sábado, 25 de junho de 2011

Alqueire

Quanto mede um alqueire?



Alqueire, palavra que vem do árabe, era uma antiga medida portuguesa para sólidos, usada desde o final do Séc. XI ou princípios do Séc. XII. Teve uso legal até meados do Séc. XIX, quando foi adoptado o sistema métrico. Apesar disso, continuou a ser largamente usada durante mais cem anos, sobretudo nas zonas rurais e, na Ataíja de Cima, era até há poucas décadas a única medida corrente para grãos.

Mediam-se em alqueires todos os grãos que a terra dava: trigo, milho, feijão, grão-de-bico, favas, ervilhas, chícharos, cevada e aveia, etc.

Do mesmo modo que com a generalidade das demais medidas antigas e apesar das diversas tentativas, nunca foi possível adoptar um padrão que fosse respeitado por todos, pelo que a capacidade do alqueire variava de região para região.

Até dentro da mesma região, a capacidade do alqueire variava com frequência.

Como se vê de uma escritura de 15 de Janeiro de 1912, celebrada no cartório do notário José da Encarnação Lopes Pelayo, de Alcobaça, pela qual Luis Ribeiro, da Ataíja de Cima, comprou a José Trindade Oliveira e esposa D. Maria do Livramento Sousa e Oliveira, de Alcobaça …
“… o domínio directo de um foro de três alqueires e meio ou quarenta e nove litros de trigo, imposto sobre uma terra de semeadura aos Fiéis de Deus, de que o comprador é enfiteuta, a confrontar de Norte com Genoveva Maria viúva, Sul com Tibúrcio dos Santos, Nascente Constantino dos Santos e Poente com caminho público, que é deles vendedores que a herdaram de sua mãe e sogra D. Maria Amália Trindade Oliveira”.

As contas são fáceis de fazer e conclui-se que, aqui, um alqueire correspondia a 14 litros.

No entanto, trinta e oito anos antes, um outro Luís Ribeiro, pai daquele acima referido, numa escritura celebrada em 25 de Janeiro de 1874, em Alcobaça, no cartório do tabelião Francisco Eliseu Ribeiro, confessou-se devedor a Maria Micaela, dos Casais Canários, Vestiaria, da quantia de quarenta e oito mil réis (48$000), de que ficava a pagar uma retribuição anual de …
“… oito alqueires de trigo, correspondentes a noventa e sete litros e setecentos e tetenta e cinco mililitros”.

Feitas as contas, vê-se que, desta vez, um alqueire correspondia a 12,219375 litros.

Há dias, encontrei um velho meio-alqueire que, por pouco, escapou ao tempo e ao caruncho:


É construído em tábuas de madeira com 15mm de espessura e tem, interiormente, as medidas de 225x225x135mm ou seja, a capacidade de 6,834375 litros, pelo que o correspondente alqueire há-de ser equivalente a 13,668750 litros.


NOTAS:
- A volatilidade das medidas tradicionais, fica aqui bem clara, já que, no curto espaço de cem anos, temos - na mesma localidade -  três capacidades diferentes para o alqueire.
- A equivalência que nestas escrituras se faz, entre alqueires e litros, destina-se a compatibilizar a exigência legal da adopção do sistema métrico com as medidas que, efectivamente, se usavam.
- Da segunda escritura referida extrai-se um outro dado interessante:
Sabendo-se que, naquela época, os juros normais eram de 7%, podemos calcular o preço do trigo:
7% de 48$000 = 3$360 réis = 8 alqueires de trigo, logo, 1 alqueire de trigo = 420 réis.
- O alqueire subdividia-se em meios-alqueires, quartas e oitavas.
- Complemento indispensável do alqueire era a rasoira, pequena régua ou rolo de madeira que se fazia deslizar sobre o bordo da medida, para retirar todo o grão que estivesse acima dele.
- Também se mediam em alqueires as batatas, as nozes e as castanhas. Mas estas não se rasoiravam, sendo, aliás, costume deixar algumas acima do bordo (o cogulo).
- Em algumas regiões - que não na Ataíja de Cima - também os líquidos se mediam em alqueires. Ainda hoje, na região de Tomar, se diz que dez litros de azeite é um alqueire de azeite.
- Repara-se na(s) pega(s) do meio-alqueire fotografado. O posicionamento na vertical, destina-se a facilitar o basculamento para o despejo do grão no recipiente de armazenamento ou transporte.


