quinta-feira, 28 de julho de 2011

A Formação de Uma Casa Rural Ataíjense

1845 - 1942


Nota prévia:
Dizem-me que os posts devem ser curtos e ameaçam-me: Se não, ninguém os lê.
Ora, este post é bastante longo. Podia, talvez, ser subdividido. Mas não. Este blog existe para divulgar a Ataíja de Cima, a sua história e as suas histórias e esta é uma história que, em meu entender, merece bem ser lida na sua totalidade e não às fatias. Espero que os leitores concordem comigo.



Um conjunto de documentos zelosamente conservados na família, permite-nos acompanhar a formação de uma CASA RURAL, - quer dizer, o processo de consolidação da propriedade rústica, liberta de outras peias que não os impostos estaduais, nas mãos de uma família popular – na Ataíja de Cima dos Séc. XIX e XX, imediatamente após o triunfo da Revolução Liberal e a extinção das Ordens Religiosas.

Em 7 de Setembro de 1845, conforme consta de escritura pública lavrada nessa data em Alcobaça, no Cartório do Tabelião Joaquim Eliseu Ribeiro, o carpinteiro Luís Ribeiro, da Ataíja de Cima, comprou, por 40$800 réis, a Paulo dos Santos e mulher Maria Joaquina, dos Covões, uma terra amanhadiça, sita ao Curral do Galego, confrontando a Norte com José Machado, a Sul com Manuel Martins e com ele comprador, a Nascente com António de Horta e a Poente com Luís Dias.

Trata-se de um terreno livre, confinante com terrenos livres e cuja razão da venda parece obedecer a critérios de proximidade. Como noutros casos que adiante veremos, o vendedor é, quase sempre, alguém que mora longe ou relativamente longe (aqui, cerca de 3 a 4 Km o que sempre implicaria o gasto de uma hora e meia ou duas horas, nas deslocações entre o terreno e o domicílio).

Em 2 de Julho de 1848, menos de três anos depois, vamos, no entanto, surpreender Joaquim Heitor e sua mulher Ana Umbelina, sogros do Luís Ribeiro, a proceder à venda a foro, a José Calado da Fonseca e sua mulher Maria da Assumpção Horta, do Juncal, pela quantia de 48$000 réis, de umas cazas com seu quintal, na Ataíja de Cima, que partem de Norte com António Pedro de Aljubarrota, sul com Luís Ribeiro, da Ataíja de Cima, e uma terra de pão e vinha no sítio dos Tubaroens que parte de Norte com João de Sousa, Sul com José Coelho ambos da Ataíja, ficando para si com o domínio útil dos prédios vendidos em regime de aforamento perpétuo, pelo foro anual de oito alqueires e meio de trigo, pago em casa do comprador no dia 15 de Agosto de cada ano, não podendo os foreiros vender, alienar, dar, partir ou dividir, tendo de manter as propriedades unidas em uma só pessoa.

O que significa esta venda? Não sabemos mas, tratando-se, aparentemente, de um revés (enquanto o genro compra, o sogro vende), poderá corresponder a uma forma de financiamento para investimento, ou tratar-se de resolver problemas de solvibilidade do casal alienante.

Em 1867, Luis Ribeiro e sua mulher Ana Coelho e a mãe desta, a referida Ana Umbelina, fizeram as partilhas dos bens do falecido seu pai, sogro e marido Joaquim Heitor. Para a Ana Coelho ficaram o assentamento de casas com um forno, pátio e quintal, uma terra de semeadura à Seixeira e uma terra de pão com uma figueira chamada a Tibarôa. Trata-se, sem dúvida, das mesmas casas e da mesma terra, no sítio dos Tubaroens, de que o Joaquim Heitor e mulher tinham feito a venda a foro atrás referida, foro esse que o Luís Ribeiro libertou em data incerta, como se infere da escritura de 2 de Julho de 1848 que, ao final, tem aposto: “Recebi de Luis Ribeiro da Ataija de sima cinco mil quatro sentos réis Fonseca”.

Em 1870 Luís Ribeiro prosseguia com as compras, desta vez a Manuel Branco, da Ataíja de Baixo, de uma propriedade sita no Casal da Ordem .

Em 1871 comprou a Alfredo Aníbal de Mendonça Heitor, solicitador de causas na Chamusca, e a sua Espoza Dona Roza Carolina do Prado de Macedo, (ou Rosa Carolina do Prado Lacerda de Macedo) o domínio directo de um foro na Cova do Vital. Os vendedores foram representados pelo “Ilustríssimo Snrº” Raimundo de Souza do Prado Lacerda, proprietário, residente em Aljubarrota.

