segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

11.º Almoço Anual do Salão Cultural Ataíjense - 17 de Janeiro de 2010

É oficial. O 11.º Almoço Anual do Salão Cultural Ataíjense vai realizar-se, como previsto no 3.º Domingo de Janeiro, 17 de Janeiro de 2010.
A Direcção do Salão já fez distribuir por todas as casas da Ataíja de Cima o respectivo convite e programa que abaixo reproduzimos.
Os muitos ataíjenses e amigos que não residem na aldeia não receberam o convite porque a Direcção do Salão não possui as respectivas moradas.
Por isso, divulgue o almoço junto dos seus familiares e amigos não residentes.

Inscrições até 10 de Janeiro!

Apareça! Vamos ter muito prazer na sua companhia!

Até, dia 17 de Janeiro



terça-feira, 22 de dezembro de 2009

A ATAÍJA DE CIMA EM MEADOS DO SÉC. XX - uma visão pessoal

No início dos anos cinquenta do Séc. XX, quando comecei a ter entendimento das coisas que me rodeavam, na Ataíja de Cima que, então, tinha uma economia ainda exclusivamente agrícola (exceptuava-se a família de Manuel Rei de Carvalho, o Sarrano(1) que vivia do comércio e, de todo, não trabalhava a terra que, aliás, não tinha), havia três grupos de famílias relativamente estanques(2), quase classes ou grupos sociais.

No topo da estrutura social ficavam a família de Luísa Ribeiro, a Viúva,  e a de seu primo, José Ribeiro. Viviam da exploração de terras próprias e dos rendimentos obtidos através das maquias que cobravam nos lagares de azeite(3) que possuíam, lado a lado, na margem nascente da Lagoa Ruiva(4).

A família não trabalhava na terra ou trabalhava pouco, todo o trabalho era realizado por criados e outros contratados, a Luísa Ribeiro mantinha um abegão em permanência e, sazonalmente, um chefe do rancho de apanhadores de azeitona e um mestre do lagar e em casa havia sempre algumas mulheres, sendo que os demais trabalhadores eram contratados ao dia, de acordo com as necessidades. Para se ser contratado era, naturalmente, conveniente estar nas boas graças do patrão e fazer-lhe “pequenos” favores, como por exemplo, ao Domingo regressados da missa em São Vicente, ir rapidamente a casa trocar de roupa e ceifar erva fresca para o gado antes do almoço.

Na casa de José Ribeiro as coisas passavam-se semelhantemente, com uma junta de bois(5) a trabalhar exclusivamente para a casa, onde era hábito contratar, para a apanha da azeitona, um rancho dos Montes que, durante aqueles dias, se aboletava no primeiro andar da casa alta. Outros trabalhos exigentes de mão-de-obra abundante, como as vindimas, contavam por vezes com trabalho gratuito (talvez pagamento de favores difusos que a minha juventude não permitia identificar) de outros aldeões. Lembro-me de uma vez ir com a minha avó, já velha, vindimar para o José Ribeiro numa vinha que tinha nos Vales. O dono da casa não vindimava, passeava-se por ali, sobre os pés chatos, biqueiras bem lançadas para fora, como o Charlot, de espingarda às costas e, às tantas, tendo surgido um coelho, meteu a espingarda à cara, disparou e falhou – parece que era mesmo fraco atirador – e desatou a gritar aos cães: agarra cão, agarra cabrão, agarra punheta… e mais um chorrilho de palavrões que me abstenho de reproduzir.

A junta do José Ribeiro era a única junta de bois machos existentes na aldeia. Para além disso, havia algumas, poucas, juntas de vacas e outras tantas de bezerras(6). Exclusivamente para transporte(7), quer ao carro quer em ceirões ou cangalhas, havia uma ou duas mulas ou machos e diversos burros, sempre um único animal por casa, à excepção do António Piedade e da Joaquina Coelho que tinham carros puxados por dois burros. Os outros tinham um burro e um carro e alguns, mais pobres, apenas um burro e o carro era, quando estritamente necessário, por exemplo para ir buscar uma barrica de água à lagoa(8), pedido de empréstimo.

No telhado da casa alta do José Ribeiro, sobre uma plataforma de cimento, rodava um moinho (aerogerador) que produzia a electricidade(9) necessária para fazer funcionar a única telefonia da aldeia.

Tratando-se, embora, das famílias mais ricas da aldeia, não significava que levassem vida opulenta. É certo que o José Ribeiro costumava dizer que nunca quereria ver os ratos magros lá em casa (o que significaria que se tinha esgotado o cereal no celeiro) mas a vida era modesta. Era célebre a má qualidade do vinho que disponibilizava aos trabalhadores (na verdade não era vinho mas, antes, uma água-pé reles, feita da repisa do pé da prensa a que se adicionava água e que, mal o tempo aquecia, antes do início da Primavera, ficava choca). Também na comida, as coisas eram parcimoniosas. Ouvi muitas vezes contar que a sua mãe - que era mulher de voz grossa - um dia, à ceia, perguntou aos criados de casa: Querem mais? E, tendo-se ouvido um tímido: Queremos, sim Senhora, tonitruou: Alimpam bem sem vento! E se era assim com os criados, não era muito diferente com os donos da casa que, além dos produtos da terra(10) e da matança do porco, apenas chegavam, de vez em quando, como toda a gente, a umas sardinhas(11), uns chicharros ou uns carapaus secos(12).

Perto destas duas famílias, estava a de Francisco dos Casais, cuja mulher era filha de Matias Ângelo e possuía, por isso, um quarto do Olival dos Frades e o lagar de azeite fundado pelo pai, além de diversos outros terrenos. Era uma família numerosa, com dez filhos(13). Tanta gente já dava muito trabalho a sustentar e por isso todos trabalhavam também, mas apenas nas próprias terras e nunca nas terras de outrem. Mas aqui já dava para perceber que as terras não podiam assegurar o futuro de todos. Assim, o filho Rafael(14), o mais velho, foi aprender a bate-chapa e um outro, o João(15) , a sapateiro e a filha mais nova, Luísa, fez alguns estudos e foi, durante muitos anos, funcionária do Instituto Nacional de Estatística, em Lisboa. Actualmente reside na aldeia apenas uma filha, Piedade, solteira.

A um nível semelhante, a casa de Francisco Dionísio, que era casado com Joaquina Lourenço, filha de António Lourenço que trabalhou para Raposo de Magalhães, de quem foi caseiro ou algo semelhante (lembro-me de o associarem à grande vinha que havia na subida dos Ganilhos, na quinta do Mirante. O mirante ainda lá está, agora por detrás da urbanização de recente construção).

O Francisco Dionísio mantinha abegão, um tal Gonçalves, como criado de cama e mesa. Lembro-me das debulhas, na eira junto ao quintal que foi do meu pai, tempos de brincadeira quando era permitido às crianças rebolarem-se nos cereais ou passear sentadas no trilho(16) (nos palheiros das vacas houve, depois, um café e mais tarde o restaurante Rapó-Tacho). Quando faleceu deixou largas somas em dinheiro tendo sido encontrada, escondida dentro de uma vasilha cheia de folhelho(17), uma caixa de lata com algumas centenas de contos em notas.

Seguia-se na escala social um pequeno e mais heterogéneo grupo de famílias que viviam, essencialmente da exploração das terras próprias que eram tratadas pela família. Só muito raramente contratavam mão-de-obra e, em regra, não trabalhavam para fora, salvo ao dia trocado(18).

Abaixo destas, as famílias verdadeiramente de poucas terras e, portanto, de poucas posses. As terras próprias eram, apenas, um complemento, às vezes mínimo, insuficiente para sustentar a família que, assim, vivia essencialmente de andar fora(19).

Os artistas locais situavam-se em geral a este nível, tinham poucas terras que, aliás, pouco trabalhavam e ficavam a cargo da família e viviam, pobremente, do ofício(20) (ou ao contrário, viviam pobremente das escassas terras e tinham um complemento de rendimento nos trabalhos, ocasionais, próprios do ofício).

E havia o carreiro, Sabino Vigário que vivia de andar fora com a sua junta de vacas , a lavrar, ou a fazer transportes com o carro(22).

Para os mais pobres, os que tinham de aproveitar todas as oportunidades de andar fora, havia às vezes, sempre e apenas nas épocas das sementeiras e das colheitas, trabalho nas grandes quintas junto a Alcobaça(23), no Magalhães ou no Rino. O meu avô Agostinho tinha um problema suplementar: Era pai de cinco filhas e, naquele tempo, uma mulher ganhava no campo, metade da jorna(24) de um homem(25). Era, pois, preciso aproveitar tudo e por isso, as minhas tias muitas vezes percorreram a pé, duas vezes ao dia, com outras mulheres da aldeia, o caminho que vai da Ataíja até à quinta do Rino, à entrada de Alcobaça(26). À minha mãe que, antes de 1940, ainda não tinha idade para ganhar a jorna, competia partir mais tarde, levando à cabeça, num cesto de verga, o jantar das irmãs que a mãe, entretanto, tinha cozinhado.

Vivia-se então, na Ataíja, mal e porcamente(27) e a ilha que era a minha aldeia, como todas as ilhas, expulsava os que não podia sustentar(28).

Alguns casavam para fora, como o meu tio-avô António que vivia nos Milagres ou o José Matias que foi para os Olheiros e o irmão Manuel que foi para o Mogo, outros que foram para a Ataíja de Baixo ou os Casais de Santa Teresa. Mas o casamento também trouxe pessoas para a Ataíja e desconheço o saldo.

Houve alguma emigração para a América no princípio do Séc. XX(29) , alguns homens que foram sós, sem família e retornaram. Um meio-irmão da minha avó emigrou para a Argentina e por lá ficou e lá morreu velho. Curiosamente, que eu saiba, ninguém para o Brasil. Fora isso, mais uma pessoa ou duas, nada de muito significativo.