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domingo, 19 de junho de 2011

A classificação como estrada municipal, do caminho entre Aljubarrota e a Ataíja de Cima

(actual estrada municipal n.º 553 - Estrada do lagar dos Frades)


Em 1897, três anos depois da classificação do caminho entre a Lameira e os Casais de Santa, passando por Carvalhal, Ataíja de Baixo e Ataíja de Cima, como a primeira estrada municipal que serviu a nossa aldeia, (assunto a que nos referimos no post anterior), prosseguia o trabalho de definição da rede de estradas do concelho de Alcobaça.

Assim, o decreto de 1 de Fevereiro de 1897, acrescentou à rede mais um conjunto de caminhos, entre os quais o caminho de ligação entre Aljubarrota, o Cadoiço e a Ataíja de Cima (actual estrada municipal n.º 553), com o que se abandonou o caminho secular que, pela actual Rua da Ponte, ìa até às Marmeleiras (mais ou menos onde actualmente decorrem trabalhos para exploração de gás natural) sítio onde, como ainda agora, se cruzava com acessos ao Mogo e ao Cadoiço e, daí, subia até São Vicente.



Veja-se como o redactor continua a ter problemas com a palavra Ataíja: se no decreto de 28 de julho de 1894 escrevia “Ataya”, agora usa o não menos incorrecto “Ataeija”.

Repare-se que, das estradas que constam do decreto, algumas se referem a localidades que, hoje em dia, se encontram no município de Porto de Mós.
Isso deve-se ao facto de, em 1897, todas pertencerem ao concelho de Alcobaça, já que o conselho de Porto de Mós foi extinto por decreto de 7 de setembro de 1895. A extinção foi, no entanto, de curta duração, tendo o concelho de Porto de Mós sido restaurado, menos de três anos depois, pelo decreto de 13 de janeiro de 1898.
Durante este curto período passaram para o concelho de Alcobaça a maioria das freguesias de Porto de Mós, incluindo a sede e excluindo Alqueidão da Serra que passou para o concelho de Leiria e Minde e Mira (de Aire) que passaram para o concelho de Torres Novas.
Pelo mesmo decreto de 7 de setembro de 1895, o concelho de Alcobaça perdeu as freguesias de Alfeizerão, Famalicão (é hoje uma das três freguesias do município da Nazaré) e São Martinho do Porto que passaram para o concelho das Caldas da Rainha.

 
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segunda-feira, 13 de junho de 2011

O Caminho do Concelho

Rua dos Arneiros


Poucos ataíjenses saberão hoje que este nome – Caminho do Concelho – já foi dado à Rua dos Arneiros como se vê de uma escritura de 1912, na qual se identifica uma certa propriedade que então pertencia a Maria de Sousa, viúva de João Coelho, como:

“uma terra de semeadura no sítio dos Arneiros que parte de Norte e Poente com Caminho do Concelho, Sul com João Maurício e Nascente com Lourenço de Moura”.

Quando li esta escritura pela primeira vez fiquei muito intrigado, pois nunca ouvira tal designação. A explicação parece encontrar-se no plano de construções de estradas que foi levado a cabo a partir de 1850.

Nesse ano, ainda no reinado de D. Maria II e sob o governo de Costa Cabral, começou a definir-se (Carta de Lei de 22 de Julho de 1850) um ambicioso plano de obras públicas que havia de ter o seu grande desenvolvimento sob Fontes Pereira de Melo e incluía uma rede de estradas reais que deveria ligar Lisboa a todas as capitais de distrito e cada uma destas às capitais de distrito próximas e aos caminhos-de-ferro e portos e cometia aos municípios o encargo de construir uma rede de estradas municipais e intermunicipais para o que veio, aliás, a ser lançado um imposto municipal sobre os residentes.


Noutra altura falaremos sobre a resistência das câmaras em aceitar a sua parte do encargo. Por agora, apenas diremos que o primeiro caminho para a Ataíja de Cima a merecer a designação de estrada municipal foi o que, como ainda hoje, vai da Lameira, pelo Carvalhal e Ataíja de Baixo, à Ataíja de Cima e aos Casais de Santa Teresa, o qual foi classificado como estrada municipal de 2ª classe pelo Decreto de 28 de Julho de 1894:

Note-se, a título de curiosidade, as dificuldades do redactor com a palavra Ataíja.

Entenda-se a maior importância que o município deu a esta estrada, em detrimento da ligação a Aljubarrota que hoje nos pareceria mais lógica: O que a Câmara pretendia era a definição de uma rede de caminhos radiais que conduzissem das povoações à sede do concelho.

