terça-feira, 31 de maio de 2011

Inês Neves expõe nas Caldas da Rainha

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Depois do grande êxito que foi a exposição da Batalha, a que em devido tempo nos referimos (AQUI), Inês Neves vem agora apresentar ao público mais uma etapa do seu trabalho, desta vez relativo ao património religioso edificado do concelho das Caldas da Rainha.







A Mostra estará presente ao público na Galeria Municipal Osíris, Caldas da Rainha, de 3 de Junho a 3 de Julho.

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segunda-feira, 30 de maio de 2011

Um testamento de 1822

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Escritura de Testamento de última e verdadeira vontade que fez a Srª. Micaella dos Santos Viúva do Lugar da Ataíja de Sima

Anno 1822





Saibão quantos este Público Instrumento de Testamento de última e verdadeira vontade como em Direito melhor lugar tiver virem que sendo no Anno do Nascimento de nosso Senhor Jesus Christo de Mil Oito Sentos e Vinte e dois aos doze dias do Mês de Janeiro do dito Anno nesta Villa de Aljubarrota e meu Cartório apareceu prezente Micaella dos Santos Viúva que ficou de Manoel Lopes moradora em o Lugar da Ataíja de Sima termo desta dita Villa a qual eu Tabelião conheço ser a própria e as testemunhas aqui nomeadas e assignadas do que dou fé em cuja prezença a sobredita Micaella dos Santos que estava de saúde perfeita e com todo o seu Juízo e capacidade me foi dito na prezença das mesmas testemunhas do que dou fé que temendo a morte e não sabendo quando Deus Nosso Senhor será servido dar-lha por essa rezão ordenava este seu testamento para o tempo da sua Morte da última e verdadeira vontade pelo theor seguinte = Primeiro do que tudo disse que encomendava a sua Alma a Deus que a criou e a entrega a Jesus Christo que a remiu com o seu Sangue e roga a Virgem Maria Nossa Senhora interceda por ella quando deste Mundo partir = disse que queria se lhe dissesse pela sua Alma Seis mil reis de Missa e pela Alma de seu Marido Nove mil reis humas e outras dentro do tempo de tres annos depois do seu falhamento e tanto humas como outras da Esmola de Sento e vinte reis cada huma (…) herdeiro Testamenteiro abaixo nomeado as quizer (…) por uma só vez = Disse que deixava a Ricardo(ou Bernardo?) dos Santos Exposto do Hospital Real da Cidade de Lisboa que criou em sua Caza hum talho de terra de Pam com suas arvores no Sítio da Seixeira que parte de Norte com Joaquim Rodrigues e assim mais outra Fazenda Terra de Pam e pouzio tapada sobre si no Sítio da Figueirinha que parte do Nascente com Manoel Vitorino do Cadoiço cujas propriedades lhe deixa em paga e satisfação de alguma couza que lhe deva do tempo em que viveu com ella testadora … por isso que se elle legatário se opozer em todo ou em parte a este meu Testamento ou pedir ao meu herdeiro mais alguma couza então neste caso ficará sem efeito este legado e nada lhe deixo e poderá haver do meu herdeiro Quatro mil e Quatro Sentos que lhe forão Julgados no Juízo dos Orfãos de Alcobaça e he somente quanto (…) em minha consciência lhe devo = Disse que do restante dos seus bens que por sua Morte se acharem (…) instituhe por seu universal herdeiro e Testamenteiro a Paullo dos Santos que vive em sua companhia por ser o seu único amparo e ser com quem prezentemente se acha e espera que o mesmo lhe faça enquanto viva for E por esta maneira disse que tinha feito o seu Testamento de ultima vontade por estar muito de sua vontade e satisfação (…) e isto tudo por não ter descendentes nem ascendentes. Assim o Louvou e Outorgou sendo testemunhas que aqui assignarão depois deste em prezença de todos ser lido e assigna a rogo da testadora por não saber assignar José Francisco Pereira Professor de primeiras letras nesta Villa e mais testemunhas o Alferes António Gomes do Lugar da Boa Vista Felles dos Santos do Lugar do Cadoiço e Joaquim José Maricano da Cumeira José Inácio e Joaquim Ferreira ambos desta mesma Villa todas assignaram em prezença da mesma Testadora e Eu José Gomes Coelho Tabelião Público Judicial e Notas em esta dita Villa e termo que o escrevi = A rogo da Testadora José Francisco Pereira = António Gomes Coelho = De Manoel digo de José Ignácio testemunha huma Cruz = De Joaquim José Maricano huma Cruz = Joaquim Ferreira E não se contem mais no dito testamento do que dito fica e ao próprio me reporto em minha nota dadonde fielmente fiz cópia sem haver couza que dúvida fassa (…) E Eu José Gomes Coelho Tabelião Público etc.


