domingo, 25 de maio de 2014

Padre Fábio Bernardino



Impedido, por compromissos anteriores, de estar presente, nem por isso quero deixar de dar aqui o merecido destaque às cerimónias da Ordenação Sacerdotal e Missa Nova do Padre Fábio Bernardino.

A Ordenação Sacerdotal, pelo Bispo da Diocese de Leiria-Fátima D. António Marto, teve lugar, conforme anunciámos AQUI, no passado dia 11 do corrente mês de Maio, na Sé Catedral de Leiria.



No site da Diocese de Leiria-Fátima[i], lembra-se que:

... na Ataíja de Cima, aldeia da freguesia de Aljubarrota de onde Fábio Bernardino é natural, é preciso recuarmos 67 anos para conhecer a última ordenação sacerdotal de um conterrâneo, foi a do padre Manuel Tomás de Sousa[ii], a 13 de julho de 1947. Durante os anos do seu sacerdócio, foi pároco em Serro Ventoso, Arrimal, Mendiga, Carvide, Vieira de Leiria, Calvaria e Pedreiras. O padre ataíjense faleceu a 12 de julho de 1986, 2 anos antes do padre Fábio Bernardino ter nascido.


A fotoreportagem oficial das cerimónias da Ordenação Sacerdotal do Fábio pode ver-se em:
https://plus.google.com/photos/+Leiria-FatimaPt/albums/6013305291960635089


 A Missa Nova realizou-se, como é do estilo, na Igreja paroquial de São Vicente de Aljubarrota, no dia 18 próximo passado.
  


  
 seguindo-se uma cerimónia de consagração a Nossa Senhora da Graça na Capela de Nossa Senhora da Graça, na Ataíja de Cima.





  
e um convívio no Salão Cultural Ataíjense.




Todas estas cerimónias foram participadas com alegria por uma grande multidão de amigos, vizinhos e familiares do Pe. Fábio Bernardino.

Ao Pe. Fábio Bernardino (afinal meu parente, porquanto os seus tetravós António Coelho e Maria Quitério foram meus bisavós) desejo as maiores felicidades na difícil vida que escolheu.


Nota: Todas as fotos foram retiradas da página do Facebook do Pe. Fábio Bernardino.

[ii] Cujo essencial da biografia já publicámos AQUI

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Enjeitados - nomes de baptismo - critérios de atribuição


Em meados do Séc. XIX entravam, por ano, mais de 2000 crianças no hospital dos Expostos de Lisboa (foram 2373 em 1852) pelo que, o nome que se deveria atribuir a cada uma no baptismo a que imediatamente se procedia[i], havia de obedecer a alguns critérios.

Um desses critérios vê-se claramente nos próprios registos de baptismo onde, geralmente, consta a indicação de o nome ser “nome da Casa” quer dizer, atribuído por decisão dos baptizantes ou, “nome do escrito” quer dizer, ser o que constava de algum papel que acompanhasse a criança com o pedido de se lhe atribuir esse nome[ii].
Quando havia um papel com indicação do nome a atribuir à criança, essa vontade era, em regra, aceite. Por vezes atribuía-se à criança nome diferente do “nome do escrito”. Nos assentos não se registavam as razões mas, talvez o nome proposto não fosse considerado suficientemente cristão, já que o nome de substituição, esse, é sempre o nome de um santo.

Foi o caso de um menino entrado em 2 de Novembro de 1852, acompanhado de um papel onde se pedia que fosse baptizado com o nome de Leónidas Tubarão[iii], mas foi baptizado com o nome de Malaquias.

Ora, este facto, de uma criança entrada em um dia 2 de Novembro ter sido baptizada com o nome de Malaquias conduz-nos àquele que seria o principal critério de nominação dos expostos: o Santo do dia.

Malaquias foi o último dos profetas menores do Antigo Testamento, tendo escrito, cerca de 430 a.C., o chamado Livro de Malaquias.
O seu nome foi atribuído cerca de 1400 anos depois, a uma criança irlandesa que a história reteve sob o nome de São Malaquias, canonizado em 1199, pelo Papa Clemente III, quando tinham passado 51 anos sobre a sua morte, ocorrida em 2 de Novembro de 1148, no mosteiro de Clairvaux (Claraval), onde era abade São Bernardo.

