Ataíja de Cima e de que, noutra ocasião, havemos de falar com mais pormenor.
Nessa altura, em 1833, a Joaquina Marques teria cerca de quarenta anos e já estava viúva duas vezes!

Do terceiro casamento, não houve filhos, ao menos que tivessem sobrevivido. Ou seja, o marido Joaquim Veríssimo, não tinha descendentes.
Porquê, então, a deixa que lhe faz a falecida, com aparente prejuízo de sua filha Maria da Graça?
Claramente, a Joaquina Marques quer assegurar as melhores condições ao seu sobrevivo marido mas, ao contrário do que parece, sem prejudicar a filha.
Trata-se de testamentos cruzados.
É que, por sua vez e como se vê do respectivo assento de óbito, o Joaquim Veríssimo fez testamento a favor de João Maria Cláudio de Souza, genro da Joaquina Marques.

O que me chamou a atenção para este assento de óbito foi a disposição testamentária pela qual a Joaquina Marques manda que se rezem, “pelas almas de seos dous defuntos Maridos dez” missas. Foi essa naturalidade na assunção da pluralidade de casamentos, a qual leva a que todos os três maridos sejam objecto das últimas atenções da moribunda, que me despertou a curiosidade.


Descobrir que a Joaquina Marques e o seu primeiro marido, João Vieira, foram meus tetravôs, é um pormenor. 

No Salão Cultural Ataijense


segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Enterramentos na Capela de Nossa Senhora da Graça



Nem sempre os cristãos foram enterrados dentro das igrejas. Essa prática começou a divulgar-se no Séc. XII e foi ganhando importância de tal modo que, no início do Séc. XVIII, era única forma de enterramento aceitável.
Foi quando, um pouco por toda a Europa, começaram a ganhar força as vozes que, invocando razões sanitárias, propunham ou exigiam o fim dos enterramentos no interior das igrejas.
Entre estas vozes encontravam-se membros relevantes da Igreja, como é o caso do Bispo D. Manuel de Aguiar que governou a Diocese de Leiria entre 1790 e 1815, o qual teve a iniciativa de criar, em 1798, um cemitério nas traseiras da Sé, proibindo os enterramentos dentro dela.

No entanto, apenas em 21 de Setembro de 1835, foi publicado o decreto, assinado por Rodrigo da Fonseca, que determinava a criação de cemitérios públicos em todas as povoações
E, em 28 de Setembro de 1844 foi publicado o decreto que proibia os enterramentos no interior das igrejas.
A guerra civil tinha acabado há apenas dez anos, nem todas as feridas estavam saradas e outras novas tinham sido abertas pelas políticas cabralistas.
Foi assim que, a forte oposição popular à proibição dos enterramentos nas igrejas foi a causa imediata da Revolta da Maria da Fonte que, por sua vez, está na origem directa de mais uma guerra civil, A Patuleia, que assolou Portugal entre 1846 e 1847 e só terminou após intervenção militar estrangeira (inglesa e espanhola).

Havia de levar ainda tempo até à cessação definitiva dos enterramentos nas igrejas, como se vê de uma curiosa observação na Relação do Cemitérios Parochiais e Manicipaes do Concelho da Póvoa do Varzim, de 1 de Fevereiro de 1858:
“Em todas as freguesias rurais os adros servem de cemitérios, sendo porém preferidas as Igrejas pela repugnância que os povos têm em fazer os enterramentos fora d’ellas, o que também se verifica clandestinamente na Cabeça do Concelho pela mesma repugnância e pela pequenez do actual cemitério parochial.”
Era a subsistência da velha idéia de que “receber sepultura sagrada significa para os católicos uma via para diminuir as penas que deverão cumprir; uma oportunidade de obter a salvação ou de garanti-la. Receber enterramento nas igrejas torna-se o caminho para a eternidade no paraíso celeste.”([i])

Dentro da igreja, a localização das campas correspondia a uma hierarquia (reflexo do lugar terreno do inumado), diminuindo de importância desde a capela-mor até à entrada do templo.
Os enterramentos no adro eram para escravos, gente muito pobre ou pessoas que, pelas circunstâncias da morte (ou da vida), não deveriam repousar no interior da igreja.

