terça-feira, 12 de novembro de 2013

Frei Luis da Purificação - O Monge Lagareiro


Sempre lhe ouvi chamar o Lagar dos Frades, ou o Lagar do Frade ou, a Quinta, isto referindo-se à propriedade murada onde a construção se insere. Casa do Monge Lagareiro é designação recente introduzida por via erudita e consagrada no Decreto de classificação das ruínas como imóvel de interesse público.
Que aqui, nesta fábrica de azeite, residisse um frade que, assim, justificasse a designação de Casa do Monge Lagareiro, foi coisa que sempre me causou alguma confusão, desde logo porque, conhecendo as instalações desde garoto, nunca nelas vi qualquer vestígio do que poderia ser um local adequado às muitas orações que o frade, diariamente, não poderia deixar de rezar.
A dúvida, parece, deixou de ter razão de ser.
De facto, em Agosto e Setembro de 1799, “Fr. Luis da Purificação, Professo Bernardo, rezidente na quinta do Lagar da dita Ataija”, foi padrinho de duas crianças da aldeia.

Ou seja, naquela época havia mesmo um frade bernardo que residia na casa do Monge Lagareiro e, muito interessante, tinha relações privilegiadas com algumas das famílias locais. Relações tão privilegiadas que era convidado para - e aceitava - ser padrinho de baptismo das crianças.


Quem eram essas famílias com que o frade tão intimamente se relacionava havemos de, a seu tempo, tentar saber.
Os indícios vão, no entanto, no sentido de que se tratava de famílias que integravam as elites locais. De facto, no primeiro dos baptizados, a madrinha é uma filha do Capitão Bartolomeu Rodrigues Carreira que, aliás, esteve presente com procuração e em representação da filha e, no segundo, é a vez do frade ser representado, com procuração, pelo “Doutor Jozé da Fonseca desta Villa”.
Tudo, gente importante.

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Os leitores interessado podem ver, relacionados com este assunto, os seguinte textos que, além de outros, foram publicados neste Blog:

- O sino de ouro da Casa do Monge Lagareiro, in  http://ataijadecima.blogspot.pt/2012/04/o-sino-de-ouro-da-casa-do-monge.html;

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Dona Joaquina e os seus três maridos



Durante pelo menos todo o Séc. XIX e, ainda, durante a primeira metade do Séc. XX era vulgar na nossa região que as pessoas se casassem mais de uma vez.
Tal, tinha duas razões:
Uma, evidente, o falecimento prematuro de um dos cônjuges, fosse na sequência de acidente (tétano), complicações inerentes ao parto, ou as muitas doenças epidémicas que assolaram os anos de 1800, sobretudo o tifo e a cólera e as primeiras décadas do Séc. XX, aqui, ainda o tifo mas, sobretudo, a pneumónica e a tuberculose.
A outra, a quase impossibilidade de sobrevivência de uma pessoa adulta solitária, muito menos quando, como em geral era o caso, tinha filhos menores.
Ainda que não tivesse filhos. A verdade é que uma acentuada especialização da educação, fazia com que um homem nada soubesse das tarefas domésticas, nem a mulher estivesse apta ao exercício da generalidade das tarefas de exterior, caracterizadas, aliás, por exigirem, em regra, um grande esforço físico.

O homem e a mulher eram, assim, verdadeiramente complementares e, unidos, tinham muito melhores condições para enfrentar as dificuldades quotidianas.

A D. Joaquina Marques, essa, casou por três vezes:

1858
Ataija de
Sima
Joaquina
Marques
m.er de Joaq.im
Verissimo.
Aos nove dias do mez de Fevereiro de mil oito centos, e cincoenta, e oito, falleceo e foi sepultada no Adro d’esta Parochial Igreja de S. Vicente d’Aljubarrota, tendo recebido os Sacramentos da Penitencia, Sagrado Viático, e Extrema Unção Joaquina Marques, cazada com Joaquim Verissimo d’Ataija de Sima. Fez disposição verbal deixou a terça dos seus bens a seo Marido e pela sua alma quinze Missas e pelas almas de seos dous defuntos Maridos dez, e uma oliveira á Confraria do SS.mo sacramento desta Freguesia, do que para constar fiz este assento, que assignarão como testemunhas Joaquim da Roza Sacristão, e Manoel Francisco Torneiro, dia, mez, e anno ut supra.
O Parocho Manuel Vieira da Silva            
Test.as
Joaquim da Roza                      Mel + Fr.o Tornro

  
O que levou a Joaquina Marques a casar três vezes?
O primeiro marido, João Vieira, morreu em 1826 e deixou uma filha (Maria da Graça), com 12 anos.
O casamento seguinte foi, ainda, mais breve já que o marido, Joaquim Antunes, veio a falecer logo em Julho de 1833, durante a epidemia de cólera que, então, assolou a Ataíja de Cima e de que, noutra ocasião, havemos de falar com mais pormenor.
Nessa altura, em 1833, a Joaquina Marques teria cerca de quarenta anos e já estava viúva duas vezes!

Do terceiro casamento, não houve filhos, ao menos que tivessem sobrevivido. Ou seja, o marido Joaquim Veríssimo, não tinha descendentes.
Porquê, então, a deixa que lhe faz a falecida, com aparente prejuízo de sua filha Maria da Graça?
Claramente, a Joaquina Marques quer assegurar as melhores condições ao seu sobrevivo marido mas, ao contrário do que parece, sem prejudicar a filha.
Trata-se de testamentos cruzados.
É que, por sua vez e como se vê do respectivo assento de óbito, o Joaquim Veríssimo fez testamento a favor de João Maria Cláudio de Souza, genro da Joaquina Marques.

O que me chamou a atenção para este assento de óbito foi a disposição testamentária pela qual a Joaquina Marques manda que se rezem, “pelas almas de seos dous defuntos Maridos dez” missas. Foi essa naturalidade na assunção da pluralidade de casamentos, a qual leva a que todos os três maridos sejam objecto das últimas atenções da moribunda, que me despertou a curiosidade.


Descobrir que a Joaquina Marques e o seu primeiro marido, João Vieira, foram meus tetravôs, é um pormenor. 

No Salão Cultural Ataijense