Em 26 de Janeiro de 1852, entraram no H.E.L. um total de nove crianças das quais cinco traziam papéis com a indicação do nome que se pretendia lhe fosse atribuído, o que, em todos os casos, foi respeitado:
Elvira, Maria Joaquina, Maria, Daniel Bonifácio Fernandes, João.

As restantes quatro crianças foram baptizadas com os nomes de, respectivamente:
Paula, Policarpo, Cristiano e Alexandrino.

Santa Paula, padroeira das viúvas, diz a Wikipédia, é uma santa cristã venerada pelas igrejas Católica e Ortodoxa, nascida em Itália em 5 de maio de 347 e falecida em Belém, onde se encontra sepultada na Basílica da Natividade, no ano de 404. Na Igreja Católica tem a sua festa litúrgica no dia 26 de Janeiro.

Actualmente, a Igreja Católica comemora neste dia São Timóteo e São Tito mas, “antigamente”, São Policarpo[iv] era celebrado a 26 de Janeiro[v].

Cristiano, é nome que não carece de justificação. É palavra de origem latina que significa, literalmente, cristão.

Alexandrino é um diminuitivo de Alexandre, nome antigo que, segundo o dicionário de nomes próprios[vi], significará protector do homem ou, defensor da humanidade. O mais célebre dos Alexandres foi Alexandre o Grande, rei da Macedónia. Na juventude teve por perceptor o grande filósofo Aristóteles. Foi o maior conquistador da Antiguidade e, apesar da sua curta vida e governo[vii], criou um Império que se estendeu desde os Balcãs e o Egipto até às portas da India e ao Uzbequistão. Após a sua morte, o Império desmembrou-se dividido entre os seus generais.
Santos e Beatos com o nome de Alexandre contam-se mais de vinte, além de algumas Alexandras e, pelo menos, uma Alexandrina, esta, portuguesa do Séc. XX, beatificada pelo Papa João Paulo II. No entanto, nenhum destes santos e beatos tem a sua festa litúrgica no dia 26 de Janeiro.

Cerca de seis meses depois dos acima referidos, em 2 de Julho de 1852, entraram no Hospital dos Expostos de Lisboa, seis crianças:
Rachel Lia da Conceição, António Martins, Rita e Joaquim Pedro Pereira, assim baptizados de acordo com os nomes que constavam dos escritos que os acompanhavam.
Todas estas quatro crianças vieram a falecer. O António e o Joaquim, respectivamente, logo em 4 e em 31 de Agosto seguintes, a Rita em 19 de Abril de 1853 e a Rachel em 30 de Outubro de 1856.
Era esta, também, infelizmente, a crua realidade do acolhimento de crianças abandonadas: uma grande ou a maior parte delas, não sobrevivia.
As outras duas crianças, foram baptizadas com “nome da casa”:
Um Manuel, também não sobreviveu para além do dia 11 de Setembro seguinte.

Ao outro, o único dos seis que resistiu, cresceu e fez-se homem, casou e deu origem a uma extensa prol de que conheço bem a maioria dos membros e muitos fazem o favor de ser meus amigos, a esse, foi dado o nome de Constantino.

Santos e Beatos com o nome de Constantino, contei cinco[viii].
Um São Constantino, viveu no Séc. VI, foi rei da Cornualha e martirizado na Escócia.
Um outro terá sido um nobre georgiano do Séc. IX, mártir do qual se sabe muito pouco.
Os beatos Constantino Carbonell, jesuíta, e Constantino Fernandez Alvarez, dominicano, ambos espanhóis e mortos em 1936 durante a guerra civil não podem, por isso, ter inspirado o baptismo do nosso Constantino.
São Constantino de Gap (França), Bispo que viveu no Séc. V.
O mais célebre dos Constantinos, o Imperador Romano, não chega a ser santo mas foi, no ano de 313, co-autor do Édito de Milão que tornou o Imperio religiosamente neutro com o que, consequentemente, acabaram as perseguições aos cristãos. É controversa a sua religiosidade cristã, pelo que apenas foi reconhecido como santo pela Igreja Ortodoxa.
Transferiu a capital do Império de Roma para Bizâncio que mais tarde foi, em sua honra, designada Constantinopla e é a actual Istambul, durante séculos a maior e mais rica cidade da Europa e que, hoje em dia, continua a ser uma das maiores e mais fascinantes cidades do mundo.