Ora, na freguesia de São Vicente de Aljubarrota, como nas demais, no início do 2º quarto do Séc. XIX, os enterramentos faziam-se, na sua esmagadora maioria dentro da Igreja paroquial.
As excepções são raras, entre elas:
- O Pe Manoel de Souza, ou Manoel de Souza Coelho, dos Casais de Santa Tereza, faleceu em 27-11-1825 e foi enterrado na Capela da Santa Tereza, dos ditos Casais.
- O Pe Joaquim de Souza, da Ataíja de Cima, faleceu em 4-2-1827 e foi sepultado dentro da Capela de Nossa Senhora da Graça, da mesma Ataíja.
- Em 22-11-1827, faleceu, Francisca Coelha que foi sepultada dentro da Capela de Nossa Senhora da Graça, da Ataíja de Cima.
- Em 21-10-1830, faleceu Perpétua Heitor, viúva que foi sepultada dentro da Capela de Nossa Senhora da Graça.

Obedeceria, também, o enterramento nas capelas das aldeias, a considerações de ordem hierárquica? Ou seja, uma vez que, tal como se diz no relatório (de 1758) do cura de São Vicente de Aljubarrota, inserto nas Memórias Paroquiais: “a capella de Nossa Senhora da Graça … é do povo daquele lugar que se chama Ataija de Sima”, isso significará que só os ataijenses podem ser nela enterrados e, quando vemos que aí é enterrado o Padre natural da terra, como na capela dos Casais é enterrado o Padre daí, enquanto a generalidade das pessoas de ambos os lugares é enterrada na Igreja Paroquial, sabida a importância social dos Padres, então, somos tentados a pensar que apenas as pessoas importantes do lugar eram enterradas na capela.

As duas mulheres enterradas em Nossa Senhora da Graça eram, uma,
- “Francisca Coelha mulher que era de Joaquim Heitor… (que) não recebeo sacramento algum por se achar afogada em huma A Lagoa do dito Lugar procedido de hum delírio … (no entanto tinha) vivido como boa cristam e temente a Deos de que foram Testemunhas o Tenente Raimundo Joze de Souza Juiz ordinário e Joze gomez Coelho Tabelião das Notas (ambos, de Aljubarrota) e, a outra,
- “Perpetua Heitor viúva que era de João Tavares moradores que erão na ditta A Taija”. Esta, “fez testamento no Livro das Notas desta Villa Testamenteiro Joaquim Heitor da A Taija de Sima”. Ou seja, o testamenteiro da Perpétua é o marido da Francisca Coelha e tem o mesmo apelido da testadora. São pois, quase de certeza, parentes.
As testemunhas (o Juiz e o Tabelião) indiciam o estatuto da falecida Francisca e de seu marido.

Vamos ver o que, sobre a importância desta família, nos dirá o testamento da Perpétua.




[i] PRÁTICAS TRADICIONAIS DE SEPULTAMENTO NA CIDADE DE DIAMANTINA , por Silveira, Felipe Augusto de Bernardi, Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano III, n. 7, Mai. 2010, consultado online in http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pdf6/5Felipe.pdf, em 27 de Outubro de 2013.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

O testamento do Padre Manoel de Souza



A indicação, à margem do assento de óbito do padre Manuel de Sousa, (VER AQUI) de que este tinha feito testamento no livro de Notas do Tabelião de Porto de Mós, despertou, obviamente, a curiosidade de saber que tipo de bens acumulava um padre da nossa região, no 1º quartel do Séc. XIX.
Houve, pois, que indagar junto do Arquivo Distrital de Leiria sobre o dito testamento que foi encontrado e abaixo transcrevemos.
Como era próprio da época, o dito padre aparece, nuns lados, identificado como Padre Manoel de Sousa, ou Manoel de Sousa Coelho e, noutros lados, como Manoel Coelho.
Quanto ao testamento, o melhor é lê-lo (quem não está habituado a documentos mais antigos terá, de início, algumas dificuldades, mas, à segunda leitura, essas dificuldades já desapareceram) e, sobre ele, apenas diremos que não é claro quantos irmãos (aliás, talvez, todas irmãs) tinha o Padre mas, se atendermos às separações que faz dos (treze, contei eu) sobrinhos, parecem, essas irmãs, terem sido quatro.
Os documentos que conhecemos (o assento de óbito e o testamento) não nos elucidam sobre a idade, nem sobre os progenitores do padre e, nem sabemos que cargos terá desempenhado, que paróquias terá pastoreado mas, uma vez que uma sua sobrinha casou com o capitão José Luís de Sousa, das Pedreiras, vemos aqui um vislumbre das relações do padre com as famílias importantes da região.
Interessante, para nós, é o facto do padre ter designado como seu testamenteiro e herdeiro universal a seu sobrinho Manoel Machado, da Ataíja de Cima.



