terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Couseiro ou Memórias do Bispado de Leiria




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Neste blog já referimos, mais de uma vez, esta importante obra, de autor anónimo do Séc. XVII, a qual contém uma exaustiva descrição de todas as paróquias do Bispado de Leiria, com suas igrejas, capelas e ermidas.



Voltamos a ela, apenas, para dar aos interessados a notícia de que, (transcrevemos do site da editora Textiverso, em http://www.textiverso.com/):

“Finalmente, no dia 10 de Dezembro de 2011, foi apresentada no Arquivo Distrital de Leiria a 4.ª edição absoluta do importante livro Couseiro ou Memórias do Bispado de Leiria, transcrição da 2.ª edição, de 1898. O livro agora dado à estampa tem 464 páginas e é uma edição da Textiverso, de Leiria, com o patrocínio de um amante das coisas leirienses, o Eng. Ricardo Charters d’Azevedo.
Este é um dos mais notáveis livros da bibliografia de Leiria, que dá conta dos acontecimentos do Bispado de finais do século XVI até à primeira metade do século XVII. Dele se conhecem três edições: uma, datada de 1868, da responsabilidade do P.e Inácio José de Matos, eclesiástico do Bispado de Leiria; uma segunda, da responsabilidade do mesmo eclesiástico, de 1898, mas cujo título foi ligeiramente alterado para O Couzeiro ou Memórias do Bispado de Leiria, com longo apêndice; e uma terceira edição, que é a reimpressão da primeira, da responsabilidade do P.e António Francisco Pereira e publicada, primeiro, em fascículos no jornal "O Mensageiro", de 25 de Maio de 1978 a 25 de Setembro de 1980, e, depois, em livro encadernado, sem data. Estas edições, contudo, não são mais do que a transcrição de cópias de um manuscrito escrito entre os finais do século XVI e meados do século XVII, já desaparecido, mas que têm diferenças importantes, como escreve o P.e Inácio José de Matos no prefácio à segunda edição, de 1898.
Na presente edição, a 4.ª, que é uma transcrição da 2.ª, foram igualmente incluídos, e pela mesma ordem, diversos suplementos que atingem mais de centena e meia de páginas com informação diversa relativa ao século XIX, dos diversos seminários e outros institutos religiosos à ordem da procissão de Corpo de Deus antes da invasão francesa, ao testamento do enforcado João Amado e às doenças das vinhas, terminando com dois opúsculos, um sobre a «Confirmação da Fundação da Sé Catedral de Leiria na pessoa do seu verdadeiro fundador» e outro transcrevendo uma boa parte do processo de supressão do Bispado.”

As menções que, em posts anteriores, fizemos ao Couseiro, foram baseadas na edição acima referida, da responsabilidade do P.e António Francisco Pereira.
No que respeita à Ataíja de Cima há, nesta nova edição, uma pequena diferença na descrição da Ermida de Nossa Senhora da Graça, dizendo-se, agora, que:

“No lugar da Ataíja de Cima, outra (ermida), da invocação de Nossa Senhora da Graça, a cuja fábrica são obrigados os moradores do mesmo Lugar, a imagem da Senhora é de vulto, pintada, sem nicho, nem retábulo, nem capela, nem Igreja forrada, nem sacristia, nem sino.”
(confrontar com edição do P.e António Francisco Pereira AQUI

Saúda-se, pois, a Textiverso e o Eng.º Ricardo Charters d'Azevedo, por esta nova edição do Couseiro que, assim, pela primeira vez e com novos documentos, vai ficar ao alcance de todos os que se interessam pela história da região.

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domingo, 29 de janeiro de 2012

A Confraria do Santíssimo Sacramento da freguesia de Nossa Senhora dos Prazeres, proprietária na Ataíja de Cima.



