Cerca de 1950 estava a construir-se entre o Outeiro e o
Lugar, em aterro, o troço da actual Estrada do Lagar dos Frades que havia de
substituir a velha calçada, situada uns metros mais a norte, junto ao então
quintal da Benedita, (agora de António Sabino), como ainda se vê, mas
interrompido no final pelo monumento aos Combatentes.
Em frente, onde agora é o supermercado, estava a casa da Calçada,
uma casa antiga e pequena para onde se subia através de três ou quatro degraus
de pedra. Aí, de porta sempre aberta para aproveitar a luz exterior, o Pirisca
exercia o seu ofício de sapateiro.
Para a direita acedia-se à estrada e à Rua de Nossa Senhora
da Graça. Pela esquerda, era a Rua de Traz.
Onde hoje é propriedade do José Luís e a casa do Abílio era a
taberna, a casa e os demais cómodos de um outro José Luís, avô daquele e pai do
Abílio, felizmente ainda vivo, do Petinga que seguindo as pisadas paternas
também foi taberneiro, do Padre Tomás de quem já falei mais de uma vez,
designadamente no post
Gente da Ataíja de Cima - O Padre Tomás e de duas raparigas, uma Maria, que ficou solteira e
acompanhou o irmão Padre, e uma Luísa, que casou no Cadoiço com Joaquim
Vitorino.
De seguida, a rua faz uma curva apertada, a noventa graus
para a direita. Do lado norte, o pátio, a casa nova e uma velhíssima casa de
alpendre, eram os cómodos de Luísa Ribeiro que, em 1947, ficara viúva com 2
filhos e grávida da terceira, a Joaquina a quem dediquei o post
Gente da Ataíja de Cima - Joaquina Ribeiro Vigário. Apesar de ter casado, em 2as núpcias, pouco tempo depois, com José Maneta, a Luísa Ribeiro ficou para sempre conhecida como A Viúva.
O pátio e as casas ainda lá estão. O
Pátio onde agora se criam ervas, ainda rodeado dos numerosos palheiros,
estábulos e arrecadações de toda a espécie, a maioria deles já sem telhado e a
caminho da ruína, testemunhas de um tempo e de um modo de exploração da terra que
não voltam. A casa velha, está mais velha. A casa nova, construída para as 1ªs
núpcias da viúva, está agora desprovida do patim que lhe permitia um minúsculo
jardim e, sobretudo, a protegia de bestas, carros e carradas.
O seu único habitante é um cidadão
ucraniano, há muitos anos emigrado em Portugal, operário numa oficina de pedra.
Do outro lado da rua era a casa, já
desaparecida, do meu tio-avô João da Graça, dito o João Redondo, que aí vivia
com a sua mulher Emília, natural de Aljubarrota. Não tiveram filhos.
Ele era sapateiro e deslocava-se a casa
dos clientes, onde ficava a trabalhar por vários dias, consertando todo o
calçado da família e, por vezes, fazendo obra nova. Assim me lembro de o ver,
exercendo o seu ofício, no alpendre da casa de José Ribeiro.
Seguia-se
uma antiga casa de habitação que naquele tempo também era propriedade da Luísa Ribeiro
que a usava como armazém de azeite. Por isso há, ainda, quem a recorde como a
Casa das Pias.
Logo, pegada, uma antiquíssima casa que ainda resiste e onde vivia Maria (da) Serafina, a Maria
Pequena para se distinguir de uma irmã mais velha, também Maria. Naquele tempo
era casada em 2ªs núpcias, com Eleutério dos Santos, mas julgo que já não
viviam juntos. Lá em casa moravam, pelo menos, duas filhas e um neto mas ele morava numa
casa pequenina que havia no quintal da Rosalia, na Rua das Covas.
Este Eleutério dos Santos terá sido o último enjeitado que
houve na Ataíja de Cima mas dele, no entanto, não encontrei, até agora, rasto no
Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (diga-se, aliás, que
nem todos os enjeitados passaram pela SCML).
Voltando ao lado norte da rua, às casas de Luísa Ribeiro
segue-se o portão de um pátio, ao fundo do qual, numa pequena casa de que agora só
restam ruínas, vivia a família de José Constantino que aí criou, pelo menos,
sete filhos, entre eles,
a Perna Torta.
Logo depois a casa, hoje também em ruínas, onde viviam os
irmãos, meus tios-avós, Maria Marreca a Manuel Mariola, tal como o João Redondo,
meios irmãos da minha avó paterna. A alcunha de Marreca devia-a ela a uma
grande corcunda, resultado de uma grave fractura da coluna sofrida quando bébé,
uma vez que o irmão Manuel, também uma criança, a pegou ao colo e a deixou cair
da janela da casa para a rua.
Terá sido este mesmo episódio que lhe valeu a ele
a alcunha de Mariola.
Seguia-se uma estreita casa, com um pequeno alpendre, onde
então ainda vivia o velho Porfírio dos Santos, oriundo da zona da Nazaré mas
vivente na Ataíja desde criança, onde chegou na condição de enjeitado ou criado
de servir, o que não era muito diferente.
E, logo, a casa recente (construída
em 1946) da sua neta Joaquina Méla. Esta casa ostenta uma curiosa
Pedra da Era, com a representação de um machado e um serrote, instrumentos da profissão do
marido, Manuel Sarrador.