Testamento que faz aberto nas Nottas o Rdº. Pe. Manoel Coelho dos casais de Stª. Theresa trº. daV.ª  dePorto deMós

Feito em 22 de 9bro. de 1825 e Dado a D. em o mmo diaa fls 134Vº

Saibão quantos este instrumento de Testamento de ultima e derradeira vontade ou como em Direito milhor lugar haja e mais valor possa ter em que sendo no anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil outto centos vinte sinco anos aos vinte e dois dias domes de Novembro do ditto anno neste lugar dos casais de Santa Theresa termo da Villa de Porto deMos casas de morada do Padre Manoel Bento digo Manoel Coelho onde eu Tabelliaõ aodiante nomeado e assignado vim e sendo ahi presente o ditto Padre Manoel Coelho pessoa conhecida de mim Tabelliaõ e das testemunhas aodiante declaradas e assignadas que dou fe ser o próprio edas mesmas testemunhas; por elle dito Padre Manoel Coelho que estava doente decama mas em seu prefeito juízo eentendimento segundo o parecer de mim Tabeliaõ edas mesmas testemunhas pellas acertadas respostas que deu as perguntas que lhe fizeraõ, me foi ditto na presença das mesmas testemunhas que queria que eu Tabeliaõ lhe tomasse e escrevesse nas minhas nottas o seu Testamento de ultima e derradeira vontadeque estava determinado a fazer de sua livre e expontanea vontadepella maneira e forma seguinte: Determinou que se lhe fizesse o seu funeral conforme ouso e custume destes sítios segundo o Estado Eclesiastico = que selle mandassem dizer pella Sua Alma duzentas missas de esmola de cento evinte reis cada huma, conforme a sua tenção e ditas de huma só vez; e pelas Almas de seus Pays cem missas da mesma esmola epor huma só vez = que deixava a sua creada Clemensia pelas soldadas que lhe deve aterra da Eira neste lugar com as arvores e suas pertenças, que parte do norte com caminho edosul com Francisco André = que pelos bons serviços que a mesma Sua Criada Clemensia lhe tem feito e espera lhe continue atté a sua morte lhe deixa em sua vida huma terra e vinha no sitio da  lameira (?) em a qual  terra e vinha ella ditta criada terá somente o uso efrutto, e por sua morte passara para Maria filha do Cappitaõ Jose Luis de Souza das pedreiras afilhada delle testador ou aos herdeiros della, sendo a esse tempo falecida, e que neste legado se inclue com o mesmo uso efruto as basilhas de levar vinho que elle testador possuir a sua morte; onorada esta propriedade legada á divida de quarenta mil reis que elle testador deve a sua irmã Luisa Coelha do Pé da Serra Avó da ditta sua afilhada Maria = Dice que deixava á ditta Sua Criada Clemensia para ella dispor a seu arbítrio metade detodos os bens moveis que houver asua morte, ehuma maraã, entendendo-se nos moveis taõ bem os frutos que entaõ ouver = Dice deixava a sua sobrinha Francisca dois mil equatro centos reis; a sua sobrinha Joaquina mil eduzentos rei s=;  a sua sobrinha Maria mil eduzentos reis;  a sua sobrinha Rosa mil eduzentos reis; e a seu sobrinho Joaõ mil eduzentos reis; e a seu sobrinho Luis o Rellogio eaEspingarda; e a João, Maria, Bernardo, Joaquim, eSebastiana, filhos de Sua Irmã Maria mil eduzentos reis a cada hum, tudo em dinheiro e por huma só vez: E no Remanescente detodos os mais Seus bens moveis Sobmoventes ede Rais, direitos, eacçoens Institue por Seu Universal herdeiro etestamenteiro a Seu sobrinho Manoel Machado da Ataija de Sima com a obrigação de pagar Suas dividas, funeral, Legados pios e profanos dentro dedois anos; menos o que fica Legado a Sua Criada Clemensia porque esta entrará na posse dos Legados que lhe ficão declarados Logo que aconteça a morte de elle testador; e que o ditto Seu herdeiro pagará o juro de setenta mil reis que elle testador deve emais algumas dividas que se legalizarem, everdadeiras forem: epor esta maneira dice elle testador havia feito Seu testamento de ultima e derradeira vontade, e que queria que Se cumprisse como nelle Se conttem edeclara; assim o outhorgou por bem Escripto emverdade que aceitou eeu Tabeliaõ aceito tanto quanto por direito me he permetido sendo atudo por testemunhas presentes que como atestador assignaram depois desta nota por mim Tabelliaõ ser lida edeclarada oCapitaõ Joaõ da Silva Fialho deAljubarrotta; Agostinho Pinto deste Lugar, Francisco Lourenço deste Lugar, António Dorta deste Lugar, José da Silva da Boieira, José da Silva dos casais deste Lugar e dou fe e dou fe pa por ser verdade todo oreferido eeu Alexandre Duarte Tabelliaõ das Nottas que o escrevi e assigno e declaro que com o testador e a rogo deste, por não poder bem escrever assignou a ditta testemunha oCapitaõ Joaõ da Silva Fialho efis esta declaração o Sobreditto Tabeliaõ declarei e assignei
Como testemunhaeaRogodo Testador por mo pedir e rogar João daSilva Fialho
Manel Coelho (O testador assinou, em letra muito trémula)
Agostinho P.to
(seguem-se assinaturas de cruz das testemunhas Francisco Lourenço, António Dorta, José da Silva da Boieira e José da Silva dos Casais)
Alexandre Duarte