Trata-se, os Prado e os Lacerda, de poderosas e extensas famílias, oriundas de uma nobreza antiga, cujas ligações à nossa região ainda não consegui esclarecer cabalmente mas de que resultaram a titularidade de grandes extensões de terra na Ataíja de Cima, na zona imediatamente a norte do lagar dos frades. Esta aquisição representa por isso, uma das etapas da substituição da pequena nobreza (ou de elementos do funcionalismo, designadamente militares, a ela ligados por laços de casamento), pelos proprietários locais.

No ano de 1874, comprou a José de Sousa Lacerda (familiar do Raimundo referido na compra anterior), o domínio directo sobre um foro de 6 alqueires e meio de trigo, na Cova do Vital, o qual pagava Bento Carreira, foro este constituído em 1866. Ou seja, o crescimento, em número, dos elementos das famílias fundiárias, leva à divisão do domínio directo das propriedades, com consequente redução dos foros individualmente recebidos, de tal modo que, pela redução dos proventos, estes novos proprietários são forçados à sua venda.

Em 1878 comprou ao mesmo José de Sousa Lacerda mais um bocado de terra no mesmo sítio da Cova do Vital. É de notar que a compra incide apenas sobre uma parte da propriedade, uma vez que a parte vendida fica a confrontar, a Norte e a Nascente, com os vendedores.

Em 1885 comprou a Luís João de Sousa, uma terra de semeadura denominada "Os talhos", sita ao Outeiro, na Ataíja de Cima, num dos poucos casos em que a compra é feita um conterrâneo.

Em 1887 comprou a João Coelho, da Cumeira, uma terra no sítio da Cova da Creada.

Em 1890 comprou mais uma terra na Cova do Vital a José Ribeiro da Conceição, da Quinta da Cruz.



Em 1895 tem início um novo ciclo de aquisições, agora pela mão de Luís Ribeiro Júnior, filho de Luís Ribeiro que, nesse ano, comprou uma terra nos Olivais a Joaquim Francisco, solteiro, morador na Quinta das Laranjeiras, Várzea, Santarém.

Em 1909, mais uma compra, esta a José dos Santos Russo, da Boieira, de uma terra no sítio das Tubarôas.

Em 1912, compra dois terrenos a proprietários da Cumeira de Baixo.

No mesmo ano, compra a José Trindade Oliveira e esposa D. Maria do Livramento Sousa e Oliveira, de Alcobaça, “… o domínio directo de um foro de três alqueires e meio de trigo, imposto sobre uma terra de semeadura aos Fiéis de Deus, de que o comprador é enfiteuta, a confrontar de Norte com Genoveva Maria viúva, Sul com Tibúrcio dos Santos, Nascente Constantino dos Santos e Poente com caminho público, que é deles vendedores que a herdaram de sua mãe e sogra D. Maria Amália Trindade Oliveira”.

Em 1915, compra um olival a José Coelho da Silva, de Alcobaça.

Em 1929, compra uma courela com oliveiras, na Cova das Freiras, a Joaquim Pedro da Silva, de Albergaria, Juncal.

Em 1931, compra de umas casas e cómodos e terra de semeadura a Francisco e a Tomé Ribeiro, irmãos, da Ataíja de Cima.



É agora, a vez de o neto entrar em acção:

Em 1938, José Ribeiro compra a José Coelho de Sousa e Manuel Coelho de Sousa, solteiros, da Ataíja de Cima, uma terra de semeadura.

Em 1940 compra a José Alexandre dos Santos Brilhante e mulher Alice Cardoso de Brito Brilhante e a Lucinda de Jesus Brilhante, de Aljubarrota, metade de um olival.

Em 1941 Compra a Joaquim António da Silva e mulher Maria Pereira, dos Molianos, metade indivisa de um prédio rústico denominado Olival da Ponte.

Em 1944 comprou a Raul Ferreira da Bernarda, o muito conhecido industrial de cerãmica, de Alcobaça, a parte que este possuía no Olival do Santíssimo.



O maço de documentos que temos presente inclui, ainda, diversos outros, relativos a negócios de terceiros e cuja presença significa que também os terrenos a que se referem vieram, posteriormente, a ser integrados no património dos Ribeiro:

O testamento, de 1822, (ver AQUI), de Micaella dos Santos, viúva de Manuel Lopes, da Ataíja de Cima; no qual esta institui por universal herdeiro e testamenteiro a Paulo dos Santos e faz deixa a Ricardo dos Santos, exposto do Hospital Real da cidade de Lisboa, de um talho de terra de pão com suas árvores no sítio da Seixeira, que parte do Norte com Joaquim Rodrigues, mais outra fazenda terra de pão e pousio fechada sobre si no sítio da Figueirinha que parte do Nascente com Manuel Vitorino, do Cadoiço.