A emigração era, essencialmente sazonal: homens para a vindima na região do Bombarral(29), para a azeitona ou as ceifas em Lisboa(31), onde o meu tio António Sapatada foi, durante trinta e cinco anos seguidos, aumentador da enfardadeira do Zé dos Engraixados(32), a enfardar feno em Telheiras e arredores. Um rancho de mulheres ia para as ladroas e as vindimas no Ribatejo(33). Estas ausências da aldeia duravam, por vezes, bastante tempo chegando-se a ir, directamente, das vindimas no Bombarral para a azeitona em Lisboa(34).

Alguns foram para Lisboa, onde até ao último quarto do Séc. XX a emigração era especializada por regiões: Diz-se que as pessoas que recolhem o lixo são chamadas almeidas por os primeiros terem vindo dessa região. É certo que os patos-bravos são os tomarenses que emigraram em massa(35) para a construção civil que dominaram. Que as tascas eram de galegos ou minhotos. Que os padeiros eram de Tábua. Destes todos, os menos inteligentes foram os alcobacenses que se tornaram leiteiros(36). O meu pai e a minha mãe foram leiteiros e está, felizmente, vivo o Luís da Graça que também o foi. Eu próprio vendi muito leite às portas das casas no Bairro das Colónias(37) e aí conheci leiteiros de Aljubarrota, e de todas as aldeias junto à Serra, da Ataíja aos Molianos.

E haviam os vaqueiros; Uma vez que resolvi percorrer a Ataíja fotografando tudo deparei, curioso, com a cisterna de Manuel Luís(38). Na primeira oportunidade interpelei o filho José da Graça que fazia o favor de me tratar com consideração e amizade e perguntei-lhe como é que o pai dele, tendo de sustentar um rancho de filhos, tinha conseguido arranjar dinheiro para uma cisterna assim. Ao que me explicou que os irmãos Manuel e João Luís tinham um negócio curioso: Eram vaqueiros de uma mesma vacaria em Lisboa onde faziam, alternadamente, turnos de três meses. Quando um estava em Lisboa estava o outro na Ataíja, aqui com a incumbência de tratar do bom cultivo das terras e apoiar as famílias de ambos(39).

Outros casos houve, naquelas épocas, de emigração para a região de Lisboa: Filhas de gente pobre foram para criadas e houve, também, rendeiros de quintas como José Coelho, em Camarate.

No final dos anos cinquenta do Séc. XX, a Ataíja secular, exclusivamente agrícola, entrou no processo de transformação que a trouxe até ao progresso. Em Setembro de 1958, Luís da Graça resolveu abandonar Lisboa, onde era leiteiro e retornar à aldeia(40) e dedicar-se à extracção do vidraço. Essa pedra que durante séculos amaldiçoámos por só servir para tornar os terrenos improdutivos, era afinal, a riqueza que estava debaixo dos nossos pés e não o sabíamos. Pouco tempo antes já João Veneno tinha começado a exploração. Seguiu-se a abertura da fábrica de faianças da Safaril e depois, mais fábricas, mais pedreiras, emprego para toda a gente e mais gente houvera e, não havendo, tiveram de vir de fora(41).
__________________________________
NOTAS:
 (1) Ambos os membros do casal eram sarranos. Durante muito tempo, vinham até à Ataíja sarranos com uma carroça, às vezes montados, apenas, numa mula, negociar. Traziam pano e compravam ovos. Esse movimento continuou mesmo muito tempo depois de Manuel Rei de Carvalho aqui se ter estabelecido, por compra da taberna que era do Alfredo (filho de Matias Ângelo). Ainda há pouco, como durante décadas, por aqui aparecia o José Palmiro.
(2) Passar de um a outro grupo era tarefa difícil que a maioria nem sequer ousava tentar. Ainda há quem esteja solteiro pela única razão de serem muito díspares as dimensões das respectivas terras familiares.
(3) Ainda nos anos sessenta, entre produção própria e maquias, a casa de Luísa Ribeiro juntava cerca de quarenta pipas (vinte mil litros) de azeite.
(4) O lagar de Luísa Ribeiro, agora propriedade de seu filho Francisco Vigário, ainda trabalha (2009).
(5) Todas as juntas tinham as suas campainhas e chocalhos, cada uma com sua afinação. Naqueles tempos em que não havia motores nem outras fontes de ruído que não a actividade humana, o chiar dos porcos, o cantar do galo e o chilrear dos pássaros, ouviam-se a grande distância os chocalhos e, pela música, se identificava o proprietário.
(6) Bois, vacas bezerras, a importância das famílias reproduzia-se no tamanho dos bovinos.
(7) Ao contrário de outras regiões, por aqui nunca se usaram muares na lavoura que a isso se não prestava a dureza da terra.
(8) No livro Mosteiro e Coutos de Alcobaça - Aguns Capítulos Extraídos dos Manuscritos Inéditos do Autor e Publicados No Centenário do seu Nascimento, de M. Vieira Natividade, Alcobaça, 1960, está uma fotografia, de uma cena que eu próprio observei muita vez (vê-se, nela, o telhado já em ruína do Lagar dos Frades que, no início dos anos cinquenta do Séc. XX, já não existia).
(9) Fora isso, apenas nos lagares havia electricidade que garantia uma fraca iluminação e era obtida através de um dínamo acopolado ao motor diesel que fazia funcionar as mós e a prensa hidráulica.
(10) Os produtos da terra eram e são, fortemente condicionados pela extrema secura do terreno. Não havendo possibilidades de regar, não havia, no Verão, qualquer espécie de verdura. Só as couves galegas (couves de horto, como por aqui se dizia) mas, mesmo estas, não se podiam comer em Agosto de duras e secas que estavam. Provérbio local: Se queres ver o teu homem morto, dá-lhe sardinhas em Maio e couves em Agosto.
(11) O peixe vinha de Alcobaça à segunda-feira, dia de mercado. No mais, aparecia por vezes na aldeia uma pexineira que fazia o caminho da Nazaré a Aljubarrota na carreira dos Capristanos e, daí até à Ataíja, o transportava a pé, à cabeça, em três canasta de verga sobrepostas. Lembro-me bem da Tanoeta e de uma outra, julgo que Deolinda, cuja filha ainda há poucos anos vendia no mercado de Alcobaça.
(12) Há quem sustente que o José Sarrazina, filho de Luísa Ribeiro, por mais de uma vez e em conluio com a criada espetou um alfinete na cabeça de uma galinha, como única solução para a poder comer (aplicava-se a estes ricos o provérbio brasileiro: “quando pobre come galinha um deles está doente”).
(13) Uma ou duas freiras.
(14) Casou nos Molianos onde abriu oficina e o restaurante Arco da Memória. Foi vítima de um grave acidente de viação no qual faleceu o então presidente da Bolsa de Valores de Lisboa, Dr. Veiga Anjos.
(15) Emigrou para Lisboa, foi durante muito tempo motorista particular do Conde Bobone e, posteriormente, tornou-se motorista de táxi. Este João e o Chico Russo, foram os primeiros ataíjenses a ir para Angola, para a guerra colonial.
(16) O trilho era um fabuloso instrumento de descasque de grãos. Era rebocado pela junta de vacas e tinha em vez de rodas dois ou três rolos com pitões rodando debaixo de uma plataforma onde havia um banco corrido a toda a largura do aparelho.
(17) Folhelho é a casca, seca, das uvas que se guardava para dar aos animais no Inverno.
(18) O dia trocado consistia em duas ou mais pessoas, de famílias diferentes (por vezes as famílias inteiras), irem num ou mais dias fazer um determinado tipo de trabalho para uma família que, no dia ou nos dias seguintes o retribuíria. Criavam-se, assim, ranchos de média dimensão que permitiam aumentos sensíveis de produtividade.
(19) Trabalhar fora de casa, fora dos terrenos da família, trabalhar para outra família: “amanhã vou andar fora, para o José Ribeiro”.
(20) Eram poucos: Manuel Lérias, carpinteiro; João Redondo, sapateiro, o sobrinho dele e meu tio António Coelho Quitério (Sapatada), sapateiro, Manuel Veríssimo, pedreiro, mais tarde, também pedreiro, José Dias, Manuel, serrador. O ferreiro era na Ataíja de Baixo, o ferrador era o Manuel da Casaca, da Cumeira de Baixo, ou o Barata. A minha tia Angélica era modista. Em casa do Petinga, na de Maria Coelho e na de Maria Branco, havia teares que no meu tempo já não trabalhavam e que, antes, só faziam mantas de trapos. Gatear pratos e alguidares e consertar chapéus de chuva era trabalho de galego. Às tantas havia um funileiro, o Tentilhão que trabalhava numa casa do Alfredo e numa outra casa deste Alfredo, a casa da Calçada, o Pirisca teve oficina de sapateiro. Outras pessoas havia especialmente aptas para um determinado tipo de trabalho, mesmo no campo. Lembro-me que Manuel Branco era tido por um bom podador de oliveiras. Mas isso não era ofício.
(21) Cada vaca ganhava por um homem pelo que um dia de carreiro custava o equivalente a três homens/dia. Acrescia o almoço do carreiro que era melhorado: arroz ou massa de meada com grão e um apontamento de bacalhau.
(22) Não havia outro meio de transporte pelo que tudo ía no carro das vacas: pedra, terra e areia (extraída na Serra, no areeiro do Piquete) para construção, cereais para a eira e uvas para o lagar, mato para as estrumeiras.
(23) Junto à Ataíja, em toda a zona que hoje borda o IC2 (Estrada Nacional n.º 1) também havia grandes propriedades, muitas de proprietário ausente mas, totalmente ocupadas por olivais, não eram grandes utilizadoras de mão-de-obra, salvo na época das colheitas.
(24) Pagamento da jornada. O pagamento do trabalho de um dia (de sol a sol, quer dizer, do nascer ao pôr-do-sol).
(25) Certa vez, em Vale do Coelho, Mação, ouvi contar a história de um local que, no tempo da segunda guerra mundial, tendo também cinco filhas, batalhava pela vida trabalhando, sol a sol, de segunda a sábado, nas propriedades de Pequito Rebelo, no Gavião, do outro lado do rio. Ganhava para um saco de farinha com que coziam o pão semanal e ficava a dever ao latifundiário, em cada semana, vinte escudos.
(26) Algumas vezes fiz este percurso, também a pé, para ir ao mercado a Alcobaça. Ía-se por um caminho que ainda existe e começa em Aljubarrota, entre a estalagem e a bomba de gasolina.
(27) Expressão que aqui me parece bem a propósito (em rigor, o que se quer dizer é mal e parcamente, com pouco).
(28) Vivia-se mal em todo o concelho de Alcobaça e em todo o Portugal, nesse tempo. Em 1950, os estrangeiros representavam, em Portugal Continental, apenas 2,6/mil da população e, na região a oeste da serra dos Candeeiros, não ultrapassavam o máximo de 1,1/mil. Mesmo quanto à naturalidade, era o concelho de Alcobaça que, na região, tinha a maior percentagem de população natural do próprio concelho, 89,5%, o que diz bem do baixíssimo grau de atractividade da região. (A Região A Oeste da Serra dos Candeeiros, p. 117)
(29) O marido de Maria Coelho, o sogro da minha tia Angélica e outros. Um dia observei à minha tia Angélica uma coisa estranha: quando se entra na casa (que ainda existe), a nascente, do lado direito da porta, há dois quartos mas a parede que os separa da casa de fora não é, como de costume, de tabique, mas uma grossa parede de pedra, como se fora uma parede exterior. A minha tia explicou: Esses quartos não existiam. Foram construídos pela sua sogra, justapostos à casa pré-existente, com dinheiro que o sogro mandou da América.
(30) O meu pai, como muitos outros do seu tempo, vindimou por todos os concelhos do Bombarral, Cadaval e Alenquer, deslocando-se a pé, de aldeia em aldeia, a procurar trabalho, dormindo onde calhava (uma vez numa arribana, sobre molhos de vides).
(31) Ía-se, muitas vezes, sem destino e sem patrão. Como ainda hoje, aliás, a “feira dos homens” era no Campo Grande. Juntavam-se os homens e vinham os rendeiros ou os capatazes das quintas e, de entre os mais fortes, os já conhecidos e os amigos destes, escolhiam o número de homens de que precisavam para as tarefas concretas a executar.
(32) Contingências do ofício de sapateiro, em aldeia onde todas as crianças e mulheres (incluindo a dele próprio) andavam descalças.
(33) Durante anos, o meu tio Joaquim Matias organizou um rancho que se deslocava, em Maio e em Setembro, para Porto de Muge.
(34) Por volta de 1936 o meu tio Sapatada foi com o irmão (José Francês) vindimar para o Bombarral. Acabada a safra, deixou o irmão, então com dezoito anos, na estação das camionetas e recomendou-lhe que voltasse para a terra, a ajudar o pai que ele ía para Lisboa, para a apanha da azeitona. O Francês disse que sim mas apanhou a camioneta seguinte para Lisboa. Voltou à Ataíja passados dez anos, onde assistiu ao casamento do meu pai, tendo regressado logo a Lisboa. Seguiu-se a emigração clandestina (transportando um saco de mercadoria às costas como se fora estivador) para Marrocos, num barco carregado de casca de carvalho para a indústria de curtumes. Aquando da independência de Marrocos, já viúvo e com três crianças, duas delas gémeas, de colo, foi para França, onde ficou a trabalhar de carpinteiro, até à reforma, quando voltou a viver na Ataíja.
(35) Essa emigração teve importantes consequências na paisagem tomarense, onde o pinheiro alastrou quer por falta de braços para trabalhar a terra quer porque a construção civil era grande consumidora da madeira que era utilizada para prumos, cofragens e andaimes e, com frequência, em limpos: Tectos e soalhos e portas e janelas.
(36) A profissão não era boa e estava em vias de extinção e ninguém ganhou dinheiro que se visse.
(37) A minha mãe tinha, na Rua de Timor, uma cliente cujo marido usava monócolo. Um dia toquei à campainha e veio Sua Excelência que, sem sequer cumprimentar, gritou para dentro, para a criada: Maria! Companhia das águas! Tive, do alto dos meus dez anos, vontade de esganá-lo. Não o esganei mas insisti com a minha mãe para deixarmos de o fornecer. Afinal, convenceu-se ela, era subir a pé um segundo andar para vender um quarto de litro de leite e ganhar um tostão!
(38)Tem uma pequena placa com a data de construção: 192…
(39) Havia sempre alguém da Ataíja a tratar de vacas leiteiras em Lisboa. O último foi Francisco Jorge que conheci responsável por trezentas vacas de leite na Quinta do Carmo, agora cheia de armazéns, ali nas traseiras do Bairro da Portela.
(40) Lembro-me bem porque fomos ocupar a parte de casa onde vivia o Luís da Graça, na cave do n.º 28 da Rua Luís Monteiro, no Alto do Pina, num prédio que já não existe. Eu, que até aí tinha vivido na Ataíja com a minha avó Maria Lourenço, tinha chegado na véspera a Lisboa, para ir para a quarta classe e fazer o exame de admissão ao Ensino Técnico Profissional. Em troca, o Luís da Graça instalou-se na Ataíja em casa de meu pai, onde ficou até concluir a sua própria.
(41) Entretanto, faliu a maioria das fábricas de faiança mas, da Ataíja industrial, falaremos noutro texto.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

