quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Ataíjenses na(s) América(s)



Há vários indícios de que no Século XIX, pelo menos a partir da extinção das Ordens Religiosas e das profundas alterações na propriedade e no sistema produtivo que, na nossa região, se verificaram em virtude da saída dos frades de Alcobaça e da consequente venda dos bens fradescos a uma burguesia emergente, havia na Ataíja escassez de mão-de-obra.

Será isso que justifica a fixação na nossa aldeia de um relativamente elevado número de enjeitados, de tal modo que a generalidade dos actuais ataíjenses têm entre os seus ancestrais, avós, bisavós e trisavós, que eram enjeitados.

Talvez por essas razões, a Ataíja de Cima não acompanhou o fortíssimo movimento que, a partir do primeiro quartel do Séc. XIX e durante cem anos, levou cerca de 1.300.000 portugueses pelos caminhos da emigração, sobretudo para os Estados Unidos e o Brasil.

Apesar disso, alguns ataíjenses emigraram no inicio do Séc. XX. Nenhum, que eu saiba, para o Brasil mas um (meu tio-avô) emigrou para a Argentina e por lá faleceu sem que os familiares tivessem tido outras notícias dele.

Pelo menos três emigraram para os Estados Unidos: Um deles foi Francisco Sabino, avô paterno do nosso amigo Américo de Sousa Sabino, o qual em 20 de Agosto de 1913 vivia em New Bedford, Massachussets, conforme se vê de uma procuração que nessa data passou a sua mulher Maria Coelho. Outro, de quem apenas sei que tinha o apelido Ângelo que transmitiu aos filhos, foi o sogro da minha tia Angélica. Outro ainda, de quem apenas sei que foi marido da Benedita, uma senhora cuja naturalidade desconheço, sempre conheci viúva e só e morava no início da Rua das Seixeiras, numas casas que agora são de António Baptista Vigário (António Sabino).

Possuo a foto de um desses emigrantes, (ou outro, não sei, chamava-se, talvez, Joaquim Batista que é o nome que aparece repetidamente escrito a lápis no verso da fotografia) o qual se fez fotografar por M. B. Pereira, um célebre fotógrafo açoriano que tinha estabelecimento no n.º  574 de South Water Street, em New Bedford.[i]


(no verso da foto, escrito a lápis: "Joaquim Batista")



(Foto, de 2010, da casa que foi da minha tia Angélica da Graça e, antes, de seus sogros. A parte da casa a partir do postalete de electricidade, para o lado da estrada, corresponde a dois quartos que se ligam à "casa de fora" por uma grossa parede de pedra. Um dia, estranhando eu esse facto, por inabitual, a minha tia explicou-me que tinham sido mandados construir (e acrescentados à casa original) pela sua sogra, "com dinheiro que o meu sogro mandou da América")


  
Mais tarde, nos anos 50, Manuel Sabino (filho de Francisco Sabino) emigrou também, fixando-se no Canadá

Posteriormente, pelo menos mais quatro ataijenses emigraram para o continente norte-americano e aí vivem actualmente.






[i] O fotógrafo já não existe mas New Bedford é, ainda, hoje, um lugar onde não é indispensável falar inglês, nem comer hamburgers ou beber coca cola, já que a cada esquina se encontra um português e um estabelecimento de nome português, onde é possível comprar de tudo e comer e beber exclusivamente produtos portugueses.


domingo, 11 de novembro de 2018

El Rey Del Mundo





El Rey del Mundo é uma marca cubana de charutos cujas origens remontam a 1848 e no auge do seu prestígio, no início do séc. XX, era a marca de charutos mais famosa e mais cara do mundo.
A partir dos anos de 1960, 1970, os gostos dos fumadores começaram a evoluir para sabores mais fortes e El Rey del Mundo com os seus charutos de sabor suave (que ainda se mantém) deixou de ser a principal marca de havanos.

Em 1905 a fábrica que produzia estes charutos foi adquirida por Diaz Hermanos & Co., que mais tarde mudou o nome para Rey del Mundo Cigar Co, para beneficiar do prestígio do seu mais valioso produto.
Actualmente, os charutos El Rey del Mundo são produzidos pela empresa estatal Habanos S. A.
Por razões que não logramos esclarecer com rigor e pelo menos desde cerca de 1956, sob a mesma marca El Rey del Mundo e usando logotipo semelhante, existem no mercado charutos que nada têm a ver com os verdadeiros havanos, fabricados, até 2009 nas Honduras e depois disso, na Nicarágua, por uma empresa americana designada Villazon & Co.

A caixa que temos presente e cujo interior da tampa acima reproduzimos terá mais de cem anos e é, sem dúvida, posterior a 1912 e anterior a 1920.
De facto, se o logo já ostenta a nova denominação da empresa, Rey del Mundo Cigar Co, no papel que cobre a parte lateral da caixa é visível a legenda Diaz Hermanos & Co, o que nos remete para o período de transição entre ambas as denominações da empresa proprietária. O “Sello de Garantia Nacional de Procedência”, cujos restos se encontram colados no fundo da caixa, mostra que ela é posterior a 1912, data da criação daquele selo e anterior a 1931, data em que o selo sofreu ligeiras alterações.
Tudo, aliás, é bem coerente com o facto de a caixa fazer parte do que foi o espólio hereditário da ataijense Joaquina Coelho, que a terá recebido de seu pai Francisco Sabino que, no início do séc.XX, foi emigrante na América.


Nome bem posto: El Rey del Mundo.
Assim se havia de sentir o emigrante regressado, ainda que com escassos dólares no bolso, a fumar um verdadeiro e perfumado charuto cubano.

O cabelo bem cortado e bem penteado, o bigode encerado, a camisa branca onde brilhava uma gravata de seda, os sapatos, o fato completo de calça, cinto de cabedal, casaco com um decorativo botão na lapela e um lenço branco, bordado, a emergir do bolso, o colete atravessado pela corrente do relógio, tudo havia de fazer um brutal contraste com os seus bisonhos vizinhos, diariamente descalços, cabeça sempre coberta por um negro barrete de borla, vestindo camisas sem colarinho e calças de cós alto onde se enrolava uma longa e negra cinta de pontas pendentes. 

Assim era o emigrante regressado de New Beresford, Massachussetts, América, nos inícios do Séc. XX. Como havemos de ver em próximo post.