(Com os nossos agradecimentos ao Arquivo Distrital de Leiria e à sua Directora, Dra. Paula Alexandre Cândido)

terça-feira, 1 de outubro de 2013

O Almirante Cardoso



A primeira vez que encontrei o Almirante Francisco António Gonsalves Cardoso, foi no assento de casamento de sua filha Adelina Augusta de Freitas Cardoso que, com a idade de 28 anos, em 15 de Dezembro de 1884, se consorciou com o dourador Joaquim da Fonseca Brilhante e Brito, em São Vicente de Aljubarrota, vila de onde todos eram naturais.
E, foi já depois de ter vasculhado a internet à procura de mais informações sobre este, para mim, desconhecido marinheiro que reparei na pequena placa, numa esquina à Rua Direita, que dá nome à “Rua Almirante Cardoso”, com que Aljubarrota o homenageia.

Apesar dessa placa, julgo que a maioria dos seus conterrâneos, tal como eu, não saberá quem foi o Almirante Cardoso. Havia, pois, que investigar e, consultada a documentação que, sobre ele, existe no Arquivo Histórico da Marinha, ficamos a saber que:

Francisco António Gonsalves Cardoso, natural de Aljubarrota, filho do Capitão Francisco António Gonsalves Cardoso, foi baptizado em São Vicente de Aljubarrota em 9 de Fevereiro de 1800.
Alistado na Academia de Marinha, completou o respectivo curso em 1821, iniciando uma longa e brilhante carreira de 50 anos que o levou até Contra-Almirante.

Pelo meio, navegou por todos os mares e batalhou em Portugal, Brasil e Angola.

Dos combates travados em Angola, dá conta a inscrição em pedra sobre o portão do Forte da Catumbela:
“Foi feito á custa dos habitantes de Bengella, honra á digna Camara Municipal, os contínuos insultos feitos aos brancos pelos indígenas deste districto, originarão a construção deste reducto. As guarnições dos brigues Mondego, Tamega e corveta Relampago, comandados pelo chefe F. A. Glz. Cardozo, os submeterão por ordem do Governador Geral o Exmo. Snr. Pedro Alexandrino da Cunha. F.X. Lopes Major do Extº. traçou e construio 1ª pedra 5 Outubro 1846”
(este forte da Catumbela encontra-se, actualmente, em mau estado de conservação mas o Governo angolano já manifestou a vontade de o reconstruir e preservar).

Os combates que travou em Portugal em 1832 e 1833 quando integrava as tropas liberais de D. Pedro IV com quem tinha vindo do Brasil, levaram-no a ser ferido por duas vezes e, uma delas, muito gravemente.
Antes, aos 23 anos, tinha participado, comandando uma canhoneira, no Bloqueio do Recôncavo, (Baía, Brasil), no âmbito das acções militares de iniciativa portuguesa contra os independentistas brasileiros.

Entre Setembro de 1827 e Julho de 1832, esteve ao serviço da marinha brasileira, o que denuncia a sua filiação liberal.