ARTISTAS ATAÍJENSES (2)

Inês Neves, É natural do concelho da Batalha e reside na Ataíja de Cima desde o casamento. Tem vasta obra de pintura, em diversas técnicas: azulejo, óleo, aguarela.
Dos seis trabalhos que aqui reproduzimos, os primeiros, a aguarela, são de 1997 e 1998 e representam dois edifícios significativos do concelho da Batalha: O antigo Mosteiro da Visitação e a Casa da Quinta da Várzea que foi local de nascimento e, posteriormente, propriedade do famoso militar do Séc. XIX Mouzinho de Albuquerque conhecido, sobretudo, por ter procedido à captura de Gungunhana.
Os óleos, um, de 2008, representa uma cena familiar plena de movimento, com o filho da autora brincando enquanto a sua irmã cumprimenta um tio-bisavô. O outro óleo que aqui vai reproduzido, representando duas cabeças de cavalo, é de 1996 e foi oferecido ao autor deste blog.
Os azulejos (é de grande qualidade o que representa a Casa do Outeiro) decoram, actualmente, as casas dos familiares a quem foram oferecidos pela autora.

A Inês Neves encontra-se, actualmente, a preparar uma importante exposição de que, a seu tempo, aqui daremos a devida notícia.

Mosteiro da Visitação (Batalha):


Quinta da Várzea (Batalha):


Casa do Outeiro na Ataíja de Cima (azulejo):


Cena familiar (óleo, 2008):


Cabeças de cavalos (óleo, 1996):


Nossa Senhora da Graça (azulejo, 2009):

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Ataíja nos mapas

Os mapas foram, historicamente, instrumentos especialmente úteis para a preparação da guerra e, após o início das grandes navegações, para localização de portos  (portulanos) e de acidentes importantes da costa. Mas eram coisa que não interessava muito aos cidadãos comuns que pouco se deslocavam em transporte autónomo e, por isso, não precisavam de mapas.
Só a partir da invenção do automóvel os mapas passaram a interessar a toda a gente. Daí que, no início do Séc. XX., tivesse começado por todo o lado a criação de clubes de automobilistas e a publicação de um grande número de mapas de estradas e de guias turísticos.
Em Portugal, o Automóvel Clube de Portugal foi fundado em 1903, tendo como presidente da Assembleia Geral o Infante D. Afonso, irmão do Rei D. Carlos e que era conhecido por "O Arreda", porque andava pelas ruas de Lisboa no seu automóvel aos gritos «Arreda, Arreda!» para que as pessoas saíssem da frente.
O ACP publicou o seu primeiro mapa das estradas de Portugal em 1928. Este mapa tem, desde então, tido uma publicação e actualização regular estando, actualmente, na 96ª edição.
Sendo, sem dúvida, um dos melhores mapas de estradas que se publica em Portugal tem, relativamente à Ataíja, um erro incompreensível e que se mantém desde sempre: apresenta a Ataíja sem fazer distinção entre Ataíja de Cima e Ataíja de Baixo e não mostra qualquer ligação ao IC2.
Há muitos anos que me interrogo sobre as razões do erro e, para além da explicação óbvia de não terem sido feitos levantamentos no terreno e de não terem sido levados em atenção os muitos mapas onde as estradas da região estão correctamente representadas, parece que a razão do erro se deve ao facto de o mapa ter sido desenhado a partir de informações escritas.
O que aparece no mapa é uma estrada que indo da zona da Lameira para o lado da serra, faz uma curva de noventa graus para norte no sítio onde deveria estar a Ataíja de Baixo, chega à Ataíja de Cima (referida apenas como Ataíja) e vai até Aljubarrota.