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O vasto processo de alteração das relações sociais desencadeado pela Revolução Liberal de 1820, tem um dos seus mais importantes aspectos na reestruturação da propriedade imobiliária que, no antigo Regime, pertencia essencialmente à Coroa e à família Real (Casas da Rainha e do Infantado), à Nobreza e à Igreja.
No entanto, ao contrário do que se possa pensar, as leis tendentes a limitar a propriedade fundiária eclesiástica não são uma invenção do liberalismo. Desde muito cedo foi preocupação dos reis evitar uma larga concentração de bens fundiários nas mãos da Igreja. Neste sentido, já nas Cortes de Coimbra de 1211 foi proibida a sua aquisição pelas corporações religiosas e novas leis foram publicadas sob D. Sancho II e D. Dinis e reforçadas por D. João I e as Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, todas impõem limitações à aquisição, por compra, doação ou testamento, de bens fundiários por parte de clérigos e congregações.
As reformas do liberalismo vão, no entanto, mais longe ao extinguir, em 1834, as Ordens Religiosas masculinas e nacionalizar e desamortizar (vender em hasta pública) os seus bens fundiários, processo de venda este que, em 1861, se alargou às mitras, cabidos e colegiadas, em 1866, às câmaras, juntas de paróquia, irmandades, hospitais e misericórdias e, por fim, em 1869, aos passais, baldios e bens dos estabelecimentos de instrução pública.

É assim que, em 5 de Dezembro de 1904, em hasta pública que teve lugar na Repartição da Fazenda do Distrito de Leiria, o ataijense Francisco Vigário arrematou, pela quantia de 36$560 (trinta e seis mil trezentos e sessenta réis) o seguinte foro que pertencia à Confraria do Santíssimo Sacramento da freguesia de Nossa Senhora dos Prazeres, de Aljubarrota:

“Concelho de Alcobaça, Freguesia de Aljubarrota Foro de 19,800 litros de azeite a safra (dois alqueires) com laudémio de dezena, e vencimento em 30 de Janeiro, imposto em uma terra e olival denominado a Cerca, aos Marcos Brancos, na Ataíja de Cima, enfiteuta João Pimenta dos Casais de Santa Teresa”

Eis, aqui, a reprodução da primeira parte da belíssima "Carta de pura e irrevogável venda" que regista a compra:




Em futuros posts analisaremos a actividade aquisitiva de Francisco Vigário, (que foi avô de José “Bernardo” e de Joaquim “D’Avó”), largamente documentada em numerosas escrituras que a família mantém e teve a amabilidade de nos ceder. O que, penhoradamente, agradeço.



Glossário:
Cabido – Corporação dos  Corporação dos cónegos de sé ou colegiada.
Colegiada - Corporação de sacerdotes com funções de cónegos, em igreja independente da jurisdição do prelado da diocese.
Confraria – Irmandade, associação para fins religiosos. No caso das confrarias do Santíssimo Sacramento, elas eram muito numerosas, existindo uma em quase todas as paróquias e tinha por principal objectivo o culto e louvor do Santíssimo Sacramento.
Desamortização – Colocação (por venda em hasta pública) no comércio jurídico dos bens de mão-morta ou seja, que não eram propriedade de pessoas individuais e, por isso, não podiam ser herdados, doados ou vendidos.
Enfiteuta - Pessoa que tinha o domínio útil do prédio por enfiteuse.
Irmandade – Associação leiga que tem fins devotos.
Junta de paróquia – Anterior designação para Junta de Freguesia.
Laudémio - Pensão que o enfiteuta pagava ao senhorio directo quando alienava o prédio.
Mitra - Barrete de forma cónica, fendido na parte superior, e que em certas solenidades é usado por bispos, arcebispos e cardeais. (Assim, os bens da mitra são os bens da Diocese).
Passal - Terra anexa e pertencente à casa do pároco ou prelado.

Nota: As definições deste glossário foram retiradas, na quase totalidade, do dicionário online da língua portuguesa em: http://www.priberam.pt/

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segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

13.º Almoço anual do Salão Cultural Ataíjense (2)

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À bateria da máquina fotográfica que me pregou uma partida, associaram-se algumas dificuldades com o novo interface do Blogger, pelo que só agora podemos juntar mais algumas fotografias do Almoço do Salão, realizado no passado dia 15.
Com os agradecimentos ao Francisco Mendes, autor das fotografias.

