terça-feira, 31 de dezembro de 2019

A Rua das Seixeiras em Meados do Século XX



A Rua das Seixeiras que prolonga, a partir do Outeiro, a Rua dos Arneiros seguindo em direcção aos Casais de Santa Teresa é parte, como já referi mais de uma vez, da Estrada Municipal que ligava os Casais de Santa Teresa à Lameira, pelas Ataija de Cima e de Baixo e Carvalhal e foi classificada como estrada municipal de 2ª classe pelo Decreto de 28 de Julho de 1894, durante o governo de Hintze Ribeiro.
Em verdade, pelo menos na parte entre ambas as ataíjas, parece-me bem que tal estrada nunca saiu do papel pois, ainda há menos de setenta anos tudo era uma estrumeira pegada que ia, com poucos intervalos, desde o Outeiro à Senhora dos Enfermos. Um caminho estreito, onde apenas cabia um carro de bois entre paredes de pedra solta, que não obedecia aos requisitos técnico-legais mínimos, designadamente a largura de livre trânsito de 4 metros, exigida no Decreto de 31 de Dezembro de 1864.
Em meados do Século XX, as mulheres e as crianças andavam na sua maioria descalças (poucos homens também) e quando as estrumeiras eram novas, frequentemente com carrascos  e outras plantas de folhas espinhosas, alagavam-se algumas pedras das paredes para criar um passadiço (na verdade, para avisar o dono da estrumeira que, invariavelmente era o da parede, a ter um pouco de cuidado e atenção aos seus vizinhos). Podemos ter uma noção do que eram essas estrumeiras se soubermos que, alguns anos antes, em meados da década de 1940, quando José Vigário ainda fazia estrumeira no Adro da Capela resolveu, em vésperas de festa, colocar aí uma estrumeira nova e para que as gentes pudessem circular sobre ela, contratou um rancho – onde estava a minha mãe – para a malhar a mangual, amaciando assim as suas partes mais agrestes.




Há setenta anos a Rua das Seixeira distinguia-se por melhor razão. 
Nos anos de 1930 um comerciante alcobacense, Diamantino dos Santos Vazão, investiu fortemente num lagar de azeite que se situava entre a Ataija e os Casais de Santa Teresa, perto da estrada de D. Maria Pia. Uma parte do(s) edifício(s) ainda lá estão, logo a norte do IC9 e, há alguns anos, aí funcionava (não sei se ainda funciona) uma oficina de torneiro.
Para garantir um bom acesso ao lagar, o Diamantino mandou reparar e calçar a pedra e seixos toda a Rua das Seixeiras e a vereda que, a partir do pinhal do Vigário para a direita, passou a ser conhecida por Estrada do Diamantino.


Em meados do Século XX, a primeira casa da Rua das Seixeiras, pelo poente, era a de João Luís e Rosalía de Carvalho que aí viviam com a filha solteira Maria Rosalía, a “enfermeira” da terra. 
Logo, separada por um estreito beco, uma casa antiga, de alpendre, onde vivia Maria Catarina que sempre conheci velha e só. 

A Maria Catrina tinha um medo pânico de qualquer espécie de bestas e veículos, fosse um carro de vacas ou de burro, uma bicicleta ou um raro automóvel, chegando a derrubar paredes na ânsia de deles fugir, o que fazia dela alvo de impiedosa chacota.

Do outro lado da rua, também só, vivia a Benedita. Era viúva e tinha uma filha, mas a essa não me lembro de jamais ter visto. O marido, ao que parece, tinha morrido (ou veio a morrer) na América, onde andava emigrado e terá ganho os dólares que justificaram o pequeno luxo que são as cantarias de verga arredondada, como ainda hoje se vê no que agora são arrumos do António Sabino.


Seguia-se a casa e taberna do Petinga, onde este vivia com a mulher e sem filhos e agora está a de uma sua sobrinha e, do outro lado da rua, uma pequena casa recuada onde viveu Francisca Félix, viúva de Matias Ângelo e onde o neto Manuel Félix teve oficina de sapateiro. Seguia-se a casa mais recente construída para o casamento da filha Maria Matias ou Maria Félix, que aí viveu com o marido Francisco dos Casais e onde criaram os dez filhos.