(excerto do mapa das estradas de Portugal Continental, Açores e Madeira, 96ª Edição 2008/2009, Automóvel Clube de Portugal. Note-se, a tracejado, o futuro IC9)

A que se deve o erro?
A meu ver, o desenho foi feito a partir da leitura de uma Nota, a páginas 630 do II Volume do Guia de Portugal, editado em 1927 onde, na descrição do caminho de Alcobaça para a Batalha, se diz:  "... à direita e ao fundo a serrania de Albardos. Não tarda a aparecer do mesmo lado a bela e verde baixa das Ataíjas." E, em nota: "Pode-se visitá-las tomando, a 4km,2 de Alcobaça, um ramal á dir. que, passando por - 600m Carvalhal, desce a - 2km,6 Ataíja de Baixo, 4km,6 Ataíja de Cima, 5km,6 Codoiço, vindo sair novamente à estr. da Batalha, depois de uma volta de 6km,8 em Aljubarrota."
Note-se, por outro lado, que o mapa de Caldas da Rainha e Arredores, inserto entre as páginas 600 e 601 do livro, representa as estradas de modo diferente. Apenas duas estradas, uma que ía da Lameira pelo Carvalhal até à Ataíja de Baixo e outra que ía de Aljubarrota ao Cadoiço, como abaixo se vê:

(lembremos que, em 1927, não existia IC2 mas, apenas os restos da Estrada de D. Maria I que nesse tempo já não passava de uma mera e muito deteriorada serventia agrícola e ainda não tinha sido macadamizada a estrada do lagar dos frades)

O erro do mapa do Automóvel Clube de Portugal é, ainda, incompreensível porque há muitas décadas o Instituto Geogáfico e Cadastral possui uma boa carta da Região onde as estradas estão representadas com grande rigor, como se vê do seguinte excerto da Carta Corográfica de Portugal, na escala 1/50.000, folha 26-B Alcobaça, 2ª Edição, 1969:



O texto do Guia de Portugal foi, muito provavelmente, escrito por Manuel Vieira Natividade que era amigo do coordenador da obra, Raúl Proença um importante intelectual republicano que era natural das Caldas da Rainha e conhecia bem Alcobaça. Manuel Vieira Natividade também conhecia muito bem a região (era natural do Casal do Rei) sobre a qual escreveu muito. E isso levanta outras dúvidas:
Porque não se fala, aqui do Lagar dos Frades? Muito provavelmente porque, naquele tempo, se tratava de uma unidade industrial em funcionamento e outros do mesmo tipo eram vulgares. Não era, ainda, percepcionado como um monumento.
Mais estranho, tratando-se de um guia para automobilistas é, para mim, a transitabilidade do caminho (pelos Arneiros) entre a Ataíja de Cima e a Ataíja de Baixo. Ainda em meados do Séc. XX todo este caminho era coberto de estrumeiras e, segundo parece, pouco mais de um século  antes da descrição do Guia de Portugal nem sequer existia....

(excerto de um mapa do final do Séc. XVIII mostrando a Ataíja)

Mas deste mapa falaremos noutra ocasião.

sábado, 28 de novembro de 2009

ARTISTAS ATAIJENSES


Na linguagem popular, artista era, antigamente, sinónimo de artífice, profissional especializado em determinada área. Eram assim designados de artistas os pedreiros, os carpinteiros, os funileiros, os sapateiros, etc., etc.

Nas últimas décadas, uma boa parte dos ataijenses dedicou-se ao trabalho em oficinas de pedra ou em fábricas de cerâmica e, segundo aquele critério, muitos mereceriam ser chamados de artistas.

Menos são, no entanto e naturalmente, aqueles que assumem a condição de artistas no sentido mais actual e corrente do termo quer dizer, aqueles que, por vezes usando e desenvolvendo as técnicas aprendidas no exercício da sua profissão, outras dedicando-se a actividades inteiramente novas e sem qualquer relação com essa profissão, sentem a necessidade de criar objectos tirados da sua imaginação, o que é, sempre, uma reflexão sobre o mundo que os rodeia e o desejo de partilhar essa reflexão com os outros.

Eis quatro deles. Outros há que, a seu tempo, esperamos trazer a este blog.



Maria Amélia Faustino Ribeiro, nome artístico Mélia, recebeu o 1.º prémio no 17.º Concurso de presépios, organizado em 2007 pela Câmara Municipal de Porto de Mós, com a peça escultórica, em barro branco, “A Velha Árvore”.



Carlos Sousa, autor, entre muitas outras pinturas, de uma “Casa do Monge Lagareiro” que ofereceu ao Salão Cultural Ataíjense e da decoração da parede de fundo do palco do Salão, onde pintou uma cópia da célebre iluminura do Apocalipse do Lorvão que representa uma cena com trabalhos rurais: vindima, ceifa e lagaragem.

(fotografia do original)

Manuela Quitério que se dedica ao artesanato urbano (pintura de objectos e peças de tecido). Mantém um blog: http://www.atelierdamanuela.blogspot.com/  que, infelizmente, não tem actualizações recentes.



Nuno Matias que se dedica à escultura em pedra. Autor do Brazão de Cister que ofereceu ao Salão Cultural Ataíjense e é cópia do existente na Casa do Monge Lagareiro.


sexta-feira, 27 de novembro de 2009

O Couseiro ou Memórias do Bispado de Leiria

“O Couseiro ou Memórias do Bispado de Leiria”, é um livro manuscrito, de autor desconhecido e de data incerta que contém uma importantíssima descrição do Bispado de Leiria no Séc. XVII. Não se sabendo o nome do seu autor, sabe-se, no entanto, pelo próprio livro, que era vivo entre 1605 e 1657 e se tratava de pessoa importante, uma vez que também declara ter sido árbitro de uma contenda que opôs os bispos D. Pedro Barbosa D’Eça, bispo de Leiria entre 1636 e 1640 e D. Diniz de Mello (D. Diniz de Mello e Castro), bispo de Leiria de 1627 a 1636 e, posteriormente, bispo de Viseu e bispo da Guarda, cargo em que faleceu em 1639.

O manuscrito manteve-se inédito por cerca de duzentos anos, até 1868, data em que, por iniciativa de “um eclesiástico do mesmo bispado de Leiria”, foi impresso na Tipografia Lusitana, em Braga. Foi reeditado nos anos oitenta do Séc. XX, “em cópia fiel da sua primeira edição” mas, infelizmente, sem qualquer referência de data, de responsabilidade pela reedição, ou da autoria das notas de rodapé e dos acrescentos relativos à vida da Diocese após a sua restauração em 1918.

No que interessa à Ataíja, tem o livro dois capítulos (pág.s 260-262). O Capítulo 41.º - Da freguesia de São Vicente de Aljubarrota e o Capítulo 42.º - Das ermidas desta paróquia.

Ficamos a saber que, como aliás é incontroverso por abundantemente documentado, a freguesia de São Vicente de Aljubarrota não pertencia ao Mosteiro de Alcobaça mas, antes, era anexa aos priorados de São Pedro e Nossa Senhora de Porto de Mós (isto a partir da extinção da Colegiada de Porto de Mós, ocorrida em meados do Séx. XV):

No dia (14 de Julho de 1587) em que o Bispo D. Pedro de Castilho, tomou posse da vila de Ourém, também tomou posse da de Porto de Mós e da ametade da vila de Aljubarrota que era a freguesia de São Vicente (O Couseiro, Capítulo 20º).

Lembrando que o autor escreve em meados os Séc. XVII, inventaria ele as seguintes igrejas capelas e ermidas então existentes na freguesia de São Vicente de Aljubarrota:

- Ermida de São Vicente o Velho (era a antiga igreja paroquial e da qual não há, actualmente, vestígios) que ficava defronte da de São João Baptista.

- São Vicente o Novo. A Igreja Paroquial actual. Curiosamente, esta Igreja, apesar de ser paroquial, por estar fora da vila, não tinha Sacrário que apenas havia Em Nossa Senhora dos Prazeres. É uma construção do Séx. XVI (segunda metade). Esta Igreja foi objecto em 1972 de uma intervenção que incluiu remodelações no interior e no pórtico e, a nosso ver, mutilou desnecessariamente a coerência arquitectónica do edifício.

- Ermida de São João Baptista, nos Olheiros. Era muito formosa e tinha uma confraria que se encarregava da respectiva fábrica, com mais de duzentos confrades, diz o autor. Esta capela foi, segundo consta do site monumentos.pt, construída em 1606.

- Ermida de Nossa Senhora das Areias, nos Chãos, com licença para nela se dizer missa emitida em 1542. Era de romagem, particularmente para febres e maleitas,

- Ermida de São Sebastião, na Ataíja de Baixo. Tinha alpendre de colunas, confraria e bodo e era fabricada pelos confrades.

- Ermida de Santa Teresa, “nos casais que estão para além da Ataíja de Cima”. À fábrica estavam obrigados os moradores, “porque estas ermidas foram feitas para a administração dos Sacramentos”. Era de romagem particularmente advogada para os ouvidos.

- Ermida de Nossa Senhora da Graça, na Ataíja de Cima, “a cuja fábrica estão obrigados os moradores do mesmo logar; a imagem da Senhora é de vulto, pintada, sem nicho, nem retábulo, nem sino”. Embora o autor de O Couseiro nada mais diga sobre este assunto, sabe-se que a construção da capela de Nossa Senhora da Graça é do Séc. XVI.

Glossário:

Colegiada – Corporação de sacerdotes com funções de cónegos em igreja independente da jurisdição do bispo da Diocese.
Fábrica – Receita ou rendas de uma igreja ou da sua administração.
Imagem de vulto – estátua.
Nicho – Cavidade aberta numa parede.
Priorado – Comunidade religiosa governada por um prior. (Prior é o pároco de certas freguesias, quando tem poder sobre outros padres. Etimologicamente, prior significa o primeiro, o que vai à frente, superior, o que é mais destacado).
Retábulo – Estrutura ornamental em pedra ou talha de madeira que se eleva atrás do altar ou pintura que adorna essa parede.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Os olivais da Ataíja, com (a despropósito) uma curiosidade sobre a morte de D. Maria II

Os olivais da Ataíja

Durante mais de duzentos anos, pelo menos desde o início do Séc.XVIII e até passados os meados do Séc. XX, a Ataíja viveu em redor dos grandes olivais que a cercavam e preenchiam todo o espaço até à base da Serra dos Candeeiros.

A importância da cultura da oliveira é, ainda agora, evidente pelo peso que tem na toponímia local e pelo número de lagares que, ainda muito recentemente, existiam na região.

Grande parte dos olivais era, no entanto, propriedade de não residentes. Apenas algumas famílias, em regras as de maiores posses, possuíam terrenos nos “Olivais”, nome que, genericamente, se dava a todos os terrenos situados nas margens do actual IC2. Para os naturais ficavam as terras situadas na crista da margem esquerda da ribeira do Mogo, os respectivos vales e parte da encosta da margem direita.