Etimologicamente, Constantino significa constante, firme, perseverante. Tudo qualidades muito úteis a um exposto e, certamente, as tinha o Constantino que aqui nos trouxe e de cuja “história” já falamos em três posts recentes (ver AQUI, AQUI e AQUI).


Os padrões de nomes de expostos que se apreendem numa vista de olhos pelos Livros de Baptismos existentes no Arquivo histórico da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa não são diferentes dos casos que agora vimos.
Assim, os critérios de atribuição de nomes de baptismo às crianças entradas no Hospital dos Expostos, parecem ser os seguintes:
Em primeiro lugar, respeitava-se a vontade do abandonante, presumível progenitor, atribuindo-se à criança o nome proposto em algum escrito que o acompanhasse.
Essa vontade não era respeitada em alguns casos, aparentemente por o nome proposto não ser “suficientemente” cristão.
Nos casos em que a criança não era acompanhada de sugestão de nome, o “nome da casa” preferido era o do “santo do dia”.
Nos casos em que, nesse dia, se comemorava mais de um santo, a tarefa ficava facilitada. Ao invés, em dias de grande afluência de expostos, a útil diversidade de nomes exigia o recurso a outros “nomes cristãos”. Não é possível, no âmbito deste curto texto e relativamente a estes últimos nomes, vislumbrar critérios ou encontrar padrões de escolha, se é que existem.



Sinal de exposto - Os expostos da roda da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa
Catálogo da exposição - 503º aniversário da SCML, 2001





[i] Em raríssimos casos, a criança chegava acompanhada de um escrito onde se dizia que já era baptizada, indicando-se o nome e, por vezes o local e, ou, a data do baptismo.
[ii] Muitas crianças eram expostas acompanhadas de “sinais”, escritos e, ou, objectos (fitas ou outras pequenas peças de tecido, medalhas ou estampas de santos etc.) os quais se destinavam a permitir a identificação da criança em caso de os pais se apresentarem a reclamá-la.
[iii] Leónidas foi um rei e herói grego, (espartano) que, acompanhado de 300 homens da sua guarda pessoal, lutou até à morte contra Xerxes o rei persa e o seu exército na batalha de Termópilas.
[iv] São Policarpo, Bispo de Esmirna (actual Izmir, na Turquia) é um dos santos e mártires da Igreja primitiva, tendo sido discípulo do Apóstolo João.
[vii] Viveu 32 anos, entre 356 e 323 A.C. e reinou durante 12 anos.

Constantino dos Santos - do Hospital dos Expostos de Lisboa a Patriarca de uma família ataíjense - III


Atendendo às idades que lhe são atribuídas nos assentos dos seus dois casamentos, como já vimos antes, (VER AQUI e AQUI) o Constantino terá nascido em 1852 ou 1853. Ora, nesses dois anos entraram mais de 4.000 crianças na SCML (2373 em 1852) das quais 8, pelo menos, foram baptizadas com o nome de Constantino (houve, ainda, uma Constantina e um João Constantino).
Destes 8 Constantinos, 5 faleceram, o mais novo aos 15 dias de vida e o mais velho antes de atingir os dezanove meses de idade.
Dos três restantes, um, entrado na SCML em 25-04-1852 (Lº 26 Matrículas, Varões, fls. 253. Nº 999), foi entregue a uma ama moradora na Tourinha, freguesia de Nossa Senhora do Desterro dos Pousos, concelho de Leiria e aí se manteve até depois dos dez anos, tendo o Termo de Vestir sido celebrado com a mesma ama (Lº 20 de Vestir, fls. 24v.).
Outro, entrado na SCML em 18-09-1853, foi entregue a uma ama moradora no Furadouro, freguesia de São Pedro de Dois Portos, Concelho da Ribaldeira[i] e aí ficou até, pelo menos, os dez anos de idade (Lº Matrículas n.º 33, Varões, fls 461, nº 755).