Como administrador colonial, foi Governador-Geral da Província de Angola e Governador da Província de Macau, Timor e Solor e Deputado por Angola.

Recebeu numerosas condecorações, designadamente as de Cavaleiro da Ordem da Torre e Espada, Cavaleiro de Nossa Senhora da Conceição “pelos distintos serviços praticados na estação naval, d’Angola durante um longo e penoso cruzeiro contra o tráfico da escravatura”, Cavaleiro e Comendador da Ordem de São Bento de Aviz, Oficial da Legião de Honra (França), Oficial da Ordem da Roza (Brasil), Comendador da Ordem do Leão Neerdelandêz (Holanda), Grã-Cruz da Ordem de Isabel a Católica (Espanha).

Foi agraciado com o título do Conselho de Sua Magestade (podendo usar, e usou, o título de Conselheiro).

Em 1849 foi-lhe diagnosticada uma hepatite crónica e, nesse ano, esteve em Aljubarrota, doente, conforme se vê de um atestado médico que lhe foi passado pelo Dr. João Pereira Crespo, “Bacharel formado em Medicina pela Universidade de Coimbra, Médico do Partido Municipal d’Alcobaça e Deputado às Cortes”.
Em finais de 1851, autorizado a residir em Aljubarrota “devendo apresentar-se logo que seja nomeado para algum serviço”.
E havia de ser, ainda, nomeado para muitos serviços dos quais os últimos foram o de Comandante do Corpo de Marinheiros, aos 70 anos de idade e, no ano seguinte, o mesmo em que chegou a contra-almirante do quadro, o de “Ajudante de Campo de Sua Majestade El-Rei o Senhor D. Luiz 1º”.

Faleceu em 24 de Fevereiro de 1875

Foto do Almirante Cardoso, cedida pela Biblioteca Central da Marinha – Arquivo Histórico
(reprodução proibida sem autorização expressa da Biblioteca Central da Marinha – Arquivo Histórico)


13 anos depois do falecimento do Almirante, em 1888, o deputado por Alcobaça, Dr. António Lúcio Tavares Crespo, fez um requerimento inquirindo pela pensão à viúva, pensão essa que o parlamento tinha aprovado mas o Ministério da Marinha não pagava.



  
(Com os nossos agradecimentos ao Arquivo Histórico da Marinha e à sua chefe Dra. Isabel Beato)


segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Festival das Sopas da Ataíja de Cima




Foi um dia grandioso, um abraço a todos os que estiveram neste festival fantástico... para o ano há mais!


A frase não é minha. Foi postada num comentário no Facebook e corresponde à realidade vivida por mais de seiscentas pessoas, ataíjenses e amigos que, num excelente dia de sol e a pretexto de comer sopa, se reuniram à sombra das árvores do Largo do Cabouqueiro e ao lado da Casa do Monge Lagareiro, num animado convívio que durou toda a tarde e até incluiu uma sessão de aeróbica sob a direcção da Ana Catarina.

Desta vez, esqueci-me de anotar os nomes das sopas, por isso, ficam apenas os respectivos “retratos”:




 



























E febras, costeletas, entremeadas, morcela, sobremesas diversas, filhoses, café da avó e muita, muita amizade e animação.


E, até aeróbica!


(Fotos de José Quitério e Francisco Mendes)

Como sempre, foi tudo fruto do trabalho voluntário de muitas dezenas de pessoas reunidas em torno da direcção do Salão Cultural Ataijense e com a colaboração das empresas ataijenses Mármores Vigário e Limeport que patrocinaram as tshirt's e os bonés.

Foi um dia grandioso!
Um abraço a todos os que trabalharam para a realização deste festival fantástico!



sexta-feira, 30 de agosto de 2013

O Padre Joaquim de Souza, da Ataíja de Cima


No texto Padres e casamentos na Ataija de Cima, há duzentos anos demos conta da descoberta da existência, no início do Séc. XIX, de um padre ataijense, o Pe Joaquim de Souza.

Continuando a investigar este assunto, através dos registos paroquiais, viemos a verificar que, entre 1804 e 1821, o Pe Joaquim de Souza é mencionado em diversos registos de casamento, todos envolvendo nubentes naturais da Ataíja de Cima e onde intervém quer na qualidade de celebrante, devidamente autorizado pelo cura da freguesia, quer na qualidade de testemunha.