Exemplos de olivais propriedade de não residentes:

Olival da Maria Almeida, propriedade de uma Maria Almeida que não consegui, ainda, melhor identificar.
Olival do Brilhante, propriedade do Dr. Brilhante (José Maria dos Santos Brilhante, 1821-1880) natural de Alcobaça, onde há uma rua com o seu nome. Foi ilustre médico homeopata e publicista, proprietário e redactor da revista Agulha Médica e da Gazeta Homeopática Lisbonense, escreveu muito em diversos jornais e revistas.
Por curiosidade, aqui fica uma parte do que o Dr. Brilhante escreveu a propósito das condições em que se verificou a morte de D. Maria II, ocorrida em 15 de Novembro de 1853, durante os trabalhos do seu décimo-primeiro parto, tinha então a Rainha 34 anos:
«O boletim destes médicos é o seu corpo delicto. [...] Correm por aqui differentes evasivas e diz-se que já estava profetisada a morte e S. M. advertida disto pelos seus médicos! Sendo assim, e tendo os seus práticos dados sufficientes para esta profecia, deviam ter-lhe praticado o parto prematuro do 4.º mez em diante, e porque não o fizeram?...
A verdade é esta: os seus médicos à excepção de Manoel Carlos Teixeira, não sabiam, nem sabem nada de partos. O doutor Elias e Benevides são dois velhos, médicos exclusivos, e ignorantes de tudo que diz respeito à cirurgia; o doutor Kesseler é um pratico sem experiencia e está no mesmo caso; o Farto é um antiquíssimo cirurgião que apenas sabe ler, se sabe, e nada mais. Foram estes os cinco práticos que deram recursos à Soberana.
Depois de morta, veio o Snr. Marquez de Fronteira buscar o Snr. José Lourenço da Luz, operador conhecidissimo pela sua habilidade, e dizem que tambem fora chamado o Snr. Magalhães Coutinho! O Snr. José Lourenço da Luz entrou no quarto de S. M., achou-a morta, ajoelhou, beijou-lhe a mão e sahiu consternado. Quizeram que elle assignasse o boletim, e ele não quis... As inteligencias só foram chamadas para fiscalizarem a morte!!
Espero que «O Esculapio» se occupe de fustigar a ignorância, para que ela não mova os destinos da minha infeliz pátria. [..]
22 de Novembro de 1853»
In. O ESCULAPIO: Boletim Semanal de Medicina, Cirurgia e Pharmacia, Lisboa, 21 de Dezembro de 1853
Olival do Capitão, ou Olival do Mira. O capitão Silva Mendes, figura muito conhecida na região na primeira metade do Séc. XX, era natural de Turquel, fez parte do Corpo Expedicionário Português que combateu em França durante a Primeira Guerra Mundial e foi, durante muitos anos, Governador Civil de Leiria e Deputado da União Nacional.
Olival do Couto, ou Olival do Sá.
Olival do Frade, ou Olival dos Frades, ou olival do Santíssimo.
Olival do José dos Santos, Um olival que era propriedade de um José dos Santos, dos Montes.
Olival do Mira, é o mesmo olival que foi do Capitão Silva Mendes. O Mira, ao que julgo assim chamado por ser da zona de Mira de Aire, era mais um de vários proprietários absentistas, residentes fora da aldeia. Toleravam e não agradeciam que alguns locais cultivassem as terras e apenas recolhiam para si a azeitona. Neste olival, na parte a oeste do IC 2, estão, actualmente, as instalações dos Armazéns São Vicente.
Olival do Raimundo, o olival que começava Traz do Muro e, em 1834, era propriedade do Coronel Raimundo Veríssimo de Sousa. A designação de Olival do Raimundo mantém-se, aplicada a uma parte desse olival, situada um pouco mais a norte. Na parte a Oeste do IC 2 estão, actualmente, as instalações da empresa Arte e Fogo e outras.
Olival do Sá. O Sá era genro do Couto, a quem sucedeu na propriedade (ambos eram comerciantes em Alcobaça). Assim, o olival do Sá e o do Couto são um e o mesmo. Está, hoje em dia, parcialmente ocupado pelas instalações da Germano & Cordeiro, Lda. Mantém-se, embora ameaçando ruína, a casa dos caseiros, com pátio, curral e cisterna. Nesta cisterna abasteceu-se, durante muitos anos, a família de Porfírio Coelho, até que os filhos, cansados de percorrer quilómetros por um cântaro de água, conseguiram que o pai acedesse a construir uma pequena cisterna no pátio da sua casa.
Olival do Santíssimo, v. Olival dos Frades.
Olival do Zé Militar, O José Militar era um comerciante alcobacense.
Olival dos Frades. Também chamado Olival do Santíssimo por, ao que parece e como já explicamos num outro post, os frades usarem um sistema de contabilidade por consignação, seja, em que as diferentes receitas eram, previamente e por regra, afectas a diferentes tipos de despesa, sendo as receitas deste olival usadas para suportar as despesas do culto e louvor ao Santíssimo Sacramento. Era, em 1885, propriedade do Dr. Zagalo, médico de Alcobaça e foi, depois, de Olímpio Trindade Jorge, comerciante de Alcobaça, o qual marcou os limites da propriedade com um vasto conjunto de imponentes marcos, muitos deles ainda hoje existentes. Todos esses marcos têm gravadas, de um dos lados, as iniciais do Santíssimo Sacramento (SS) e, por baixo, as do proprietário (OTJ) e, do outro lado, o número do marco. Mais tarde, em 1918, este olival veio a ser adquirido pelo ataíjense Matias Ângelo.

Sendo os olivais de não residentes, natural era que o mesmo se passasse com os lagares. Eram propriedade de comerciantes alcobacenses o Lagar de Ferro (assim chamado por ter sido o primeiro a ser equipado com prensas hidráulicas), na Ataíja de Baixo e o lagar do Diamantino (de Diamantino dos Santos Vazão), entre a Ataíja de Cima e os Casais de Santa Teresa.

Outros olivais:

Olival da Burra. Fica a meio da Rua do Martins que há cinquenta anos era lugar de olivais densos. Havia ali várias oliveiras situadas fora de paredes, na margem do caminho. Eram as oliveiras da Senhora, pertença de uma antiga e então já desaparecida, Confraria de Nossa Senhora da Graça. Também havia oliveiras da Senhora em pleno terreno de outrem (vim mais tarde a perceber que se tratava de direitos de superfície), em vários locais. Competia ao Juiz designado da festa de Nossa Senhora da Graça (Nossa Senhora das Candeias, como se chama em outras terras), providenciar o tratamento das oliveiras, designadamente a poda e a apanha da azeitona, a benefício da Capela.
Olival da Casa. Por nele haver uma construção que servia para guarda de utensílios, adubos, sementes, colheitas e alfaias agrícolas e de abrigo contra as intempéries.
Olival da Estrada. Algumas pessoas designam assim as suas respectivas parcelas quando situadas junto do IC 2.
Olival da Raposa. Onde se situam as instalações da cerâmica Safaril (actualmente desactivada).
Olival da Senhora. Na separação entre a Ataíja e os Casais de Santa Teresa, no caminho que, saindo da Rua das Seixeiras para poente, leva aos Casais de Baixo. Foi arrancado quando eu era pequeno e, em seu lugar, semeado pinhal. Era propriedade da Confraria de Nossa Senhora da Graça.

Nota: Este post resume algumas investigações que vimos fazendo sobre a toponímia ataijense. Tenho consciência de que está incompleto e tem, talvez, alguns erros. Agradeço aos leitores que encontrem omissões, erros ou outras deficiências, toda a colaboração que puderem prestar. Contacto: jose.quiterio@sapo.pt


A Ataíja, em meados do Séc. XX era, ainda, um imenso mar de oliveiras:
(fotografia de meados dos anos cinquenta do Séc. XX, publicada na monografia "A Região a Oeste da Serra dos Candeeiros", edição do Centro de Estudos de Economia Agrária da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1961)

domingo, 22 de novembro de 2009

Salão Cultural Ataíjense

No próximo dia 17 de Janeiro de 2010, vai realizar-se o 11.º Almoço Anual do Salão Cultural Ataíjense.

É hora de começar-mos a preparar a nossa presença e de convidar os nossos familiares que se encontram fora da Ataíja, e os nossos amigos, conhecidos, clientes e fornecedores.
Os Ataíjenses podiam viver sem o Salão?
PODIAM!
MAS NÃO ERA A MESMA COISA!

terça-feira, 17 de novembro de 2009

A origem do nome ATAÍJA



Se as mais das vezes, conhecer com rigor a origem dos nomes dos lugares é conhecer as condições em que foram descobertos, conquistados, politicamente reivindicados ou povoados, a verdade é que, na generalidade do território português e europeu, as vicissitudes históricas foram tantas que, frequentemente, é de todo impossível saber com rigor de onde vêm os nomes (1).

Ao contrário, nos novos mundos que emergiram após as viagens marítimas transoceânicas é frequentemente muito fácil saber rigorosamente a origem dos nomes dos lugares (a origem dos nomes com que os europeus crismaram (2) esses lugares que, naturalmente, já possuíam um nome indígena (3). De facto, Frei Fortunato de São Boaventura não deixa de ter razão quando sustenta que não há lugar (ermo ou baldio, diz ele) a que os povos não tenham dado algum nome (4).

No novo mundo, os nomes das terras são, muitas vezes, mera repetição do nome da localidade ou região de origem dos colonizadores: Orleans em França e York na Grã-Bretanha deram, nos EUA, New Orleans (na Luisiana. Chamava-se Luís o rei francês) e New York (5), Lisboa e Lamego em Portugal, Nova Lisboa em Angola e Nova Lamego na Guiné, Montevideo no norte de Espanha (6), ou a capital do Uruguai, e Oeiras, Alenquer, Bragança, Santarém, Barcelos, Óbidos, Crato, Soure (7), Alcobaça e tantas outras no Brasil.