(falamos, até agora de seis casas e, curiosamente, em cada uma delas havia uma pessoa que não era natural da aldeia. Mas, isso é assunto para quando tratarmos de fluxos migratórios).


Seguia-se a casa onde viviam a minha tia Angélica com o marido e a filha. Desta casa já falei no post  Ataijenses na(s) América(s) 


No sítio onde agora está a casa do Zé Frade e antes esteve o moinho de que falei no post O Moleiro, estava então a casa do pai do Zé, João Frade.

Junto ao caminho, a casa, hoje muito degradada, de Manuel Luís e Maria da Graça, pais do João e de mais oito filhos (os que sobreviveram de doze partos), entre eles o Quim Velho e o Luis da Graça
Entre ambas as casas, a bela cisterna a que me referi no post A Cisterna.

Seguia-se a casa de que hoje só restam ruínas, onde António Maria da Silva, o Orelha e Joaquina Porfíria criaram, pelo menos, sete filhos.

Do outro lado da rua, as casas de duas filhas do Manuel Luís. Primeiro, a de Luísa da Graça, casada com Joaquim Minderico, um Constantino que herdou a alcunha do avô materno. Depois, construída em 1941, a de Rosalía casada, em segundas núpcias dele, com José António Maurício de alcunha o Zé Alemão, o qual tinha ficado viúvo de uma irmã dela, Conceição, tragicamente desaparecida.


E, só nos Casais de Santa Teresa voltávamos a ver casas.

Tudo visto, em 1950, havia na Rua das Seixeiras 12 casas e cerca de 40 moradores.


De onde vem o nome da Rua das Seixeiras



segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

A Rua de Traz em meados do Século XX



  
Cerca de 1950 estava a construir-se entre o Outeiro e o Lugar, em aterro, o troço da actual Estrada do Lagar dos Frades que havia de substituir a velha calçada, situada uns metros mais a norte, junto ao então quintal da Benedita, (agora de António Sabino), como ainda se vê, mas interrompido no final pelo monumento aos Combatentes.
Em frente, onde agora é o supermercado, estava a casa da Calçada, uma casa antiga e pequena para onde se subia através de três ou quatro degraus de pedra. Aí, de porta sempre aberta para aproveitar a luz exterior, o Pirisca exercia o seu ofício de sapateiro.
Para a direita acedia-se à estrada e à Rua de Nossa Senhora da Graça. Pela esquerda, era a Rua de Traz.

Onde hoje é propriedade do José Luís e a casa do Abílio era a taberna, a casa e os demais cómodos de um outro José Luís, avô daquele e pai do Abílio, felizmente ainda vivo, do Petinga que seguindo as pisadas paternas também foi taberneiro, do Padre Tomás de quem já falei mais de uma vez, designadamente no post Gente da Ataíja de Cima - O Padre Tomás e de duas raparigas, uma Maria, que ficou solteira e acompanhou o irmão Padre, e uma Luísa, que casou no Cadoiço com Joaquim Vitorino.
A dita taberna foi, como contei no post Gente da Ataíja de Cima - Joaquim Rôzo,  a sala de aula onde o meu pai, o Padre Tomás e outros rapazes do seu tempo, aprenderam a ler e escrever.

De seguida, a rua faz uma curva apertada, a noventa graus para a direita. Do lado norte, o pátio, a casa nova e uma velhíssima casa de alpendre, eram os cómodos de Luísa Ribeiro que, em 1947, ficara viúva com 2 filhos e grávida da terceira, a Joaquina a quem dediquei o post Gente da Ataíja de Cima - Joaquina Ribeiro Vigário. Apesar de ter casado, em 2as núpcias, pouco tempo depois, com José Maneta, a Luísa Ribeiro ficou para sempre conhecida como A Viúva.
O pátio e as casas ainda lá estão. O Pátio onde agora se criam ervas, ainda rodeado dos numerosos palheiros, estábulos e arrecadações de toda a espécie, a maioria deles já sem telhado e a caminho da ruína, testemunhas de um tempo e de um modo de exploração da terra que não voltam. A casa velha, está mais velha. A casa nova, construída para as 1ªs núpcias da viúva, está agora desprovida do patim que lhe permitia um minúsculo jardim e, sobretudo, a protegia de bestas, carros e carradas.
O seu único habitante é um cidadão ucraniano, há muitos anos emigrado em Portugal, operário numa oficina de pedra.