O emprazamento que, em 1829, fez José da Trindade, do Casal do Pereiro, a Bernardo de Sousa e mulher Maria Joaquina, do Cadoiço, de uma terra de pão com sua testeira de mato aos Fiéis de Deus, a qual confronta de norte com António Carvalho, do Carvalhal, do Sul com Alexandre Rodrigues, de Aljubarrota, Nascente com José de Sousa, do Cadoiço, Poente com José Maria de Sousa, da Ataíja de Cima;

A hipoteca, de 1916, em garantia de empréstimo, constituída por Joaquim Coelho de Sousa e mulher Maria Coelha ou Maria Luísa a favor de Joaquim Marques Alves da Silveira, sobre uma terra de semeadura, oliveiras e mato no sítio do Vale Ruivo, a confrontar de Norte com António Dias, João Luís e outros, Sul com herdeiros de Bento Alexandre, Nascente com Serventia e Poente com Francisco Vigário e uma terra de semeadura chamada Os Talhos, a confrontar de Norte com caminho, Sul com Manuel Ângelo Coelho, Nascente com Manuel Machado Batista e Poente com Francisco Vigário e Luís Ribeiro;

A compra, feita em 1939, pelo Capitão Silva Mendes a Manuel Ângelo da Silva, de 1/8 do Olival dos Frades;



O financiamento de todas estas aquisições e a obtenção da liquidez indispensável à sua adequada exploração exigiu, por várias vezes, o recurso ao crédito.

Para além da venda a foro que os sogros do Luís Ribeiro fizeram, em 1848, da própria casa de morada, como já referimos, temos presentes documentos que comprovam que, pelo menos por quatro vezes, foi necessário recorrer a empréstimos:

Em 1862 quando Luís Ribeiro se confessa devedor a Francisco Pereira, de Aljubarrota, da quantia de 55$000 réis;

Em 1874, um dia antes da compra que nesse ano fez a José de Sousa Lacerda e, certamente, para a financiar, quando o Luís Ribeiro contraiu com Maria Micaela, dos Casais Canários, Vestiaria, um empréstimo da quantia de 48$000 réis, pela qual fica a pagar a retribuição anual de oito alqueires de trigo, compra de que foi fiador José de Oliveira, dos Casais de Santo António, Vestiaria.

Em 1880, quando contrai, com António Delgado, da Fonte Santa, uma dívida de 48$000 réis;

E, em 1898, quando o filho, Luís Ribeiro Júnior, contraiu um empréstimo de 250$000 réis, ao juro de 7%, (dívida que liberará em 1903) dando de garantia a hipoteca de 2 prédios rústicos que, diz-nos a escritura de mútuo, foram adquiridos, um em hasta pública pelo inventário de António Pedro Carreira que foi de Aljubarrota e o outro por compra feita a José Carlos, da Ataíja.



Conclusões:

Ao longo de um século e três gerações, entre meados dos séculos XIX e XX, Luís Ribeiro, o filho Luís Ribeiro Júnior e o neto José Ribeiro, desenvolveram uma notável e persistente actividade de aquisição de terras, de que resultou a constituição da maior CASA RURAL da Ataíja de Cima a qual, à data do falecimento de José Ribeiro, em 1973, abrangia setenta e oito prédios.

As compras foram, na sua grande maioria, feitas a não residentes, num movimento de concentração da propriedade numa área geográfica restrita (num raio de cerca de dois quilómetros, medidos do centro da aldeia), o que se mostrava fundamental para permitir a exploração directa.

Várias das aquisições correspondem a liberação de foros, o que dá a este processo aquisitivo um carácter de modernidade, quer por propiciar a prevalência da propriedade plena quer porque, do mesmo passo, se afastam as famílias “ilustres” antes detentoras do domínio directo da terra.


José Ribeiro, numa fotografia de 1972 (poucos meses antes do seu falecimento), aqui acompanhado da mulher, Emília Faustino, de quatro dos seus muitos netos, (Paula, Pedro, Rafael e José Fernando) e do bisneto Pierre.
 
 
 
Com os meus agradecimentos à Amélia e ao Pedro
 
 
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quinta-feira, 21 de julho de 2011

As obras do IC 9

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As fotos seguintes, todas tiradas no ponto onde o IC 9 cruza o prolongamento da Rua das Seixeiras, na ligação entre a Ataíja de Cima e os Casais de Santa Teresa, permitem observar a evolução das obras de construção daquela estrada.