Nos EUA, um país do tamanho de um continente, a necessidade de um serviço de correios minimamente eficaz era de dimensão idêntica à dificuldade de o pôr a funcionar. Quando foi criado o lugar de responsável federal pelo serviço de correio, logo se revelou o maior problema que era o de os lugares não terem um nome “oficial”. Foi, pois, o responsável dos correios que baptizou milhares de lugares. À medida que o comboio avançou para oeste, problema semelhante existia e foi resolvido das formas mais imaginativas. Até os passageiros mais ilustres tiveram o direito a baptizar lugares, antes desertos, onde se ergueram estações e apeadeiros. (8)

No caso da Ataíja, um importante problema a resolver para determinar a origem de um tal nome advém do facto de Manuel Vieira Natividade (MVN), sustentar no seu “O Mosteiro de Alcobaça – (Notas Históricas)”, publicado em 1885, que:

“Athaija – corrupção do antigo vocábulo – atà-hij – até ahi. Era o ponto de demarcação do grande olival dos frades, hoje propriedade do sr. dr. Francisco Baptista Pereira Zagalo, illustre medico d'Alcobaça.”

Com todo o devido respeito pela enorme figura que foi MVN - cuja actividade e importância científica foi largamente reconhecida no seu tempo e é, ainda hoje, absolutamente incontornável quando se pretende estudar Alcobaça e a sua região – é evidente que, neste caso, não pode ter razão.

Ora esse é um problema. Parecendo evidente que MVN não pode ter razão, é necessário demonstrar essa sem razão.

Vejamos:

A nominação das pessoas e das coisas é condição necessária para o seu (re)conhecimento e até, para a sua existência. Num certo sentido, o que não tem nome não existe (9).

Ora, se assim é, então os frades sempre teriam de dar um nome ao lugar onde plantaram as oliveiras antes de lá as plantarem. O nome Ataíja é anterior ao olival dos frades (10).

Aliás, Ataíja situa-se no limite norte dos coutos e, se há necessidade da dar nome aos lugares é aos lugares de fronteira (11). Se não, como saberiam os frades e os seus vizinhos onde começavam e acabavam os terrenos de uns e de outros?

Não ponderou MVN estes argumentos de mero senso comum? Parece que não mas não deixa de ser estranho, como é estranho que não tenha dado importância à carta de doação que D. Afonso Henriques fez a São Bernardo (12).

Tal como se encontra transcrita, em português moderno, no “Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça – Roteiro”, (1987) de Maria Augusta Lage Pablo da Trindade Ferreira (13) refere-se a carta de doação dos coutos de Alcobaça (14) a uma herdade ...sub monte Taixa...

Taixa, ta-í-xa, Ataíja. Soa bem. O monte que hoje conhecemos por serra dos Candeeiros chamar-se-ía, então, monte Taixa e dele Ataíja teria tomado o nome. Isto já parece fazer muito sentido, até porque, também é muito natural que se nominem primeiro os acidentes geográficos e só depois os povoamentos que, eventualmente, venham a surgir junto deles. (15)

A referida carta de doação menciona os nomes dos seguintes lugares (16), pelos quais se traçava a fronteira dos coutos doados: Leiria, Óbidos, monte Taixa, Alcobaça, foz de Salir, água do Furadouro, garganta de Olmos, cimalhas de Aljubarrota, Andamo (17), água de Coz, Melua (18), mata de Patayas, (19) Pederneira e Muel.

No caso dos rios de Alcobaça (20) , é sem dúvida de origem árabe o nome Alcoa, o Côa, como são de origem árabe a generalidade dos substantivos portugueses começados por al que, como sabemos, é o artigo definido árabe.

No caso do nome Ataíja não é só surpreendente que MVN tenha optado por uma hipótese claramente contestável. É, também, surpreendente que o topónimo Ataíja tenha sido ignorado por alguns dos maiores cultores portugueses do árabe. Conheci bem o Dr. José Pedro Machado arabista e dicionarista insigne que era subdirector da Escola Industrial de Afonso Domingues no tempo em que lá frequentei o curso industrial de montador electricista. Tive oportunidade de conviver com ele nos últimos anos da sua vida e cheguei a colocar-lhe a questão de, no seu dicionário de palavras portuguesas de origem árabe não haver qualquer referência a Ataíja, infelizmente, a sua avançada idade (então próxima dos noventa anos) já lhe não permitiu tempo para me esclarecer a dúvida. Do mesmo modo, a amizade do Sr. Professor Doutor António Manuel Dias Farinha, Professor Catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, especialista em língua e cultura árabes, não me permitiu, até agora, grandes avanços nesta matéria.

Conheço, apenas, um especialista que expressamente se refere a Ataíja como topónimo de origem árabe: Frei João de Sousa (21) que publicou em 1789 a sua obra: Vestigios da lingua arabica em Portugal ou Lexicon ethymologico de palavras e nomes portuguezes que teem origem arabica, composto por ordem da Academia Real de Lisboa, da qual foi publicada, no ano de 1830, uma 2.ª edição com adições e correcções de Frei João de Santo António Moura. Esta segunda edição foi reeditada em fax símile, em 2004, a partir de um original existente na Biblioteca da Província Portuguesa da Ordem Franciscana, pela Livraria Alcalá, em parceria com o Centro Cultural Franciscano de Lisboa. Em 1981 tinha sido feita uma reedição, também fax simile, da primeira edição de 1789, da responsabilidade de A. Farinha de Carvalho que nela incluiu um prefácio de sua autoria.

No que respeita a Ataíja, não há diferenças entre ambas as edições. Diz-se aí, a propósito:

“ATAIJA (caracteres árabes, v. Nota (28) Attaija. Saõ dous lugares na Província da Estremadura. Bispado de Leiria, termo de Thomar. Significa a coroada. Deriva-se do verbo (caracteres árabes, v.  Nota (28) tauaja coroar. Chorograph. Portug.”

Ora, se olhar-mos a serra dos candeeiros, verificamos que, frente às Ataíjas e aos Casais de Santa Teresa, se situa a parte mais elevada da serra que ali se desenha numa sequência de três montes arredondados. A coroada da serra.

Também no foral de Leiria, do mesmo D. Afonso Henriques, há uma referência a Ataíja:

“…Aprouve-me também a mim, rei Afonso, e firmemente resolvi dar limites ao mesmo castelo de Leiria, num circuito, a começar no mar, da parte ocidental, e, da parte meridional pela veia de Alcobaça e a chegar à fonte de Soão. E daqui, para o sul, passa pela Ataíja…” (22)

Pedro Gomes Barbosa, em “A Estação Arqueológica da Parreitas (Bárrio, Alcobaça) – Enquadramento Geral” (23), subscreve a tese da origem árabe do nome Ataíja, nos seguintes termos:

“Ataíja é o nome que até nós chegou por evolução fonética. Na carta de doação de Afonso Henriques é designada por Taixa, a que retiraram, na sua passagem para o latim do documento, e por alguém que compreenderia o árabe, o artigo “al-“, que frente ao “t” (como frente ao “s” e ao “z”) toma a consoante que lhe segue”.

Temos, assim, duas fontes académicas a validar a origem árabe do nome Ataíja.

Significa isto que Ataíja já existia, como povoação, no tempo da ocupação árabe do território, ou no tempo de D. Afonso Henriques? Não necessariamente e, muito provavelmente, não. (24, 25) O que se me afigura dever ser tomado por certo é que as Ataíjas receberam o nome da serra que lhes é fronteira e hoje chamamos de Serra dos Candeeiros, (o que, por outro lado, nos leva a um novo problema que é o de saber de onde vem este nome Candeeiros).(26)


Curiosidades a propósito da palavra ataíja:

Nas minhas buscas na internet encontrei:

Banática - é uma pequena localidade e muito antigo porto da margem sul do Tejo, no concelho de Almada (27). Segundo os especialistas em toponímia o seu nome deriva do árabe ben ataija que significará paço do príncipe.

Ataíja é, um apelido (melhor dito, um nome de família ou de tribo ou de clã), actual árabe. Designadamente, o antigo ministro e representante do Qatar na OPEP, de que já foi, aliás, secretário-geral é um tal Ataíja (Abdulla bin Hamads al-Ataija).

Na Sérvia há um capitão de nome Rezu Ataíja.

Na Australia, há uma menina de nome próprio Ataíja.

______________________________
NOTAS:
(1) Na Wikipédia, encontrei um forum de discussão sobre palavras de origem árabe onde se questionava que Silves fosse uma dessas palavras, já que a origem do nome seria a “provável cidade pré-romana de Cilpis”. Ora, é certo e largamente documentado que a Silves actual é a árabe Shelbi, ainda hoje apelido comum na Tunísia (o nosso guia num circuito na Tunísia chamava-se Buzid Shelbi – Buzid Silves, como em português há Braga, Coimbra, Caminha, Covilhã, Alenquer, Viseu, Bragança, Miranda, Lisboa e mais uma infinidade de apelidos que são topónimos, referência ao lugar de origem da pessoa ou da sua família). Até o vulgaríssimo Sousa será carregado nos respectivos BI's pelos descendentes de um ou, mais provavelmente, vários originários da ainda hoje denominada região do Vale do (rio) Sousa.

Talvez tenha existido a tal cidade romana de Cilpis. Talvez este nome, ou um nome parecido, tenha sido mantido pelos povos que aí habitaram após a derrocada do império romano. Talvez os árabes tenham continuado a usá-lo, naturalmente adaptado. A evidência que é a de que, como quase tudo, também o nome dos lugares evoluem e a Cilpis romana bem pode ter dado o arábe Shelbi que deu o português Silves.

(2) Crismar: mudar o nome.

(3) Indígena: que ou aquele que é natural do país onde habita.

(4) Ver Eduardo Marrecas Ferreira, “Aljubarrota – Pequena Monografia”, Lisboa, 1931. (mas, lá por o frade ter razão em abstracto, isso não quer dizer que a tivesse na discussão onde usou o argumento).

(5) Antes, os holandeses tinham-ma baptizado de Nova Amsterdão.

(6) “Diz-lhe homem!... que eu fui atrás dos franceses até Montevideo!” dizia um velho ataíjense no séc. XIX, como hei-de melhor contar noutro texto.

(7) Todas nas cercanias do rio Amazonas e fundadas no Séc. XVIII e baptizadas com um objectivo bem claro: marcar a posse portuguesa do território.

(8) Ver Bill Brysson, “Made in América”, 2ª Edição, Quetzal Editores, Lisboa, 2006

(9) Ver Nota 4.

(10) Aliás, o olival dos frades da Ataíja, Olival do Santíssimo, apenas foi plantado no Séc. XVIII.