Este testamento (cuja transcrição é da responsabilidade do autor deste blog) tem muitos pontos interessantes e curiosos que interessa rever:

1. A “modernidade” do nome “Micaela”, da testadora;
2. O apelido do seu marido “Lopes”, apelido este há muito desaparecido da Ataíja de Cima;
3. Em 1822, Aljubarrota ainda era concelho e, por isso, tinha vários funcionários, entre eles o redactor do testamento, o Tabelião (oficial público que faz e conserva as notas ou traslados de escrituras e outros documentos autênticos. Notário) do público, judicial e notas, José Gomes Coelho;
4. Os legados são feitos pela testadora a “Ricardo(ou Bernardo?) dos Santos Exposto do Hospital Real da Cidade de Lisboa que criou em sua Caza”, o que prova que, pelo menos desde o final do Séc.XVIII, se criavam enjeitados na Ataíja de Cima. Do mesmo modo, também o herdeiro designado Paulo dos Santos é, certamente e embora o testamento o não diga, enjeitado;
5. Em Aljubarrota já havia em 1822 um “professor de primeiras letras”, José Francisco Pereira;
6. A testadora e duas das testemunhas, José Inácio, de Aljubarrota e Joaquim José Maricano, da Cumeira, eram analfabetos;
7. O apelido Maricano de uma das testemunhas é, talvez, uma alcunha (por Americano?)
8. O alferes António Gomes, ou António Gomes Coelho tem os mesmos apelidos do Tabelião. Eram, provavelmente, familiares;
9. O facto de a testadora, o legatário e o herdeiro terem o apelido Santos não indicia qualquer relação familiar entre eles. O apelido Santos refere-se a Todos-os-Santos e era, comummente, atribuído a crianças enjeitadas que, por não se saber de quem eram, eram de Todos-os-Santos.

terça-feira, 24 de maio de 2011

O Tabuleiro das Tripas

Um objecto indispensável na matança



Numa casa rural típica da Ataíja de Cima da minha meninice, os objectos, os utensílios e as ferramentas eram poucos e muitos deles improvisados. Por contraste, alguns dos existentes tinham uma utilidade muito específica, não servindo senão numa determinada época e, alguns deles, apenas uma vez por ano.

É o caso dos instrumentos e outros objectos próprios da matança do porco: A escápula onde se dependurava o animal morto, o grande tacho de barro onde se cozinhava a cachola, o sovelão a que chamávamos o cebolão, os pequenos funis de lata que serviam para encher as tripas e fazer as morcelas e demais enchidos, a faca com que se abria e desmanchava o animal e ficava o resto do ano cuidadosamente guardada, embrulhada em papel pardo e o tabuleiro das tripas de que hoje falamos.

Dependurado o animal, o desmanchador abria-o com um golpe vertical no ventre e, cuidadosamente, para que se não rompessem, ia puxando e retirando as tripas que suavemente deslizavam para o tabuleiro, para irem a lavar.

E para mais nada servia este tabuleiro.



O tabuleiro que aqui apresentamos, foi da minha tia Joaquina Pequena, tem várias dezenas de anos de existência e mantêm-se na família como memória desses tempos já antigos.





Um desenho, à escala, do mesmo tabuleiro:



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terça-feira, 17 de maio de 2011

A Arilhada

Vara ou pá?


Arilhada é palavra que não encontrei nos dicionários que, apenas registam uma palavra muito parecida: aguilhada s.f. Vara com ferrão para instigar os bois.


