quinta-feira, 19 de setembro de 2019

A Rua de Nossa Senhora da Graça em Meados do Século XX




A agora chamada Rua de Nossa Senhora da Graça vai, a breve prazo, sofrer uma alteração profunda e duradoura com a construção do Centro Paroquial e Casa Mortuária, que vão ocupar a totalidade do espaço dos edifícios que foram propriedade de Sabino Vigário e, ainda, o que sobra do que foi a Rua da Penicheira, chegando à Rua de Traz.

É, por isso, adequado deixar aqui uma memória de como era, em meados do Séc. XX, aquela foi uma das principais ruas da aldeia e, naquele tempo, já tinha algumas peculiaridades. 
Desde logo, o nome que nunca soube ou que, de todo, me não lembra. E, no entanto, os homens precisam de dar nomes às coisas, pelo que é certo que aquela rua há-de ter tido um outro nome, antes de há cerca de vinte anos ter recebido o actual.
Depois, porque a rua era em alguns pontos mais estreita, por ter um piso mais acidentado, incluindo uma espécie de degrau, em frente da porta da escola, e uma enorme lage que a estrangulava em frente da casa de Manuel Branco (esta casa não tinha alicerces e assentava sobre a dita lage), ou por não haver nela qualquer portão de pátio, (salvo o pequeno portão que se vê na foto junta), o certo é que a rua era, na prática, pedonal.

Começando lá por baixo, pelo largo do Fundo da Igreja:
Do lado direito, a norte, havia um lagar. O edifício ainda lá está e funciona agora como garagem do Diamantino Pereira. Tratava-se, certamente e vistas as suas dimensões, de um lagar de vinho. As virgens onde articulava a vara ainda são bem visíveis na parede que, precisamente, confina com a nossa rua. Há sessenta anos, essa parede não era rebocada e as virgens eram visíveis do exterior, embutidas na parede, no que me parecia, quando ainda não conhecia o interior, uma antiga e estreita porta emparedada.
Do lado sul, a capela. Sem a sacristia que, naquele tempo era do outro lado, provocando um estrangulamento da estrada que só foi eliminado na segunda metade dos anos de 1970, aquando do alcatroamento e da construção da sacristia actual.
Ao lagar seguia-se a casa de Maria Serafina ou Maria Constantina (era filha de Serafina dos Santos e de Constantino dos Santos, ambos enjeitados) que aí vivia viúva e só, estando a filha Delfina já casada na Rua dos Arneiros.
Logo, adossada, a casa de Manuel Maurício e da sua mulher Silvina. Esta era natural do Lorvão e foi a parteira que ajudou a nascer muitos ataíjenses. Naquele tempo, ainda ali viviam alguns dos filhos que foram, ao que julgo, quatro. Um Manuel, uma Zaida, uma Isaura e o António (da Silvina) que já estava casado, nas Pedras Brancas, num casal que fora da bisavó da sua mulher, e tem um poço, O Poço do Moura, de que já falamos neste blog.
Estas duas casas, as da Silvina e as da Maria Serafina são hoje propriedade de João Salgueiro, foram objecto de obras profundas e estão unidas em uma única residência.
Segue-se uma antiga casa de habitação que naquele tempo já era um palheiro de José Ribeiro, hoje do neto Vitor que a utiliza ou utilizou, como garagem e a casa que era da viúva Maria “da Serra” que foi casada com António Agostinho, meu tio-avô. Tiverem três filhos. O António Agostinho, a Joaquina “da Serra” que foi casada com Francisco Salgueiro e a Maria “da Serra” que foi casada com José Veríssimo. Esta casa foi, posteriormente, adquirida por José “Rebolão” e até há pouco tempo aí viveu a sua viúva, falecida em 1.1.2018.
Segue-se uma pequena travessa que liga à Rua de Trás e ligava, também, à desaparecida A Rua da Penicheira.

Seguem-se uns palheiros que hoje são do José Constantino (Zé Gordo) e, depois, o lugar onde eram as casas que foram de Sabino Vigário e onde este vivia com a sua esposa Joaquina Baptista e os filhos, António “Sabino” e Arnaldo, ainda solteiros, enquanto o mais velho, José, estava “lá para Lisboa”. Seguiam-se mais duas casas do mesmo dono. Uma, pequena, que sempre conheci sem telhado e, entre esta e a de residência, havia uma outra casa onde ele fazia biscates de sapateiro e, por isso, a família chamava de casa do ofício, mas outros chamavam de A Casa do Couto, por a certa altura ter sido propriedade de um comerciante alcobacense desse nome.