(11) Ver Nota 7. Como já se disse, ao longo do rio Amazonas muitas localidades têm nomes de localidades portuguesas. Foi a necessidade de marcar fronteiras que levou ao seu baptismo por atacado

(12) “O Mosteiro de Alcobaça – (Notas Históricas)” foi, como se disse, publicado em 1885 quando o autor tinha vinte e cinco anos de idade. Trata-se. Assim, de uma obra de juventude, o que justificará alguma ligeireza no tratamento de uma matéria, a toponímia, a que, aliás, julgo, MVN não voltou a dar grande atenção.

(13) Maria Augusta Lage Pablo da Trindade Ferreira foi directora do Mosteiro de Alcobaça entre 199_ e 200_.

(14) Carta de 8 de Abril de 1153, pela qual D. Afonso Henriques doou a São Bernardo “(a sua herdade entre) ...Leiria e Óbidos abaixo do monte Taicha, comarca de Lisboa, águas vertentes ao mar. Damo-vos, também o lugar que se chama Alcobaça...”

(15) Alguns exemplos: Ponte de Lima, é, certamente, a povoação que cresceu no lugar onde havia uma ponte sobre o rio Lima. A ponte é sem dúvida anterior à povoação ou, pelo menos, ao nome actual da povoação. Todos concordaremos que não faria sentido uma povoação sem nome à espera de uma ponte para ser baptizada. O mesmo se passa com Oxford (Ox - nome de rio, ford – vau) ou Cambridge (Cam – nome de rio, bridge – ponte), tal como no caso de Ribadesella, em Espanha, nas Astúrias (Riba – de – Sella: acima [na foz] do rio Sella ou com as portuguesas Ribamar [sobre o mar] ou Ribadave [sobre o rio Ave]), ou os casos de Ribatejo e Alentejo, significando, respectivamente, acima do Tejo e para além do Tejo. Também Odemira, Odeceixe, Odeleite e Odelouca foram buscar os nomes aos rios que as banham. Caso muito curioso é o do Rio de Janeiro. Assim baptizado foi o rio que aliás o não era, como se veio a verificar.
O mesmo para Alcobaça e apoiando a tese que defende que o nome resulta da junção dos nomes dos rios, melhor do que o árabe al-Qubasha (carneiros); ou o latim Helicobatia. A verdade é que se podem encontrar, em todo o mundo e sem grandes dificuldades, centenas (provavelmente, milhares), de povoações que receberam o nome dos rios que as banham mas não conheço (existirão – não há regra sem excepção –) casos inversos.

(16) Os nomes dos lugares mencionados na carta são de extrema importância porquanto, para além do objectivo prático que era o de definir as fronteiras do território doado, têm para nós um valor acrescido resultante de dever reconhecer-se que se trata de nomes correspondentes a locais concretos (não significa que se tratasse, necessariamente, de povoações, lugares habitados.) e que têm de se presumir suficientemente conhecidos e reconhecíveis para serem entendidos mesmo por quem previamente os não conhecesse, como era o caso do donatário.

(17) Andam

(18) Mélvoa

(19) O que afasta a hipótese romântica de Pataias ser corruptela de “à pata, aias”.

(20) "Os rios deram o nome a Alcobaça ou Alcobaça generosamente se dividiu em dois para não ficarem os rios anónimos? Parecem brincadeiras de viajante mas são assuntos sérios. E não está bem que nos dêem explicações que nada explicam. Ainda que se deva reconhecer que é perfeitamente possível viver e trabalhar em paz, mesmo sem estar resolvido o problema do nome de Alcobaça." José Saramago, Viagem a Portugal, Círculo de Leitores, Lisboa, 1991, p. 160.

(21) Frei João de Sousa foi um célebre arabista, nascido na cidade de Damasco, na Síria, cerca de 1735, filho de pais nascidos na Índia Portuguesa. Faleceu em Lisboa em 29 de Janeiro de 1812. Para a biografia de Frei João de Sousa, ver http://www.arqnet.pt/dicionario/sousajoaof.html, Edição electrónica © 2000-2003 Manuel Amaral, que transcreve “Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico”, Volume VI, págs. 1045-1046. Edição em papel © 1904-1915 João Romano Torres – Editor.

(22) Prof. Jorge Carvalho Arroteia in http://www.museumonteredondo.net/historia.htm#Capítulo_3.

(23) In Pedro Gomes Barbosa (coordenação) “A Região de Alcobaça na época romana – A estação arqueológica de Parreitas (Bárrio)”, Edição do Município de Alcobaça e do Instituto de Estudos Regionais e do Municipalismo Alexandre Herculano da Faculdade de letras da Universidade de Lisboa, 2008.

(24) Sabemos, no entanto, que a região foi habitada no período Neolítico (o que é diferente de ser habitada desde o Neolítico).

(25) Ainda que alguém por aqui habitasse, o povoado teria tão pouca importância que não seria adequado à marcação de limites tão importantes como os da doação ou os de Leiria. Ao contrário, a serra é um marco evidente.

(26) Mas essa é questão para ser discutida num outro texto.

(27)Mesmo ao lado poente da ponte 25 de Abril.

(28) Tal como aparecem grafadas em árabe no mencionado livro de Frei João de Sousa

Ataíja:


Coroar:




sábado, 14 de novembro de 2009

Capela de Nossa Senhora da Graça

Eis uma belíssima fotografia da Capela de Nossa Senhora da Graça, na Ataíja de Cima, da autoria de Dias dos Reis.
Esta e mais duas fotografias da Ataíja de Cima: um pormenor da Capela e a Estátua do Cabouqueiro, estão na internet  em http://www.panoranio.com/. e, também, em (http://www.pbase.com/diasdosreis)
Vale a pena visitar este site, onde o autor apresenta muitas centenas de fotografias de Portugal inteiro, impecavelmente organizadas por distrito, concelho e freguesia, todas elas de grande qualidade técnica.

Nesta fotografia impressiona-me, sobretudo, a nitidez e a força da Serra dos Candeeiros em fundo.

Ataíja e as Invasões Francesas

Primeira passagem das tropas inglesas


Em 1 de Agosto de 1808, durante a primeira Invasão francesa de Portugal, um corpo expedicionário britânico com cerca de 9.000 homens, sob o comando da Arthur Wellesley, futuro Duque de Wellington, começou a desembarcar na margem sul da foz do rio Mondego, na costa de Lavos. Quatro dias mais tarde juntou-se-lhe uma força de 4.500 homens vindos da Andaluzia, no seguimento da vitória obtida na batalha de Bailen travada em 20 de Julho.

Em 10 de Agosto esta força iniciou a sua marcha para sul e, em Leiria, foi reforçada com mais 2.000 portugueses comandados pelo coronel Trant, oficial inglês ao serviço do exército português. Em 14 de Agosto, Wellesley, comandando, assim, perto de 16.000 homens, estava em Alcobaça (sabendo já que os franceses que, sob o comando de Delaborde haviam sido enviados por Junot para observar e retardar os seus movimentos, se encontravam junto a Óbidos) e, no dia seguinte, chegou às Caldas da Rainha em cujos arredores tiveram lugar as primeiras escaramuças.

No dia 16, os exércitos encontraram-se e o general francês Delabord, inicialmente colocado na planície entre o Pó e a Roliça reposicionou as suas forças de cerca de 4.500 homens, recuando para uma forte posição sobre as colinas a sul da Columbeira, à qual apenas se podia aceder através de íngremes e estreitas ravinas e foi aí que a batalha, conhecida por batalha da Roliça, se veio a travar no dia 17.

Desta vez, o odiado Maneta que se encontrava em Tomar e recebera ordens de Junot para se juntar a Delabord não chegou a tempo e os franceses foram obrigados a retirar. Nesse dia, cerca de 1100 a 1200 homens foram feridos ou perderam a vida. Mais de 600 eram do exército francês e quase quinhentos eram ingleses (incluindo metade do efectivo do 29.º Regimento de Infantaria e o seu comandante, tenente-coronel Lake) e portugueses.

Esta foi a primeira vez que as forças britânicas envolvidas na Guerra peninsular percorreram a nossa região.

Terão estado na Ataíja? Quase de certeza que não. Os movimentos militares são fortemente condicionados pela geografia. Ora, vindo de Leiria para Alcobaça e sem inimigo à vista, o exército movimentou-se com à-vontade pela estrada que seguia pela Batalha e Aljubarrota, com o lado esquerdo do percurso naturalmente defendido pelo vale da Ribeira do Mogo, sobre o qual a cumeeira de Aljubarrota permite uma ampla visão e constitue uma posição dominante que dispensava a necessidade de lançamento de patrulhas para além dele.

O ressoar das botas da infantaria e o dos cascos dos cavalos, o tilintar das espadas e o ranger dos carros da artilharia e das bagagens, esses, hão-de,  ter-se feito ouvir até à base da serra dos Candeeiros.

Acresce que aquele dia 14 de Agosto de 1808 foi um Domingo e os ataíjenses hão deixaram de se deslocar a São Vicente para ouvir a missa. Talvez ainda tivessem visto alguns ingleses e, certamente, os de Aljubarrota e da Cumeira que também lá estavam os hão-de ter visto. Como terá sido o sermão? Talvez um acalorado louvor aos ingleses libertadores e um chorrilho de insultos aos franceses, pedreiros-livres e encarnação do anti-Cristo.

Certamente, hão-de ter sido muitos os comentários angustiados embora esperançosos. É que a região vinha a sofrer as consequências da ocupação francesa pelo menos desde o princípio do ano quando, a 9 de Fevereiro, nove portugueses foram arbitrariamente fuzilados nas Caldas da Rainha por ordem de Loison, o Maneta e, há pouco mais de um mês, em 5 de Julho, o General Kellerman tinha atacado Leiria.