15-08-2010


26-03-2011


10-07-2011


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quinta-feira, 14 de julho de 2011

A escápula

Um instrumento indispensável na matança do porco


Escápula, dizem os dicionários, é um prego com a cabeça revirada (que, parcialmente cravado numa superfície vertical, serve para nele se pendurarem coisas; serve de cabide).

Na Ataíja de Cima, com função similar mas específica, escápula é uma peça de madeira, em forma de V aberto e com ambas as pontas recortadas ao jeito de anzol que, suspensa através de uma corda de uma das vigas que suportam o telhado, serve para dependurar o porco após a matança, para aí enxugar e ser desmanchado.

Golpeando longitudinalmente, de ambos os lados, a pele das pernas do animal logo acima do tornozelo, entre o osso e o tendão calcãneo (o tendão correspondente ao que, nos humanos, chamamos de Aquiles, o qual é o mais forte do corpo humano [e, julgo, o mesmo se passa no porco] e liga o calcanhar ao joelho permitindo a articulação do pé e, assim, o andar e a corrida) obtém-se uma abertura na qual passa a ponta da escápula que aí fica segura devido à sua forma de anzol.

A escápula que ilustra este texto pertenceu ao meu pai, é construída em madeira de oliveira (as sucessivas podas a que as oliveiras são sujeitas, facilitam o surgimento de formas adequadas a esta função), tem o comprimento de 54 cm e uma flecha de 19cm + 5 cm.




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terça-feira, 5 de julho de 2011

Sobre o traçado do IC 9

O caminho de ferro Nazaré – Alcobaça – Ourém - Tomar - Entroncamento




No final do Séc. XIX e inícios do Séc. XX, numa época em que o automóvel apenas começava a existir e o comboio era o mais moderno meio de transporte, fez curso a ideia da construção de uma linha de caminho-de-ferro que estabelecesse uma ligação entre o litoral e o interior, entre a nossa região e a de Tomar que, só agora, – numa solução rodoviária e já não ferroviária – está em vias de se concretizar através do IC 9, actualmente em construção.

De facto, o percurso do IC 9 é o mesmo que se previa para aquela ligação ferroviária que nunca se chegou a construir.

Na sessão parlamentar de 21-3-1912, o deputado de Alcobaça Afonso Ferreira fez uma intervenção para apresentar um projecto sobre aquele caminho-de-ferro:


Às vantagens invocadas por Alfredo Ferreira em 1912 que se mantêm, há que acrescentar, pelo menos, mais uma: O IC9, além de garantir uma ligação moderna entre a turistíca praia da Nazaré e esses três importantes monumentos que são o Convento de Cristo de Tomar, o Mosteiro de Santa Maria da Vitória da Batalha e o Mosteiro de Alcobaça (todos integrantes da lista do património mundial da UNESCO), passará, também, junto ao Santuário de Fátima.

Estabelecendo ligação entre locais de tanto potencial económico e turístico e cruzando a A23 (IP6), a A1 e a A8 (e, também, as linhas ferroviárias do Norte e do Oeste), o IC9 tem condições para se tornar uma importante rota económica e, certamente, tornar-se-á uma das mais importantes rotas do Património e do turismo de Portugal.

Actualmente já se encontram abertos ao trânsito o troço entre Tomar (IC3) e Vale dos Ovos e entre Tomar e o Entroncamento (através do IC3).

O Troço que liga a Nazaré a Alcobaça e ao IC2, pela Ataíja de Cima, esse, segundo informação que me foi prestada, em Abril, pela Estradas de Portugal, EP, tem a conclusão prevista para Novembro do corrente ano. É, com certeza, uma informação muito optimista mas … as obras lá vão andando.

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sábado, 2 de julho de 2011

Nova Exposição de Inês Neves

Porto de Mós

Prosseguindo o inventário do património religioso edificado da nossa região, a que se vem dedicando com rigor e arte, a artista ataijense Inês Neves tem, desde o dia 25 de Julho, no Castelo de Porto de Mós, uma exposição de aguarelas representando os edifícios religiosos daquele município.

O site da Câmara Municipal de Porto de Mós dá o merecido destaque à exposição, a que dedica uma página inteira, com a reprodução de algumas das aguarelas expostas e a apresentação de uma fotografia e uma breve biografia da autora.

Ver em:
http://www.municipio-portodemos.pt/?EEAVQCEM=49RhM5l1&id_noticia=949



(Um dos quadros em exposição: A igreja paroquial das Pedreiras )


A grande qualidade e o valor documental do trabalho de Inês Neves justificam bem uma visita à exposição, com o prémio de se poder aproveitar para visitar um dos mais antigos e curiosos Castelos de Potugal e gozar uma esplendorosa vista.

Para saber mais sobre o trabalho de Inês Neves:
http://artederecordaravida.blogspot.com/


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