Do outro lado da rua era a casa, já desaparecida, do meu tio-avô João da Graça, dito o João Redondo, que aí vivia com a sua mulher Emília, natural de Aljubarrota. Não tiveram filhos.
Ele era sapateiro e deslocava-se a casa dos clientes, onde ficava a trabalhar por vários dias, consertando todo o calçado da família e, por vezes, fazendo obra nova. Assim me lembro de o ver, exercendo o seu ofício, no alpendre da casa de José Ribeiro.

Seguia-se uma antiga casa de habitação que naquele tempo também era propriedade da Luísa Ribeiro que a usava como armazém de azeite. Por isso há, ainda, quem a recorde como a Casa das Pias.
Logo, pegada, uma antiquíssima casa que ainda resiste e onde vivia Maria (da) Serafina, a Maria Pequena para se distinguir de uma irmã mais velha, também Maria. Naquele tempo era casada em 2ªs núpcias, com Eleutério dos Santos, mas julgo que já não viviam juntos. Lá em casa moravam, pelo menos, duas filhas e um neto mas ele morava numa casa pequenina que havia no quintal da Rosalia, na Rua das Covas.
Este Eleutério dos Santos terá sido o último enjeitado que houve na Ataíja de Cima mas dele, no entanto, não encontrei, até agora, rasto no Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (diga-se, aliás, que nem todos os enjeitados passaram pela SCML).

Voltando ao lado norte da rua, às casas de Luísa Ribeiro segue-se o portão de um pátio, ao fundo do qual, numa pequena casa de que agora só restam ruínas, vivia a família de José Constantino que aí criou, pelo menos, sete filhos, entre eles, a Perna Torta.

Logo depois a casa, hoje também em ruínas, onde viviam os irmãos, meus tios-avós, Maria Marreca a Manuel Mariola, tal como o João Redondo, meios irmãos da minha avó paterna. A alcunha de Marreca devia-a ela a uma grande corcunda, resultado de uma grave fractura da coluna sofrida quando bébé, uma vez que o irmão Manuel, também uma criança, a pegou ao colo e a deixou cair da janela da casa para a rua.
Terá sido este mesmo episódio que lhe valeu a ele a alcunha de Mariola.

Seguia-se uma estreita casa, com um pequeno alpendre, onde então ainda vivia o velho Porfírio dos Santos, oriundo da zona da Nazaré mas vivente na Ataíja desde criança, onde chegou na condição de enjeitado ou criado de servir, o que não era muito diferente.
E, logo, a casa recente (construída em 1946) da sua neta Joaquina Méla. Esta casa ostenta uma curiosa Pedra da Era, com a representação de um machado e um serrote, instrumentos da profissão do marido, Manuel Sarrador.

Seguia-se a casa de Manuel Casal que então aí vivia com a sua mulher Luisa Vigário, a Pisa Flores, por vezes também dita A Farricha e o filho António. A casa já não existe e no seu lugar o bisneto Joel está a construir uma nova.

Em frente abre-se um largo por onde se estabelece ligação à Rua de Nossa Senhora da Graça, à antiga Rua da Penicheira e ao Beco onde está a casa de José Luís, no lugar onde naquele tempo havia a casa do Padrinho Fialho, então já falecido.
Aí havia também umas antigas casas que a Luísa Ribeiro usava como palheiros e para aí davam as traseiras da casa do João Redondo, uma arribana, lugar do ofício quando o trabalho era em casa e o portão do pátio da casa do meu avô Quitério, da minha casa de infância.
E, ainda, de costas para a taberna do Manuel Luís, a casa da viúva Felismina, a parteira da aldeia que também sabia de rezas e curas. 
Não sei se foi ela que me ajudou a vir ao mundo (poderá ter sido a outra parteira, a Silvina) mas sei que, aquando de umas aquando de umas febres que me atacaram, durante a epidemia da gripe asiática, ela me esfregou o peito e a barriga com azeite da candeia, enquanto entoava umas ininteligíveis rezas. (Os curiosos podem saber mais sobre a gripe asiática lendo o seguinte texto:
 (https://www.dgs.pt/documentos-e-publicacoes/gripe-em-lisboa-1957-e-2008-pdf.aspx) 
Com a Felismina, aí viviam o seu filho José Quépão e a mulher e os filhos destes, meus primos.

