segunda-feira, 30 de abril de 2012

A Pensão


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A segurança Social e o sistema público de pensões de reforma – aliás, actualmente, em crise - são realidades muito recentes.
O primeiro sistema de previdência social da história foi criado na Prússia, na década de 1880, quando era chanceller Otto von Bismark.
Institui-se, de início, em 1883, o seguro de doença para os trabalhadores da indústria, em 1884, o seguro contra acidentes de trabalho e, em 1889, o seguro de invalidez e a reforma por velhice.
A partir daí, os sistemas de segurança social tiveram rápido desenvolvimento por toda a Europa.
Em Portugal as coisas evoluíram mais lentamente e, ainda em 1960, apenas pouco mais de um terço da população activa tinha algum tipo de previdência social, do que estava totalmente afastada toda a população rural.
De facto, o regime salazarista entendia que os riscos sociais, como a velhice ou a doença, deviam ser geridos pelas próprias famílias e, se necessário, pela caridade.
Só com Marcelo Caetano, em 1969, foi criado um sistema de segurança social para as populações rurais (não sem que, antes, tenham havido, no interior do regime, acesas divergências sobre o assunto, como se pode ver, por ex., em Vítor Pereira, “Emigração e Previdência Social em Portugal”, in Análise Social, vol. 64 (192), 2009, 471-510).

Como era então que na, Ataíja de Cima, os mais velhos subsistiam quando a idade ou a doença os impediam de trabalhar e angariar sustento?

A solução comum era a “partilha em vida”, através da qual os pais, velhos e inaptos para o trabalho, dividiam as terras familiares pelos filhos, ficando cada um destes obrigados ao pagamento, anual, de uma pensão em géneros.

Assim aconteceu com os meus avós, falecidos entre 1955 e 1972, nenhum dos quais teve, jamais, qualquer reforma paga pelo Estado.

Não é aqui o lugar para nos alargarmos com considerações sobre os complexos aspectos jurídicos da partilha em vida, nem sobre os seus, não menos complexos, aspectos sócio-culturais. Diremos, apenas que, ao contrário do que é normalmente referido como um dos seus objectivos fundamentais, a partilha em vida tal como a pude ainda observar na Ataíja de Cima, em contexto inteiramente rural, não se destinava a garantir a continuidade da exploração económica familiar.
Ao contrário, a partilha em vida tinha por efeito necessário e irrevogável, o desmembramento daquela exploração e destinava-se a propiciar a constituição de novas explorações agrícolas, centradas nas novas famílias formadas pelos descendentes dos autores.
Para isso, tinha-se em especial atenção a necessidade da divisão equilibrada, de modo que essas novas famílias dispusessem de um conjunto, coerente, de parcelas agrícolas e florestais que a todos permitisse o acesso a um conjunto diversificado de bens indispensáveis à subsistência. Era preciso que, a todos e a cada um, coubessem oliveiras, terra de semear, vinha e matos.

Só assim se conseguia o duplo escopo da partilha em vida: Propiciar a criação de novas explorações agrícolas (uma por cada filho) e, fundamentalmente, assegurar as necessidades de alimentação dos autores, (o que é comum a todas as formas de partilha em vida), suprindo a inexistência de sistemas de segurança social e de pensões de reforma.

Como se vê de uma escritura de venda, de 15 de Novembro de 1910, na qual o doador (na realidade, o autor da partilha em vida – pai de um dos vendedores), interveio para declarar que:

“Declaro eu sobredito Ângelo Coelho, que o prédio vendido conjuntamente com outros foi por mim doado aos vendedores com a obrigação de lhe (me) darem uma certa pensão mas que autoriza esta venda como livre dessa pensão a qual fica garantida com os outros prédios.”

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Salão Cultural Ataíjense - 27º Aniversário








sexta-feira, 20 de abril de 2012

A velocidade do dinheiro


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O ti’ José Salgueiro era um homem simples, trabalhador e  frugal.
Não era visto na taberna ou outros divertimentos e os hábitos de consumo eram mínimos.
Poupado, definia-o bem.

Tão poupado que, por vezes, era alvo de chacota: Andava quilómetros, tratando da sua vida e das suas terras, deslocando-se ao mercado em Alcobaça, à missa em Aljubarrota ou em peregrinação a Fátima, sempre sem meias, com os pés enfiados nuns botins de borracha, no fundo dos quais, para conseguir alguma ventilação, colocava, à laia de palmilhas, palhas alinhadas.

Tinha uma voz característica, emitindo num tom um bocado choninhas que se imitava fazendo um esgar, de modo a deixar os lábios bem esticados lateralmente e quase fechados.

Aquela moderação de vida permitiu-lhe poupar algum dinheiro que, às tantas, emprestou a um conterrâneo para este comprar um veículo automóvel (uma “carrinha”) e iniciar um negócio.