O terceiro e último dos três Constantinos sobreviventes, entrou no Hospital dos Expostos de Lisboa em 2 de Julho de 1852 e foi baptizado nesse dia com o nome de Constantino, nome da Casa[ii]:

“No dia dois de Julho de mil oito centos cincoenta e dois anos às duas e meia horas da tarde entrou pela Roda para esta Real Casa dos Expostos um Menino com os signais seguintes, camiza e fralda d’algodão, coeiro de baetilha branca, vistido de chita azul, volvedouro(?)  de pano cru, na cabeça meio lensso de/ branco com pintas encarnadas, tudo uzado. Foi solenemente baptizado com o nome de Constantino por mim abaixo assignado; padrinho João Victor Caldas; Ana Candida de Jesus; e para constar fis este assento.
O Pe João Rafael Nunes”
(Lº 130 dos Baptismos, fls. 317v., nº 1226).

No dia 19 seguinte, foi o Constantino entregue à ama-de-leite Maria Joaquina, casada com José Joaquim, trabalhador, moradora no lugar do Carvalhal, freguesia de Nossa Senhora dos Prazeres de Aljubarrota, concelho de Alcobaça.
Entre a SCML e a ama foram celebrados, sucessivamente, os seguintes contratos:

- 11 meses de leite a 1$600, com início a 19-07-1852
- 17$600
- 12 meses de seco a 1$100, com início a 19-06-1853
- 13$200
- 12 meses de seco a   $900, com início a 19-06-1854
- 10$800
- 48 meses de seco a   $500, com início a 19-06-1855
- 24$000
- 36 meses de seco a   $300, com início a 19-06-1859
- 10$800

- 76$400

Chegado, assim, o Constantino há idade de dez anos, foi celebrado com a mesma ama o costumado Termo de Vestir:

Aos 18 de Outubro de 1862 foi entregue a Maria Joaquina. Casada com José Joaquim, trabalhador, moradora no lugar do Carvalhal ……
O exposto Constantino por tempo de seis anos para o sustentar, vestir… etc…[iii]
(Livro nº 20 de Vestir, fls. 166v.)

Criado aqui ao lado da Ataíja de Cima, tudo aponta para que este seja o nosso Constantino, o Constantino dos Santos. Não sabemos porquê, como e quando passou do Carvalhal para a Ataíja. Certo é que, se era criado de servir em casa da ama, criado de servir continuou e assim é identificado no assento do seu primeiro casamento.
Era esse o seu estatuto desde os dez anos de idade: criado de servir.
Como, inequivocamente, se dizia nos Termos de Abertura dos Livros de Vestir, estes destinavam-se a registar os expostos “dados a servir sem soldada”.

Como já vimos antes, o Constantino dos Santos casou, em segundas núpcias dele, no dia 26 de Julho de 1886, tinha então 34 anos de idade, com Serafina de Jesus, solteira, doméstica, de 28 anos de idade e, também ela, exposta da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
Tal como no primeiro casamento, foram testemunhas João Coelho e José Carvalho e, deste último sabemos que foi quem criou a Serafina desde os 5 anos dela.

Do casamento nasceram cinco filhos (o primeiro, aliás, apenas três semanas depois do consórcio), dos quais sobreviveram três:
Maria, nascida em 16-08-1886; José, nascido em 19-01-1890 e outra Maria, nascida em 21-01-1894.

A Maria que conhecemos por Maria Constantina, casou uma primeira vez e ficou viúva com pouco mais de trinta anos e uma filha pequena que foi conhecida por Delfina Constantina e lhe deu dez netos, todos, felizmente, vivos.
O marido, que até agora apenas identificamos pelo apelido Tomás, foi uma das vítimas ataijenses da pneumónica.
De um segundo casamento não houve filhos.

A segunda Maria recebeu, por esse facto, a alcunha de Pequena. Foi, pois, conhecida por Maria Pequena e, às vezes, por Maria Serafina.
Foi mãe de, pelo menos, cinco filhos, dos quais quatro deram origem a uma vasta prole. Estão vivos vários netos.

O José, José Constantino, um dos ataíjenses que integrou o Corpo Expedicionário Português que combateu em França durante a 1ª Guerra Mundial, esse foi pai de sete filhos, dos quais dois estão vivos.