Seguia-se a casa de Manuel Casal que então aí vivia com a
sua mulher Luisa Vigário, a Pisa Flores, por vezes também dita A Farricha e o filho António. A casa já não
existe e no seu lugar o bisneto Joel está a construir uma nova.
Em frente abre-se um largo por onde se estabelece ligação à
Rua de Nossa Senhora da Graça, à antiga Rua da Penicheira e ao Beco onde está a
casa de José Luís, no lugar onde naquele tempo havia a casa do
Padrinho Fialho, então já falecido.
Aí havia também umas antigas casas que a Luísa Ribeiro usava
como palheiros e para aí davam as traseiras da casa do João Redondo, uma
arribana, lugar do ofício quando o trabalho era em casa e o portão do pátio da
casa do meu avô Quitério, da minha casa de infância.
E, ainda, de costas para a taberna do Manuel Luís, a casa da
viúva Felismina, a parteira da aldeia que também sabia de rezas e curas.
Não
sei se foi ela que me ajudou a vir ao mundo (poderá ter sido a outra parteira,
a Silvina) mas sei que, aquando de umas
aquando de umas febres que me atacaram, durante
a epidemia da gripe asiática, ela me esfregou o peito e a barriga com
azeite da candeia, enquanto entoava umas ininteligíveis rezas. (Os
curiosos podem saber mais sobre a gripe asiática lendo o seguinte texto:
(https://www.dgs.pt/documentos-e-publicacoes/gripe-em-lisboa-1957-e-2008-pdf.aspx)
Com a Felismina, aí viviam o seu filho José
Quépão e a mulher e os filhos destes, meus primos.
Tudo era um lagedo (o Lugar está construído sobre uma
imensa pedreira), nesse beco, usava formar-se uma pequena lagoa quando
chovia e, nós os pequenos, conhecedores do chão que pisávamos, íamos com
gravetos, arames e pregos, limpar um pequeno buraco que havia numa das pedras
e, quando o conseguíamos desobstruir, a água desaparecia em vórtice.
Retornando à Rua de Traz e continuando pelo norte, à casa de
Manuel Casal seguia-se uma estreita e antiga casa, que aliás naquele tempo já
não era uma casa, mas ainda existe, disfarçada atrás de uma parede de pedra sem reboco (que
oculta uma minúscula divisão, talvez uma antiga corte do porco) e de um pequeno
alpendre ou arribana. Era propriedade do meu avô José Agostinho da Graça que a
usava como palheiro e estábulo do burro. O burro era preso ao pau de fuste que
suportava o cachorro da chaminé e a lareira era a mangedoura. A porta da casa
tinha um postigo e, como há ainda quem se lembre, às vezes via-se o burro,
cabeça enfiada no postigo, observando o movimento da rua.
Seguia-se uma outra antiga casa, naquele tempo usada pelo
José Ribeiro como palheiro e que mais tarde foi recuperada por um neto e,
agora, é propriedade de um casal de cidadãos canadianos que aí vivem.
Segue-se a casa do meu avô Agostinho e da minha avó Carlota.
Aí vivem agora a Celeste Rebolão e o marido.
Do lado sul, desde o largo atrás referido, eram antigas
casas, com entrada pela Rua da Penicheira, onde já não vivia ninguém e funcionavam como palheiros e adega de
Sabino Vigário. Seguia-se outra que tinha entrada pela Rua de Traz e era, creio propriedade de José Ribeiro, também usada como palheiro. Foi há uns anos
remodelada e esteve habitada. Agora, todas esses telhados estão em vias de ser
demolidos, para no seu lugar surgir o novo grande objectivo da comunidade, a
construção do Centro Paroquial e Casa Mortuária.
Seguia-se, e ainda
segue, uma pequena construção onde o meu avô Agostinho fazia adega, e abria-se
uma travessa que ligava à Rua da Penicheira, à Rua de Nossa Senhora da Graça e ao Adro da Capela. A Travessa ainda lá está, mas o acesso à Rua da Penicheira
foi cortado na segunda metade dos anos de 1970 quando a população decidiu
autorizar o José Rebolão a construir aí, por troca com um espaço do outro lado
da rua.
Pelo lado sul, o último quarteirão da Rua de Traz, entre a dita
Travessa e o Fundo da Igreja, eram traseiras das casas de Maria da Serra (depois, de José Rebolão), de
Manuel Maurício e sua mulher Silvina e da viúva Maria Constantino ou Maria
Serafina e, ainda, de uma antiga casa, onde naquele tempo ainda se via a
chaminé e uma divisória em tabique, que José Ribeiro usava como palheiro ou
arrumos e o neto agora usa ou usou como garagem.
Fecha o quarteirão, já com
entrada pelo Fundo da Igreja, um antigo
lagar, que depois disso já foi palheiro de vacas e agora é garagem.
Pelo Norte, à de meu avô seguia-se a casa de Manuel Morgado,
dito o Manuel Lérias, carpinteiro, natural de Boieira, mas filho de uma
ataijense e de sua mulher Maria Machada que aí viviam com os 4 filhos. Já no
Fundo da Igreja, a casa dos Machado a que já me referi no post
A Rua das Hortas em Meados do Século XX e onde viviam a minha tia Papoila, o marido e os três filhos.
Em meados do Século XX, a Rua de Traz tinha 14 casas habitadas nas quais
moravam de mais de 50 pessoas.
Hoje, as casas habitadas são seis e residentes contei nove (um terço deles, estrangeiros).
Estado actual
(15-12-2019) das casas de Luísa Ribeiro
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