Um dia, quando se encontrava à porta de sua casa, à conversa, vendo o dito conterrâneo passar, conduzindo o tal veículo, em velocidade que lhe pareceu excessiva, desabafou para o vizinho com quem conversava:

Ai! Ai! Não gosto nada de ver o meu dinheirinho a andar tão depressa!

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domingo, 15 de abril de 2012

Um emigrante ataíjense no Canadá


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Como dissémos no post “Ataíjense(s) na(s) América(s)”, [VER AQUI], Os ataíjenses escaparam ao forte surto emigratório que percorreu Portugual nos finais do Séc. XIX e inícios do Séc. XX e, até à vaga dos anos sessenta e setenta do Séc. XX que levou cerca de um milhão de portugueses, para a França e a Alemanha, entre eles bastantes ataíjenses, foram raros os que emigraram para o estrangeiro.

Um desses, foi Manuel Sabino (Manuel Coelho), cujo pai, aliás, na década de 1910, já tinha estado emigrado nos Estados Unidos.
No final dos anos de 1950, o Manuel Coelho emigrou, também ele, para o Canadá e, de lá, mandou uma fotografia à mãe (Maria Coelha).

Ei-lo, em 21 de Janeiro de 1959, em Montreal, Canadá, num parque Lafontaine, coberto de neve:



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terça-feira, 10 de abril de 2012

Inês Neves

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O trabalho de Inês Neves, a que já por diversas vezes nos referimos, foi objecto de grande destaque na edição de 5 de abril de 2012, de O ALCOA:



Uma vez que, neste blog, tenho tentado acompanhar e divulgar o trabalho de todos os artistas ataíjenses, não podia deixar de trazer aqui esta notícia.

Aos leitores que queiram saber mais sobre o trabalho da Inês Neves, convido a - na etiqueta Artistas Ataijenses -, consultar alguns dos já aqui reproduzidos.

Ou, o blog da autora:

www.artederecordaravida.blogspot.com

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segunda-feira, 9 de abril de 2012

O brunil

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Hoje em dia, o burro é, em Portugal, um animal em perigo de extinção. No entanto era, ainda há pouco tempo, o mais precioso auxiliar dos camponeses e pequenos proprietários rurais, já que desempenhava quase todas as funções em que, entretanto, foi substituído pelas bicicletas, motorizadas e automóveis e atrelados de motocultivadores e mini-tractores.
De facto, o burro era meio de transporte de pessoas e bens e tanto servia para levar o dono ao mercado como, equipado com cangalhas ou seirões, ou atrelado ao carro, transportar toda a casta de bens.
Ao que parece, originário da África do norte, o burro está domesticado há cerca de 5.000 anos e espalhou-se por toda a bacia mediterrânica e, levado por portugueses e espanhóis, pelas Américas.

Oatman, antiga cidade mineira do Arizona, nos Estados Unidos da América, será, aliás, o único lugar do mundo onde os burros não correm riscos de extinção: Interrompida abruptamente a exploração mineira de prata, Oatman foi abandonada pelos seus habitantes e, os burros dos mineiros foram, igualmente, abandonados.
Os animais, assilvestrados, fazendo juz à resistência e frugalidade da espécie, conseguiram sobreviver naqueles difíceis terrenos semi-desérticos e vagueiam, às dezenas, pelos campos e pelas ruas e, gozando de adequada protecção legal,  tornaram-se uma atracção turística para os muitos viajantes da velha Route 66. (pode ver no Youtube vários vídeos sobre os burros de Oatman).

Mas, por cá, estão mesmo em risco de extinção e, na Ataíja de Cima, sobram dedos da mão para contar os que subsistem.

Daí, a minha dificuldade em conseguir fotografar um brunil, o que só há alguns dias consegui:



Brunil s.m. - O colar, em forma de ferradura, feito de couro, com enchimento de palha, que se coloca no cachaço (pescoço) do burro para, sobre ele, assentar a canga do carro.


(Nota:
A palavra brunil, com a qual, na Ataíja de Cima, designamos esta peça, não consta de nenhum dos dicionários consultados - DPLP, Houaiss ou José Pedro Machado.
Em S. Brás de Alportel ouvi chamar-lhe bolim mas essa é palavra que os dicionários Priberam e José Pedro Machado também não reconhecem. O Houaiss reconhece bolim mas dá-lhe significado muito diferente. É, diz, a bola menor no jogo da bocha, sendo bocha um jogo de lançar bolas contra outra mais pequena, à semelhança da laranjinha ou da petanca.
Estou muito curioso de saber como tal objecto, o brunil, se designará noutros lugares de Portugal.
Haverá um leitor bondoso que nos queira ajudar?)

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