Note-se, ainda, que a classificação desta estrada não parece ter implicado, pelo menos na parte entre a Ataíja de Baixo e a Ataíja de Cima, a sua efectiva conformação com os requisitos técnicos mínimos legais aos quais, tanto quanto me lembro, ainda nos anos de 1960 não obedecia (não possuía, designadamente, em muitos pontos, a mínima largura de livre trânsito de 4 metros, exigida no Decreto de 31 de Dezembro de 1864).

Lembre-se, por outro lado que, na parte entre a Ataíja de Cima e a Ataíja de Baixo este é, em qualquer caso, um caminho moderno que, como já assinalámos (ver aqui) parece que ainda não existia no final do Séc.XVIII.

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segunda-feira, 6 de junho de 2011

A propriedade do olival dos Frades da Ataíja de Cima, depois dos frades – II

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À aquisição do olival dos frades - Olival do Santíssimo - da Ataíja de Cima, por Matias Ângelo, em 1918, deve ser atribuído um valor simbólico que é o de coroar um processo, longo de quase um século e, aliás, nunca completado, de apropriação, pelos naturais residentes, das grandes propriedades rurais que no antigo regime pertenciam aos frades e à pequena nobreza e, após a vitória do liberalismo e o fim das Ordens Religiosas, à nova nobreza liberal, e à burguesia de uma Alcobaça que, durante a segunda metade do Séc. XIX gozou – liberta agora do jugo fradesco, - de um crescimento acelerado.

Foi, no entanto, de pouca dura a posse ataíjense do olival dos frades. Com a sucessão de Matias Ângelo, assistiu-se à divisão da propriedade pelos seus herdeiros e, logo de seguida, ao início do processo da sua alienação.

De facto, em 11 de Maio de 1931, apenas cerca de treze anos após a famosa compra, Matias Ângelo e sua mulher, Francisca Rosa que foi conhecida por Francisca Félix, fizeram doação do olival dos frades aos seus filhos, reservando para si o usufruto vitalício, usufruto esse que seria reduzido a metade após a morte de um deles.

Logo, em 29 de Maio de 1933 seguinte, os quatro filhos fizeram a divisão da propriedade entre si e, menos de três meses depois, em 20 de Agosto do mesmo ano, Matias Ângelo faleceu.

Cinco anos depois, em 22 de Outubro de 1938, Manuel Ângelo da Silva comprou a seu irmão José Ângelo da Silva a parte deste no olival.
Um ano depois, em 30 de Outubro de 1939, o mesmo Manuel Ângelo da Silva, vendeu metade do que tinha comprado a seu irmão José: Um oitavo do olival dos Frades, na parte vendida com a área de 63.000 metros quadrados, confrontando a Norte com Basílio Pereira Clemente e herdeiros de José Pereira Clemente, a Sul com José da Fonseca, a Nascente com Serra e a Poente com caminho do Barreirão. O preço declarado foi de 10.000$00 (inferior ao valor da matriz que era de 10.718$40).

O comprador, acabado de regressar dos Açores, foi José Rodrigues da Silva Mendes, o célebre Capitão Silva Mendes, natural de Turquel, que foi por duas vezes Governador Civil de Leiria, a primeira ainda quando tenente, entre 18-02-1930 e 09-09-1931, a segunda, já Capitão, entre 19-04-1933 e 24-04-1935. Governador Civil do Distrito da Horta (Açores) entre 03-03-1937 e 17-03-1939 e, mais tarde (1957-1961), deputado da União Nacional.

Em circunstâncias que ainda não consegui apurar, também o industrial alcobacense Raul Ferreira da Bernarda e sua mulher Mariana Coelho, se tornaram proprietários de uma quarta parte do Olival dos Frades, de que, em 21 de Agosto de 1944, estavam a vender ao ataijense José Ribeiro 7/16.
A propriedade é identificada na respectiva escritura como “Um olival denominado Olival do Santíssimo, confronta Norte com Basílio Pereira Clemente, herdeiros de José Pereira Clemente, Francisco Vigário, herdeiros de Francisco Malhó e outros, Sul com José Fonseca Júnior, Nascente com Serra e Poente com caminho da Ataíja e herdeiros de José Pereira da Conceição. Parte desanexada e vendida: sete dezasseis avos. A parte vendida é olival e confronta a Norte com Basílio Pereira Clemente, Sul com José Fonseca Júnior, Nascente com Serra e Poente com caminho do Forno”.

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