Neste sentido, quase todas as varas para tocar bois são aguilhadas, já que quase todas têm ferrão e a pá para limpar a charrua há-de ter, noutros locais, um outro nome qualquer mas, na Ataíja, arilhada era uma pequena pá de forma triangular que se usava para, durante a lavoura, limpar a charrua, designadamente no final do rego quando era preciso virar a aiveca. A vara que lhe servia de cabo (a vara da arilhada) era simultaneamente utilizada para tocar as vacas (e, curiosamente, quase nunca tinha ferrão. É que, durante a lavra, a instigação dos animais tem de ser especialmente suave e controlada, já que o que se pretende é um rego bem direito, para que a leiva fique uniforme, garantindo-se, assim, uma correcta lavra do terreno).

A vara da arilhada tinha, assim, de ser suficientemente comprida para ultrapassar todo o comprimento da charrua e chegar aos quartos traseiros dos animais, para os poder tocar (ficando ainda, para trás da mão do lavrador, uma extensão suficiente de vara que, com o peso da arilhada, a pudesse equilibrar). Daí resultava uma vara grande e pesada, cujo manejo (a uma só mão que a outra mão era necessária para segurar a rabiça e, por aí, conduzir a charrua) exigia perícia.



 
 
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1ª Feira de Artesanato e Oficios de Aljubarrota

28 e 29 de Maio de 2011


Com inauguração às 15H00 de sábado, dia 28 de Maio de 2011, vai realizar-se no Largo da Padeira, em Aljubarrota, a

1ª Feira de Artesanato e Oficios de Aljubarrota

Não conhecemos, ainda, o programa completo, mas está prometida a presença de muitos artesãos da região a trabalhar ao vivo, entre os quais alguns artesãos ataijenses.

Será possível, além do mais, ver como se faz um sapato, uma manta de trapos, um cesto de vime, uma figura de barro, etc.

Haverá animação musical com exibições dos ranchos folclóricos dos Casais de Santa Teresa e dos Moleanos e do grupo musical Os Farras.

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domingo, 8 de maio de 2011

A Canga

da junta das vacas


A canga, também chamada jugo, é uma peça de madeira que serve para unir a junta dos bovídeos e, repousando sobre o cachaço dos animais, permite a atrelagem do carro através da cabeçalha, ou da charrua, da grade e do trilho, através do timão (ou temão a que, na Ataíja, chamávamos “as solas”).

A canga, com os seus acessórios, que agora apresentamos, serviu à junta de vacas que trabalhava com o carro referido no post “O carro das vacas” (AQUI), e pode ser vista em pleno trabalho (AQUI).



No caso concreto, trata-se de uma peça com o comprimento de 156 cm e uma secção de forma sensivelmente rectangular (com todos os vértices boleados, sem arestas) e, com dimensões variáveis entre 6x9 cm e 6x15cm, aproximadamente.

Da canga, fazem parte os cangalhos, que são quatro peças de madeira com cerca de 25 cm de comprimento que cingem o pescoço das vacas. Estão cravados obliquamente na canga, os de fora a cerca de dez centímetros do extremo da canga e os de dentro afastados dos primeiros 22 cm, afastamento esse que nas respectivas pontas aumenta para 30 cm.

A amarração da canga às vacas e ao carro ou outras alfaias faz-se através de um conjunto de peças de couro que se podem ver na fotografia e são as seguintes:


Brochas – Par de tiras de couro, às vezes entrançadas, colocadas na parte inferior dos cangalhos, que ligam a canga ao pescoço das vacas, passando-lhe sob a barbela. (a)

Piaças – Par de tiras fortes de couro, com fivela, que ligam as bases dos cornos das vacas à canga. É por aí que os animais fazem a força para puxar o carro ou as alfaias.

Sobrebrocha - Tira forte de couro que, fortemente fixado na canga e passando por um furo horizontal existente na frente da cabeçalha, liga canga e carro em tensão.

Tamboeiro – (Tamoeiro). Peça de couro forte com as pontas cozidas uma à outra, formando um círculo e que, dobrada, ocupa o centro da canga onde encaixa em ranhuras apropriadas, deixando abaixo dela uma abertura por onde entra a cabeçalha que, travada pela chavelha, aí fica em suspensão.


 
(a) Num sentido completamente diferente, também se chamavam brochas às cardas (pregos curtos de cabeça larga e arredondada) que se pregavam nas solas de botas e sapatos e, também, dos tamancos de madeira, para impedir o desgaste pelo uso.
 
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