Do lado sul, à igreja segue-se o adro que, naquele tempo, era bastante mais pequeno pois lá faltam a  A Escola e o palheiro ou casa do Mira.
Segue-se adega que foi de José Ribeiro e hoje é do neto Rafael mas que não tem acesso senão pela Estrada do Lagar dos Frades. Segue-se a casa onde, naquele tempo, vivia, ainda solteiro, José Henriques, Também conhecido por José Neto e, vulgarmente, por Zé Diabo, primo de um outro José Henriques, também José Neto, conhecido por José Carago. Esta casa foi depois vendida e aí viveu a Badalhoiça com o seu filho Francisco “Casalinho”. 
Encostada, ainda lá está uma pequena casa que pertenceu aos pais do dito José Diabo. Casa antiga onde foi criado o enjeitado Tomé dos Santos, avô de Francisco Rosa Tomé e de Manuel Carlos Tomé que aí estão, vivos, felizmente e de, pelo menos, três raparigas, já falecidas.
Vem, depois, a casa onde viviam o “Cuco”, a sua mulher Teresa Neto, falecida de Tétano, e três filhos. Encostada a esta última estava a casa da “Viana” ou da “Biana”, que o meu tio Porfírio Coelho usava como arrecadação. 
Estas duas casas estão hoje recuperadas e unidas e nelas reside o Paulo Carreira, “o Rodinhas”.
Seguia-se (segue-se) um espaço onde antes houve casas, mas que nos anos cinquenta já era local de depósito de lenhas e, depois, uma pequena construção que agora tem dois pisos mas, naquele tempo, era apenas o palheiro onde vivia o burro do ti Manuel Branco.
Voltando ao lado norte da rua, aos cómodos de Sabino Vigário segue-se a casa que foi do meu tio Porfírio Coelho que então aí vivia com a sua segunda mulher, a minha tia Luísa e cinco filhos e no pátio da qual foi, posteriormente, construída a casa onde hoje vive a viúva do meu primo João “Porfírio”. 
A seguir, uma  travessa que liga ao largo que se forma na Rua de Trás e para onde dão o que resta da Rua da Penicheira e um beco onde havia a casa de O Padrinho Fialho , então já falecido, aquela onde vivia a minha tia Ana como o marido, dois filhos e a sogra viúva e o alpendre das traseiras da casa do ti João Redondo, hoje, tudo, propriedade do José Luís.
Voltando à Rua de Nossa Senhora da Graça, a seguir à dita travessa vem a casa, que ainda lá está, de António Daniel, o ti António Seabra, que aí vivia, julgo que já viúvo, com as três filhas e um filho, todos ainda solteiros.
Agora que a filha Maria, que a habitou nas últimas décadas, está internada num lar de idosos, o destino da casa está, talvez, traçado. O que é pena porque se trata como se vê a um simples olhar, de construção antiquíssima, uma das mais antigas, das poucas antigas que se mantém de pé na Ataíja de Cima. Ora, nesta coisa de conservar edifícios antigos, os mais fáceis de conservar são os mais ricos. A evidente modéstia da casa do Seabra fará, talvez, com que espíritos práticos achem que não merece ser conservada. É pena.
Seguiam-se a casa de Manuel Branco e Maria Custódia que sempre conheci sozinhos. Conheci-lhes, pelo menos, um filho. Um Manuel “Custódio” que morava para os Covões ou Lagoa do Cão, se me não falha a memória. A casa era minúscula e possuía um pequeno pátio nas traseiras. Não havendo outra serventia, tudo entrava e saía do pátio pela porta da casa.
No dito pátio viveu uma porca que, um dia, comeu o braço de uma criança filha do casal. 
Encostada, estava a casa dos meus avós paternos, onde vivi entre os meus três e dez anos de idade e, depois disso passei muitas vezes, as férias grandes. Mas, isso, são contas de outro rosário.
Esta casa já estava no pequeno largo formado pelo entroncamento com a Estrada do Lagar dos Frades, mas sendo esta muito mais recente, temos de considerar que a nossa rua seguia até onde está o supermercado da Lúcia “do Serrano”, onde, naquele tempo, eram as casas de Alfredo Ângelo da Silva. Antes dela, a casa, que agora é de Manuel Tomé e Francelina e, nos anos de mil novecentos e cinquenta, era de Maria “Caseira” e de seu marido Manuel “Barra”, no que eram as segundas núpcias dela, que tinha perdido o primeiro marido nas trágicas circunstâncias que descrevo no post Tétano, já acima mencionado.

Tudo visto, moram actualmente nesta rua umas oito pessoas. 

Há sessenta anos moravam aí mais de quarenta 


Vista actual (8-9-2019), da casa que foi de António Daniel, O Seabra