É o caso, por exemplo, do assento relativo a um casamento celebrado, em S. Vicente de Aljubarrota, em 12 de Setembro de 1807, no qual o “Pe Joaquim e Souza da dita Ataija” assina na qualidade de testemunha:



Ou, o assento relativo ao casamento celebrado na Capela de N. S. da Graça da Ataíja de Cima, em 29 de Outubro de 1820, pelo Pe Joaquim de Souza, “cura da freguesia de Santo António do Arrimal”, (funções que desempenhou entre 1819 e 1826).
O celebrante assinou o assento:



Ou, ainda, o assento de um casamento celebrado na Igreja Paroquial de Santo António do Arrimal pelo “Pe Manoel Mathias do Cazal de Val de Ventos” e elaborado e também assinado pelo “Padre Joaquim de Souza Actual Cura desta Freguesia”:


Este assento tem um pormenor curioso, pelo menos para os leitores menos familiarizados com este tipo de documentos e que é a “assinatura de cruz” da testemunha José Amado dos Santos:
Dates ta
Joze + Amado dos Stos

 A testemunha desenhava apenas a “cruz”, uma vez que não sabia ler nem escrever.
“Assinar de cruz” era, ainda há poucas dezenas de anos, expressão corrente para significar o assentimento a coisas que se não entendiam.


sábado, 24 de agosto de 2013

O Padre Manoel de Souza, dos Casais de Santa Teresa



Em 18 de Julho de 2011, (VER AQUI) respondi a um comentário do Gonçalo André (o único “casaleiro” leitor confirmado deste blog), dizendo:

Embora o blog se dedique exclusivamente à Ataíja de Cima, os Casais de Santa Teresa e as demais aldeias vizinhas serão, necessariamente, referidos muitas vezes, desde logo porque muita gente, através do casamento, passou de uma a outra aldeia.

Por essa razão e por muitas outras, “tropeçamos” repetidamente no nome das aldeias vizinhas da Ataíja de Cima. É o que acontece, por exemplo, quando consultamos os registos paroquiais que estão organizados por freguesia.
Foi assim que, ao consultar os registos de óbitos ocorridos em 1825, quando procurávamos um ataijense, nos deparámos com um padre dos Casais de Santa Teresa:

Em 11 de Maio de 1825, faleceu Roza Monteira, solteira, dos Casais de Santa Teresa, a qual foi enterrada “dentro da Parochial Igreja de S. Vicente da Villa de Aljubarrota” e, “não recebeo Sacramento algum por morrer de repente que foraõ Testemunhas o Pe. Manoel de Souza e João Dorta o Mosso ambos dos ditos Cazaes que para constar fiz este assento que assino.
O Cura José Joaquim Leitão


Voltamos a encontrar este Padre Manoel de Souza, em 27 de Novembro do mesmo ano de 1825, no assento do seu próprio óbito, assento esse que, de seguida, transcrevemos:

Cazais de
Sta There
za Pe
Mel de
Souza Co
elho


Aos vinte e sete dias do mês de Novembro de mil oito centos e vinte e sinco anos faleceo e foi sepultado dentro da Cappela de Santa Thereza de Jesus dos Cazais de Santa Thereza da Freguesia de Santa digo da Freguesia de S. Vicente da Villa de Aljubarrota o Pe Manoel de Souza Presbítero do Abito de S. Pedro do dito logar dos Cazais recebeo o Sacramento da Penitência Sagrado Viático e Extrema Unção que para constar fis este assento que assinei
O Cura Jozé Joaquim Leitão
Fes Testamto
no Livro das No
tas da Villa de
Porto de Moz
Sendo escrivão
Alexandre Du
arte


NOTAS:
- A Roza Monteira foi enterrada “dentro da parochial Igreja de S. Vicente da Villa de Aljubarrota”, enquanto o Pe Manoel de Souza (ou Manoel de Souza Coelho, como se escreveu à margem do assento de óbito), “foi sepultado dentro da Cappela de Santa Thereza de Jesus dos Cazais de Santa Thereza”.
O enterramento no interior das igrejas só veio a ser proibido cerca de 20 anos depois o que, aliás, seria uma das causas da Revolta da Maria da Fonte.
- O Pe Manoel de Souza era “Presbítero do Abito de São Pedro”, quer dizer, era um padre secular, ou diocesano, como hoje se diz.