(A "Roda" do Convento dos Cardais, em Lisboa)



[i] Concelho extinto em 1855 e integrado no concelho de Torres Vedras.
[ii] À margem dos assentos de baptismo consta, geralmente, a indicação de o nome ser “da Casa” quer dizer, atribuído por decisão do baptizante ou, “nome do escrito” quer dizer, ser o que constava de algum papel que acompanhava a criança com o pedido de se lhe atribuir esse nome.
Quando havia um papel com indicação do nome a atribuir à criança, essa vontade era, em regra, aceite. Por vezes atribuía-se à criança nome diferente do “nome do escrito”. Em geral, por o nome proposto não ser considerado suficientemente cristão, (por ex., uma criança entrada em 2 de Novembro de 1852, acompanhada de um papel onde se pedia que fosse baptizada com o nome de Leónidas Tubarão, foi baptizada com o nome de Malaquias.
[iii] Veja, integralmente transcrito, o Termo de Vestir relativo à primeira mulher de Constantino dos Santos. 

Constantino dos Santos - do Hospital dos Expostos de Lisboa a patriarca de uma família ataíjense - II



Como vimos (AQUI), o Constantino dos Santos que, em 10 de Janeiro de 1882, ainda não tinha trinta anos, havia ficado viúvo de Guilhermina dos Santos, voltou a casar, em 26 de Julho de 1886, tinha agora 34 anos de idade, com Serafina de Jesus ou Serafina dos Santos, solteira, doméstica, de 28 anos de idade e, também ela, exposta da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

Quem era esta Serafina?

No AHSCML[i], o Livro de Matrícula, Fêmeas, nº 50, a fls. 241, sob o nº 591, regista a entrada em 7 de Janeiro de 1857 de uma Serafina que, em 8 de Janeiro de 1857, foi entregue à ama-de-leite Maria Joaquina casada com João Gomes moradora no Casal do Leonardo, freguesia de Santa Anna da Carnota, concelho de Alenquer, ao cuidado de quem se manteve até aos três anos de idade.
Em 12 de Janeiro de 1860, foi a Serafina entregue a Rozalia Maria casada com José Maria, trabalhador, moradora no Campo de Santa Clara[ii] nº 56, da freguesia de Santa Engrácia em Lisboa.
Em 11 de Março de 1862, tinha a Serafina 5 anos quando foi entregue a Maria Joaquina, casada com José Carvalho, trabalhador, moradora na Ataíja de Cima.
Em 17 de Setembro de 1864 e a contar de 11 de Janeiro de 1864, a SCML renovou o contrato com a Maria Joaquina, por mais 36 meses, quer dizer, até a criança completar dez anos de idade.

Completados os dez anos, como já antes se disse, a SCML deixava de pagar às amas e a criança era entregue (nesta época, em regra), pelo período de seis anos quer dizer, até completar os dezasseis anos, a quem se comprometesse a vestir, calçar, educar na religião cristã e ensinar um ofício de acordo com o seu sexo, naturalmente, em troca do trabalho a prestar pela criança. Sobre este assunto já transcrevemos, no post anterior, o “termo de vestir” da 1ª mulher do Constantino, pelo que nos dispensamos de transcrever agora o da Serafina que é de teor idêntico, como, aliás, o do próprio Constantino.

Esse contrato ou Termo de Vestir da Serafina, consta do Livro nº 25, de Vestir, fls. 229
(Serafina Lº 137 fls 241 nº 591):

Aos sete de Junho de 1867 entregue a Maria Joaquina casada com José Carvalho, trabalhador, moradora na Ataíja de Cima freguesia de São Vicente de Aljubarrota[iii] concelho de Alcobaça
Por tempo de seis anos….

A partir da celebração do Termo de Vestir não há, em regra, mais informação sobre os expostos no AHSCML. Daqui até ao casamento, passos documentados da vida da Serafina, a haver, há-de ser nos Róis dos Confessados ou no competente Juízo dos Órfãos.
Segue-se, pois, um longo período de dezoito anos durante os quais nada sabemos da Serafina.

Apenas, sabemos que é a mesma pessoa que se casou com Constantino dos Santos porque não há notícia de uma outra Serafina na aldeia e, também, porque uma das testemunhas do casamento foi José Carvalho, precisamente, o dono da casa onde foi criada, certamente, o mais próximo da figura parental que ela conheceu e, talvez, um verdadeiro pai.


Roda dos expostos da vila de Almeida
(foto retirada de: http://beira.pt/portal/diretorio/nucleo-museologico-da-roda-dos-expostos/)



[i] Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
[ii] Onde se realiza a Feira da Ladra.
[iii] A Freguesia de São Vicente de Aljubarrota tinha sido, entretanto, restaurada.