Num tempo em que a maior preocupação dos titulares dos lugares parece ser o denegrir aqueles que os antecederam, foi reconfortante ver o abraço entre o Eduardo Catarino e o Vítor Matias, os actual e anterior presidentes da direcção do Salão:



A Delfina Branco e o Manuel Coelho mostram, visivelmente orgulhosos e satisfeitos, o prato pintado à mão com que a direcção homenageou e agradeceu o trabalho desenvolvido por todos os que asseguraram a direcção do Salão Cultural Ataíjense no período de 2009-2011:




Os que trabalham também têm direito a almoçar (ainda que muito tarde).
Aqui, a mesa do numeroso grupo de voluntários que ajudaram à realização do 13º Almoço do Salão. Apesar de a fotografia ter sido tirada quando já eram 17 horas e 24 minutos, a boa disposição é evidente:



Mais notícias sobre a actividade do Salão Cultural Ataíjense podem ser vistas em:
https://www.facebook.com/SalaoCulturalAtaijense

Obrigado a todos!
 Para o ano há mais.

20 de janeiro de 2013
14.º Almoço Anual do Salão Cultural Ataíjense

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segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

13.º Almoço Anual do Salão Cultural Ataíjense

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Ontem, como sempre acontece no 3.º domingo de Janeiro, muitos ataijenses e os convidados, Padre Ramiro Pereira Portela, Presidente e Vice-Presidente da Câmara Municipal de Alcobaça e acompanhantes, Presidente e outros elementos da Junta e da Assembleia de Freguesia São Vicente de Aljubarrota, num total de perto de 300 pessoas reuniram-se no 13.º Almoço Anual do Salão Cultural Ataíjense.

Apesar dos tempos difíceis que correm, este foi mais um excelente, animado e fraterno almoço, uma grande jornada de convívio, onde os ataijense, mais uma vez demonstraram a sua união.

No seu discurso, o presidente da direcção, Eduardo Catarino, deu conta dos principais factos da actividade do Salão, onde é justo destacar as grandes jornadas de convívio que foram o Festival das Sopas (ver AQUI) e, agora, este tradicional almoço anual.
Deu, mais, uma notícia que a todos encheu de alegria: o Salão não tem dívidas, todas as contas se encontram em dia e já se pensa em novos melhoramentos!

Foi, também, bonito de ver a chamada ao palco dos corpos gerentes que cessaram a sua actividade em Maio passado e a oferta a todos de um bonito prato, com a reprodução da fachada do Salão, em sinal de reconhecimento e agradecimento pelo esforço dedicado ao Salão.

O Presidente da direcção do Salão Cultural Ataíjense, Eduardo Catarino, à conversa com o Presidente da Câmara Municipal de Alcobaça, Paulo Inácio


Vista geral do Salão, durante o almoço, com as sobremesas em primeiro plano


Um numeroso grupo de jovens ataíjenses voluntariou-se para o serviço de mesa.


Uma belíssima sopa de pedra, aqui com a saborosa nota regional da morcela de arroz, a que se seguiram bacalhau e borrego de excelente confecção.
Como me dizia um inglês que escolheu viver entre nós e, com a esposa e mais alguns compatriotas, integrou um dos grupos mais animados: Muito Bom! Muito Bom!



Obrigado a todos os que trabalharam para que a realização deste almoço fosse possível!



Em 20 de Janeiro de 2013 lá estaremos, todos, para o
14.º Almoço Anual do Salão Cultural Ataíjense!

 
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terça-feira, 3 de janeiro de 2012

O Pátio

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O pátio era, até há menos de cinquenta anos, um elemento fundamental do conjunto arquitectónico que constituía a casa de morada de família.

Rodeado de muros altos, ficava normalmente situado na frente da casa, dando para a rua por um portão largo, através do qual se fazia, também, o acesso à residência.

Sempre coberto de mato, ali andavam à solta galinhas e porcos.
Por vezes existia nele uma arribana onde se recolhia o carro do burro ou das vacas e ao fundo da qual se montava um poleiro onde dormiam as galinhas.
Colados ao muro estavam uma corte para a porca grávida, ou parida com seus leitões, uma coelheira feita de madeira, o redil para o pequeno rebanho, o palheiro com as baias onde dormiam o burro e as vacas e a pequena adega.
A própria cisterna estava, muitas vezes, no pátio, já que esse era o melhor lugar para recolher a água dos beirais das diversas edificações.
Ali estavam, também, as amoreias do estrume e a da lenha e, quando existia, a casa do forno.

