Conforme o Livro de Matrícula de expostos Fêmeas, do ano de 1863
(Lvº 91, fl. 363, nº 494) que se conserva no Arquivo Histórico da Santa Casa da
Misericórdia de Lisboa, deu entrada no Hospital dos Expostos de Lisboa em 2 de
Dezembro de 1863 e foi baptizada nesse mesmo dia (Lvº Baptismos do anno de
1863, fl. 404, nº 2420), uma criança do sexo feminino a que foi posto o nome de
Dionyzia ou Dionisia
No dia seguinte, 3 de Dezembro de 1863, foi a dita menor entregue
a Joaquina Coelha, solteira, moradora no Andaínho, freguesia de São Miguel do
Juncal, concelho de Porto de Moz, recebendo pelo encargo a quantia de 1$600
(mil e seiscentos réis) mensais, durante 12 meses, no total de 19$200 (dezanove
mil e duzentos réis). Recebeu, ainda, para as despesas da jornada, a quantia de
2$000, tudo somando 21$200.
Um ano depois, foi acordado entre o Hospital dos Expostos de
Lisboa e a Joaquina Coelho que esta continuasse a criar a Dyonizia por mais 24
meses, a contar do dia 3 de Dezembro de 1864, recebendo, agora, a quantia de
1$000 por mês, seja, o total de 24$000.
Por razões que os livros consultados não esclarecem este
contrato não foi executado na sua totalidade tendo a Dionísia sido entregue, em
6 de Abril de 1866, a Joaquina Bárbara, casada com José Coelho, carpinteiro,
moradores no logar de Ataíja de Cima, Freguesia de São Vicente de Aljubarrota,
concelho de Alcobaça. O contrato então celebrado estipulava que a Joaquina Bárbara
receberia pelo encargo a quantia mensal de $800 réis, pelo período de 8 meses
quer dizer, até Dezembro desse ano, até ao tempo que seria o do fim normal do
contrato celebrado com a Joaquina Coelha.
O contrato cumpriu-se efectivamente nos termos acordados e
por ele recebeu a Joaquina Bárbara a quantia de 6$400 e celebrou-se novo
contrato, agora pelo valor mensal de $500 e pelo período de 48 meses, contados
a partir de 19 de Novembro de 1866, somando o total de 24$000, a que se seguiu
novo contrato, pelo período de três anos que terminaram em 18 de Novembro de
1873.
Neste último período a Joaquina Bárbara foi remunerada à
razão de $300 mensais, no total, portanto, de 10$800
Quinze dias depois, em 02 de Dezembro de 1873, a Dionisia
completou dez anos de idade e, portanto e de acordo com as regras vigentes
nesse tempo, cessaram os pagamentos feitos à ama.
Ou seja, naquele tempo, uma criança de dez anos havia de ser
capaz de se sustentar a si própria. Porque assim era, este era um momento
muitas vezes dramático na vida dos enjeitados: se calhavam estar ao cuidado de
alguém que procurava apenas o rendimento dos pagamentos pela criação ou se, por
qualquer outra razão não tinha logrado integrar-se na família da ama a criança
era entregue ao cuidado de outra pessoa que a quisesse e muitos, aproveitavam a
circunstância e fugiam.
Felizmente, neste caso como na generalidade dos casos que
estudei de crianças enjeitadas criadas na Ataíja de Cima, o que se passou foi
uma total integração da criança na família de acolhimento de tal modo que, a
Dionísia foi entregue (sem remuneração, recorde-se), à mesma Joaquina Bárbara
pelo tempo de oito anos
O respectivo Termo consta dos chamados Livros de Vestir (Lvº
1 V, fl 115v) e está escrito em letra pré-impressa e completado em cursivo bem
legível, pelo que aqui o reproduzimos deixando ao leitor mais curioso o encargo
de o ler com cuidado, que bem o merece, por estes autos serem clara explicação
de um certo entendimento do mundo e das coisas.
O processo da Dionísia contém, ainda, um despacho
interessante por esclarecer o procedimento em caso de doença do menor:
Por despacho da Exma Mesa de 12 de Janeiro de 1874 foi concedida a
gratificação mensal de 1$200 enquanto mostrar por atestado do facultativo que a
exposta continua no mesmo estado de doença, sendo a contar desta data.
a) Caldeira
Sem efeito mas sim o que se acha a fls. 366
Fls. 366:
Por despacho de 12 de Janeiro de 1874 foi concedida a gratificação
mensal de 1$200 enquanto continuar no mesmo estado de doença.
a) Caldeira
1874 Maio 19 Pago três mil cento e vinte réis
Depois disto, só voltamos a ter notícias da Dionísia quando ela já era,
inequivocamente, uma ataijense como as demais. É o que prova o facto de, em
2-4-1880, ter nascido na Ataíja de Cima uma criança a que foi posto o nome de
Dionísia, filha de Manuel Joaquim e Maria Custódia.
Foi madrinha Dionísia dos Santos, solteira (a criança veio a
falecer em 15-4-1885)
Em 9 de Agosto de 1885 nasceu uma criança a que foi posto o
nome de Maria, filha de pai incógnito e de Dionísia de Jesus, solteira,
doméstica, exposta da SCML.
Em 16 de Agosto de 1888 casaram-me Manuel da Silva Vigário,
de 24 anos de idade, filho de José Vigário e de Ana Lourenço e Dionísia dos Santos, solteira, de 24 anos
de idade, exposta SCML.
No acto do casamento, o nubente reconheceu
uma filha comum, Maria, nascida em 15.4.1885.
Em 15 de Fevereiro de 1891 nasceu uma criança a que foi
posto o nome de Francisco, filho legítimo de Manuel da Silva Vigário e de
Dionísia dos Santos, ela exposta da SCML
Em 20 de Dezembro de 1892 nasceu uma criança a que foi posto
o nome de Ana, filha legítima de Manuel da Silva Vigário e de Dionísia dos
Santos, ela exposta da SCML
Em 15 de Abril de 1899
nasceu uma criança a que foi posto o nome de José, filho legítimo de
Manuel da Silva Vigário e de Dionísia dos Santos, ela exposta da SCML
Destas crianças apenas não sabemos o destino do José que
presumimos tenha falecido jovem.
A Ana que todos conheciam por Ana Denísia, casou-se na
Ataíja com Luís Dias que também usava Luís Dias Vigário, foi conhecido por Luís Barra e era, certamente, seu
parente pelo lado paterno.
O Luís Dias foi um dos ataijenses que integrou o Corpo
Expedicionário Português que nos campos do Noroeste de França participou na 1ª
Guerra Mundial de onde, diziam, tinha vindo gaseado.
Conheci-os bem a ambos.
Moravam numa casa na Rua dos Arneiros que tem anexa uma original
cisterna e, entretanto, perdeu o patim que a protegia do movimento da rua, foi
transformada em oficina e, depois de anos ao abandono, iniciou no passado inverno um
processo de derrocada irreversível.
Também conheci o irmão Francisco, a quem chamávamos Francisco Denísio e casou com Joaquina Lourenço, instalando-se na mesma Rua dos Arneiros em casa que ainda existe, embora transformada e há vários anos sem função, salvo o que eram, no meu tempo de miúdo, a eira e o curral das vacas, agora transformados no Café-Concerto a Casa do Maltês.
Da Maria Dionízio sabemos, graças a um leitor deste blog, o
seu neto materno Sr. José Almeida, que casou e foi viver para a Boieira.
Anos depois, um seu filho, que foi conhecido por Manuel
Lérias, regressou à origem, casando na Ataíja de Cima com Joaquina Machado.