Constantino dos Santos - do Hospital dos Expostos de Lisboa a patriarca de uma família ataíjense - I


Constantino dos Santos, exposto da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) casou-se, em primeiras núpcias, em 6 de Novembro de 1881.
Vivia, então, na Ataíja de Cima, onde era criado de servir e tinha, na data do casamento, 28 anos de idade.
 A noiva foi Guilhermina dos Santos, da idade de 36 anos e, também ela, exposta da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e criada de servir na Ataíja de Cima.
Foram testemunhas no casamento (padrinhos) João Coelho e José Carvalho, ambos casados, proprietários, moradores na Ataíja de Cima. O José Coelho assinou o assento e esse facto, o de um ataíjense que sabia assinar, era bastante raro na época pelo que deve ser, aqui, assinalado.

O casamento durou, apenas, 65 dias já que, em 10.01.1882, faleceu Guilhermina dos Santos, doméstica, de 38 anos de idade, exposta da SCML, casada com Constantino dos Santos, também ele exposto da SCML.

Em 24-01-1882 (14 dias depois), faleceu Maria, de 18 dias de idade, filha legítima da Guilhermina e do seu marido Constantino.

Ou seja, a mãe faleceu na sequência do parto e a filha não lhe sobreviveu mais do que 14 dias.


A Guilhermina que tinha dado entrada no Hospital dos Expostos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa em 25 de Julho de 1845, chegou à Ataíja de Cima com um ano de idade, mais exactamente, em 28 de Julho de 1846, onde ficou a cargo da ama de seco Marianna Vicente[i], casada com Caetano dos Santos[ii], moradora na Ataíja de Cima, freguesia de Nossa Senhora dos Prazeres d’Aljubarrota[iii], concelho de Alcobaça.
Em 13 de Março de 1849, foi renovado o contrato entre a SCML e Marianna Vicente, a qual se obriga a continuar a criar a Guilhermina durante quarenta e oito meses, contados de 28 de Julho de 1848, a que, posteriormente, foram acrescentados mais 36 meses, ou seja, até a exposta completar os dez anos de idade.
Naquele tempo, era suposto que uma criança com dez anos de idade já era capaz de produzir o suficiente para a sua alimentação e vestir, pelo que cessavam os pagamentos às amas e era celebrado um último contrato que, no caso da Guilhermina, foi o seguinte:  

“Aos dous dias de Novembro de mil oitocentos e cinquenta e cinco neste Hospital dos Expostos de Lisboa foi entregue a Marianna Vicente, casada com Caetano dos Santos, Lavrador, moradora na Ataíja de Cima, freguesia de N. S. dos Prazeres d’Aljubarrota, concelho de Alcobaça
A Exposta Guilhermina, por tempo de seis annos que principiam n’esta data, para a sustentar, vestir, calçar e educar na Religião Christâ, e em todo o trabalho civil próprio do seu sexo, e findo o dito prazo, se apresentará neste Hospital com a mencionada Exposta; e, não apresentando, será obrigada a pagar-lhe as soldadas que este Hospital costuma arbitrar por todo o tempo que decorrer desde que finalizar o prazo deste Termo, que vai assignado pelo Director do dito Hospital
a) Luis Paulo Basto”
(AHSCML, Lº de Vestir nº 14, Fls. 327)



Em 26 de Julho de 1886, o viúvo Constantino dos Santos, de 34 anos de idade, casou, em segundas núpcias, com Serafina de Jesus, solteira, doméstica, de 28 anos de idade e, também
ela, exposta da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.




Roda dos expostos de Caria (Belmonte - Beira Interior)
(retirada de http://www.passadodepedra.blogspot.pt/2010/04/casa-da-roda-de-caria.html)




[i] Noutros lugares identificada como Mariana Branca. Em 28-10-1844, tinha perdido uma criança que faleceu no dia seguinte ao parto.
[ii] Também ele exposto.
[iii] Não se trata de gralha. Naquele tempo, efectivamente, a Ataíja de Cima pertencia à freguesia de Nossa Senhora dos Prazeres, por se encontrar extinta a freguesia de São Vicente mas, disso, havemos de falar numa outra ocasião.