O que acabo de descrever, era um típico e comum modelo das casas ataíjenses da primeira metade do Séc. XX, ao qual escapavam algumas em que o acesso ao pátio era lateral à casa, cuja porta da “casa de fora” abria, então, directamente para a rua. O que, aliás, era muitas vezes inútil, continuando o tráfego diário a fazer-se pelo portão do pátio - a caminho da cozinha que era o verdadeiro centro da vida familiar -, abrindo-se a "casa-de-fora" e a “porta-da-rua” ao domingo, em raras ocasiões festivas e, necessariamente, na visita pascal.

Também escapavam ao modelo a generalidade das casas mais antigas, no centro da aldeia (o “lugar”), estas encostadas umas às outras, apenas com um pequeno pátio nas traseiras aonde, muitas vezes, se acedia através da própria porta da casa.


Isto, remete-nos para a questão da suposta antiguidade do pátio, enquanto elemento estruturador do assento de casas da família.

As casas dos camponeses medievais não tinham pátio, porque os que nelas habitavam eram gente pobre que nada, ou quase nada, tinha de seu e, quando possuíam animais estes viviam, na maioria dos casos, livremente, na rua e pastando nos campos, onde eram recolhidos em “chousas”.

O povo comum só começa a utilizar o pátio, talvez a partir do Séc. XVIII, por imitação dos solares da pequena nobreza e da burguesia rurais que, também eles, se estruturam em torno de um grande pátio ou terreiro.

Antes disso, a maioria dos terrenos eram incultos, baldios de que o povo tirava alguns usos mas de que não tinha a propriedade. Aí se cultivavam, intermitentemente, algumas courelas,  (o pousio, era indispensável a terrenos fracamente arados e não adubados), recolhia-se lenha e mato, mel e frutos e criava-se gado: porcos, ovelhas e cabras.

No caso da nossa região, a multiplicação de pequenos proprietários é realidade que só o Séc. XIX, com o fim do Antigo Regime e das Ordens Religiosas, permite. Só então a efectiva apropriação camponesa da terra se materializa (ainda que subsistam foros que, agora, se assemelham muito a arrendamentos e se vão, pouco a pouco, liberando).

É por esse tempo que, um camponês médio, tendo a propriedade plena (ou o direito de exploração enfitêutica) de terras suficientes e de natureza diversificada (terras de semeadura, olivais, matos, vinhas), adquire a auto-suficiência alimentar e passa a produzir excedentes que carecem de ser armazenados.
É aí que surge a necessidade e a possibilidade do pátio e de todos os cómodos que o organizam.

E foi assim que, durante cerca de 150 anos, até à segunda metade do Séc. XX, quando passámos de uma economia agrícola para uma economia industrial, se organizaram todas as novas casas construídas, na Ataíja de Cima, na imediata periferia do núcleo urbano antigo.

O fechar-se da casa sobre si mesma, em torno do pátio, foi, também, rico de consequências ao nível das relações sociais:  a convivialidade entre vizinhos, típica dos núcleos urbanos antigos, diminue drasticamente e a vida passa a centrar-se na família, agora, "defendida" do exterior pelos muros altos do pátio.
Começava a desenhar-se uma nova estratificação social, onde o pátio e os bichos que o  habitavam, a dimensão e complexidade dos cómodos que o envolviam, eram indicadores seguros das posses da família.


Na esquina entre a Estrada do lagar dos Frades e a Rua da Ponte, as casas que foram de Luís Francelino e são o conjunto arquitectónico subsistente na Ataíja de Cima que, melhor, ilustra o que se diz neste texto.
As casas configuram-se como um pequeno castelo, com uma única entrada (note-se a recusa de um acesso directo à habitação: esta oferece uma parede cega à rua, quando se poderia, facilmente, ter aberto uma porta).
 
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