Tudo era um lagedo (o Lugar está construído sobre uma imensa pedreira), nesse beco, usava formar-se uma pequena lagoa quando chovia e, nós os pequenos, conhecedores do chão que pisávamos, íamos com gravetos, arames e pregos, limpar um pequeno buraco que havia numa das pedras e, quando o conseguíamos desobstruir, a água desaparecia em vórtice.

Retornando à Rua de Traz e continuando pelo norte, à casa de Manuel Casal seguia-se uma estreita e antiga casa, que aliás naquele tempo já não era uma casa, mas ainda existe, disfarçada atrás de uma parede de pedra sem reboco (que oculta uma minúscula divisão, talvez uma antiga corte do porco) e de um pequeno alpendre ou arribana. Era propriedade do meu avô José Agostinho da Graça que a usava como palheiro e estábulo do burro. O burro era preso ao pau de fuste que suportava o cachorro da chaminé e a lareira era a mangedoura. A porta da casa tinha um postigo e, como há ainda quem se lembre, às vezes via-se o burro, cabeça enfiada no postigo, observando o movimento da rua.

Seguia-se uma outra antiga casa, naquele tempo usada pelo José Ribeiro como palheiro e que mais tarde foi recuperada por um neto e, agora, é propriedade de um casal de cidadãos canadianos que aí vivem.
Segue-se a casa do meu avô Agostinho e da minha avó Carlota. Aí vivem agora a Celeste Rebolão e o marido.

Do lado sul, desde o largo atrás referido, eram antigas casas, com entrada pela Rua da Penicheira, onde já não vivia ninguém e funcionavam como palheiros e adega de Sabino Vigário. Seguia-se outra que tinha entrada pela Rua de Traz e era, creio propriedade de José Ribeiro, também usada como palheiro. Foi há uns anos remodelada e esteve habitada. Agora, todas esses telhados estão em vias de ser demolidos, para no seu lugar surgir o novo grande objectivo da comunidade, a construção do Centro Paroquial e Casa Mortuária.

Seguia-se, e ainda segue, uma pequena construção onde o meu avô Agostinho fazia adega, e abria-se uma travessa que ligava à Rua da Penicheira, à Rua de Nossa Senhora da Graça e ao Adro da Capela. A Travessa ainda lá está, mas o acesso à Rua da Penicheira foi cortado na segunda metade dos anos de 1970 quando a população decidiu autorizar o José Rebolão a construir aí, por troca com um espaço do outro lado da rua.
Pelo lado sul, o último quarteirão da Rua de Traz, entre a dita Travessa e o Fundo da Igreja, eram traseiras das casas de Maria da Serra (depois, de José Rebolão), de Manuel Maurício e sua mulher Silvina e da viúva Maria Constantino ou Maria Serafina e, ainda, de uma antiga casa, onde naquele tempo ainda se via a chaminé e uma divisória em tabique, que José Ribeiro usava como palheiro ou arrumos e o neto agora usa ou usou como garagem. 
Fecha o quarteirão, já com entrada pelo Fundo da Igreja, um antigo lagar, que depois disso já foi palheiro de vacas e agora é garagem.
Pelo Norte, à de meu avô seguia-se a casa de Manuel Morgado, dito o Manuel Lérias, carpinteiro, natural de Boieira, mas filho de uma ataijense e de sua mulher Maria Machada que aí viviam com os 4 filhos. Já no Fundo da Igreja, a casa dos Machado a que já me referi no post A Rua das Hortas em Meados do Século XX e onde viviam a minha tia Papoila, o marido e os três filhos.


Em meados do Século XX, a Rua de Traz tinha 14 casas habitadas nas quais moravam de mais de 50 pessoas.

Hoje, as casas habitadas são seis e residentes contei nove (um terço deles, estrangeiros).

Estado actual (15-12-2019) das casas de Luísa Ribeiro


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