Mas era, apenas, o começo. Nesse dia, os povos não podiam, ainda, adivinhar os tempos difíceis que se iriam seguir.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Quando se jogava futebol na Ataíja de Cima

Na época de 1995-1996, a equipa de futebol do Ataíjense (Grupo Desportivo e Recreativo Ataíjense) integrou a Primeira Divisão do Campeonato Distrital de Leiria, Zona Sul e, à vigésima terceira jornada, na qual ganhou ao Alfeizerense, no terreno do adversário, por uns dilatados 0-8, a equipa teve a honra de uma fotografia no Correio da Manhã de 18-4-96.
Eis a referida fotografia:

Da esquerda para a direita, em cima: Aníbal Tomé; Miguel Branco; Sérgio (dos Moleanos); Pedro Vitorino; Nelson Agostinho; Diamantino Quitério (treinador); Mário Cordeiro (guarda-redes); Francisco Salgueiro (presidente do clube); Manuel Luís (delegado ao jogo, já falecido); em baixo: Carlos Catarino; Vítor Lagarto (dos Casais de Santa Teresa); Francisco Daniel; Pedro Ferreira (do Carvalhal); Adelino (do Carvalhal); Luís Vigário; Rui Coelho (Porfírio); Toni (dos Casais de Santa Teresa); e Aníbal Catarino.
(Com agradecimentos ao Aníbal Tomé e ao Helder Matias  pela sua ajuda na identificação de alguns jogadores)

Não será aqui o lugar adequado mas não resisto a, sem desprimor para todos os demais fotografados, realçar o Francisco Salgueiro que, durante anos foi a alma do clube; o Franciso Daniel que jogou no Ginásio de Alcobaça e, em jovem, tinha potencial que o poderia ter levado muito mais longe e o Diamantino Quitério que era um centro-campista com visão e a quem, ainda como jogador-treinador (talvez na época anterior, 1994/1995), vi jogar e fazer jogar muito bem. Naquele tempo, o Ataíjense jogava bonito!

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

ATAÍJA E AS INVASÕES FRANCESAS

No passado dia 7 de Outubro publicámos aqui um primeiro post sobre este assunto. Outros estão a ser preparados mas no de hoje, motivado por um texto do Dr. Rui Rasquilho publicado em “O Alcoa”, de 5-11-2009, falaremos, antes, da passagem dos ingleses.

A história da Guerra Peninsular, ou Invasões Francesas, tem de ser feita, sobretudo, por recurso ao que na época foi escrito por militares franceses e ingleses já que a bibliografia portuguesa contemporânea é, praticamente, inexistente.

Entre os diversos livros escritos por militares ingleses que naquela época combateram em Portugal, encontra-se o referido pelo Dr. Rui Rasquilho, “The Diary of a Cavalry Officer in the Peninsular War and Waterloo Campaign. 1809-1815”. by the Late Lieutenent Colonel Tomkinson, 16th Light Dragons. Edited by His son James Tomkinson, Second Edition, London Sonnenschein & Co. New York Macmillan & Co. 1895. (“Diário de um Oficial de Cavalaria na Guerra Peninsular e na Campanha de Waterloo. 1809-1815”, pelo antigo Tenente-Coronel Tomkinson, do 16º Regimento Ligeiro de Dragões. Editado por seu filho James Tomkinson, Segunda Edição, Londres, Sonnenschein & Co. Nova Iorque, Macmillan & Co., 1895).

O livro está disponível e pode ser descarregado da internet, em PDF e noutros formatos, em:
 http://www.archive.org/details/cu31924024323663
(lembramos aos eventuais leitores o facto de que existe hoje na internet uma grande massa de informação disponível, a que qualquer um pode aceder gratuitamente).

O original do exemplar disponível na internet é propriedade da Cornell University Library (Biblioteca da Universidade de Cornell, Estados unidos da América) e foi comprado com a renda do Sage Endowment Fund,( Fundo da Doação Sage), oferecido pelo Sr. Henry W. Sage em 1891. (Henry W. Sage foi um rico homem de negócios que, numa atitude muito típica dos americanos ricos doou, em finais do Século XIX, um total de cerca de 2,375 milhões de dólares à Universidade de Cornell, (v. o seu obituário publicado no jornal New York Times, no dia 19-9-1897, disponível, em:
 http://query.nytimes.com/mem/archive-free/pdf?_r=1&res=9502E4DD1039E433A2575AC1A96F9C94669ED7CF))

O livro em questão é muito interessante para o estudo da história das invasões francesas em Portugal e, em particular, na região de Alcobaça, assunto a que dedica cerca de uma dúzia de páginas e é absolutamente notável a qualidade dos mapas que contém.

Ficamos a saber que a unidade do exército britânico a que pertencia o Tenente-Coronel Tomkinson, atravessou a nossa região durante a segunda Invasão Francesa, a caminho do norte do país onde foi combater Soult, tendo saído de Rio Maior em 2 de Maio de 1809, para chegar à Batalha no dia seguinte e a Coimbra no dia 6. Uma vez que, naturalmente, seguiram pela Estrada de D. Maria Pia (actual IC2), passou junto à Ataíja onde, pelos menos os batedores da cavalaria, não terão deixado de entrar.

O Tenente-Coronel Tomkinson passou, de novo, pela nossa região em 5 ou 6 de Outubro de 1810, fazendo parte do exército luso-britânico que havia travado a Batalha do Bussaco e se retirava para as Linhas de Torres. Isto, quer tenha integrado a parte do exército que seguiu por Alcobaça e Caldas da Raínha (nesse caso passando por Aljubarrota), quer a parte do exército que se dirigiu a Rio Maior, pela Estrada de D. Maria Pia. (uma terceira parte do exército caminhou para a região de Lisboa por Ourém e Tomar).

Mais tarde, em 1811, entre os princípios de Janeiro e os de Março, a unidade em que o Tenente-Coronel Tomkinson se integrava esteve instalada na nossa região (esteve, durante algum tempo, sediada em Alfeizerão), conforme descreve a páginas 67 a 78 do seu livro, envolvendo-se em diversos episódios com as tropas francesas. É neste contexto que relata a situação em que encontrou o Mosteiro de Alcobaça, de que fala Rui Rasquilho.

O livro contém referências expressas a factos ocorridos em Alcobaça. Alfeizerão, Aljubarrota, Carvalhos (Pedreiras), Batalha, Cela, Évora, Famalicão, Pederneira, São Martinho e Vestiaria.

Em 6 de Janeiro de 1811, assinala o Diário, as tropas francesas do General Drouet D’Erlon, aquarteladas em Leiria, andavam a pilhar todas as aldeias em redor de Alcobaça, onde os habitantes, habituados às exigências exorbitantes dos frades, tinham por costume antigo esconder os bens. Os franceses, esses, tinham-se tornado tão peritos em encontrar os lugares onde os habitantes escondiam os seus bens, milho, vinho e azeite que, diz Tomkinson, chegavam a inundar os terrenos em redor das casas e escavavam nos sítios onde a água se sumia pois aí, provavelmente, estavam covas onde se escondia o milho e mediam as casas por fora e por dentro para tentar encontrar divisões secretas onde esses bens estivessem escondidos. (recorde-se que os franceses não dispunham de outro modo de se alimentar e aos animais, senão pilhando os bens das populações).

Em 7 de Março, tendo recebido ordem para seguir para Leiria e Ourém, Tomkinson passa em Alcobaça e anota que a destruição no Mosteiro excede tudo o que antes tinha visto. Os túmulos de D. Pedro e de D. Inês estavam arrombados e os franceses tinham queimado o que puderam (segundo Rasquilho, Tomkinson diz que o incêndio do Mosteiro durou 22 dias mas,não encontramos essa referência no livro) e destruído o restante, num trabalho deliberado e moroso, demasiado trabalho para o resultado, diz.

Em 9 de Março Tomkinson está na Batalha e anota que os franceses, na sua retirada, saqueiam, incendeiam e destroem as vilas e aldeias por onde passam, deixando os camponeses na maior miséria e matam muitos “cujos corpos nós vemos em cada dia que passa”.

domingo, 8 de novembro de 2009

O Trigo

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Nos anos setenta do Séc. XX ainda se cultivava trigo na Ataíja de Cima e era corrente o uso de tracção animal.
A eira do trigo era no terreno chamado "quintal da Rosalía", na Rua das Covas onde, anualmente, se instalava a debulhadora do Leonídio (ou debulhadeira, como também se dizia por cá) .
As fotografias seguintes foram tiradas, por mim, em data que não posso precisar, no verão de 1976.
A consertar a carrada está o Joaquim da Pequena e, a dar os molhos, o António Matias, vislumbrando-se, atrás deste, António Agostinho da Graça, meu tio, já falecido e que era pai do Joaquim e sogro do António e proprietário do trigo e das vacas (e do carro, está claro!).
A terceira fotografia é já na eira, no quintal da Rosalia. A debulhadora e a enfardadeira (que lhe estava acopulada e se não vê na fotografia) eram movidas pelo tractor que se vê em primeiro plano.
Sobre a debulhadora vêem-se dois homens: um recebe os molhos do trigo e corta o atilho, o outro introduz o cereal por um alcapão para ser debulhado (era chamado o aumentador).
Em baixo, sob a correia que liga o tractor à debulhadora vê-se um outro homem que está a receber os grãos de trigo já debulhados para sacos de sarapilheira (era o saqueiro). Este era o chefe da eira, o que comandava todas  as operações, pesava o trigo debulhado e cobrava as maquias.
Há, na cena, mais três homens: dois carregam, à forquilha, os molhos do trigo para cima da debulhadora, o terceiro, sobre a meda (a amoreia, dizíamos nós), coloca os molhos (dizía-se os feixes) a jeito de serem espetados pela forquilha.
O trabalho na eira envolvia mais gente. Às vezes a meda ficava relativamente longe e, aí, toda a gente era pouca para chegar os molhos para junto da debulhadora. Havia, ainda, para a enfardadeira, pelo menos mais cinco pessoas: O rapaz que preparava os arames de fardo, o aumentador que, munido de uma forquilha, empurrava a palha, vinda da debulhadora, para dentro da prensa, dois homens, um de cada lado, para colocar os arames no fardo, um outro para os retirar da enfardadeira e os carregar até local próximo, onde os empilhava para serem, posteriormente, recolhidos pelo proprietário.