Os nobres obtinham do rei a “carta de brasão” que os
autorizava a mandar lavrar na pedra os símbolos do seu sangue, poder,
propriedade e importância, pelo que compunham o brasão com os símbolos
familiares dos seus antepassados, de onde lhes vinha a fortuna, a importância
social e o poder.
Aos plebeus, sem antepassados ilustres para mostrar, quando queriam e podiam marcar a sua propriedade e importância, restava representavam-se a si mesmos, com o seu nome e a sua profissão, afirmando-se por si e pelo que faziam.
Aos plebeus, sem antepassados ilustres para mostrar, quando queriam e podiam marcar a sua propriedade e importância, restava representavam-se a si mesmos, com o seu nome e a sua profissão, afirmando-se por si e pelo que faziam.
Em Alcobaça, terra de pouca Nobreza (ele era mais clero
ordinário e povo trabalhando duro para pagar os foros) não se veem brasões que
não os da Ordem, afinal, o verdadeiro e único Senhor feudal destes Termos.
Por outro lado, são por aqui vulgares uns outros brasões
plebeus como o são as pedras da era[i]
que vulgarmente e até há poucas décadas se colocavam sobre a porta principal da
casa. Quase sempre, apenas uma pedra lisa com uma moldura simples e a inscrição
em baixo relevo das iniciais do proprietário e o ano da construção da casa. Em
casos mais antigos, por exemplo, na casa de Amélia Cordeiro, apenas a data
(1794), inscrita na própria verga da porta.
Só conheço um caso em que às iniciais do proprietário se juntam as da esposa: a cisterna mandada construir pelo ti Manuel Luís: (16-8-1923/MLS|MG).
Pedras da era de desenho mais complexo são muito raras. A
mais curiosa e diferente das demais existentes na Ataíja, é a que encima a
porta da casa que foi de Manuel Rebelo.
O Manuel Rebelo que era natural de Turquel e casou na Ataíja
com Joaquina Méla, filha de António Orelha e Joaquina Porfíria[ii].
Tinha a profissão de serrador[iii]
e por isso, mandou lavrar a sua pedra da era com os símbolos da profissão: o
machado e o serrote.
Também um destes dias, encontrei aqui bem perto, nas
Pedreiras, uma inusitada padieira ostentando, esculpidos em alto relevo, os
atributos profissionais do proprietário: O esquadro, o compasso, a maceta e o escopro.
Ao centro, sobre a data, as iniciais do proprietário, entrelaçadas num
complicado desenho onde se vê um J e uma outra letra que me parece um C mas,
não o juro.
O proprietário da casa foi, certamente, o autor de tal
padieira onde orgulhosamente lavrou, com técnica ingénua, denunciadora da falta
de estudos artísticos[iv],
os instrumentos da sua profissão de canteiro.
Os cemitérios são, de há muito, outro lugar privilegiado para
cada um exibir o seu brasão, sendo conhecidas lápides funerárias romanas com
reproduções de instrumentos de trabalho, como, por exemplo, uma groma
(instrumento usado pelos agrimensores na medição de terrenos), em lápide
encontrada no Vale de Aosta (Noroeste de Itália).
Entre os avieiros, os pescadores fluviais do Tejo que colhem
o nome da Praia da Vieira (Leiria), local de origem dos primitivos pescadores
que dalí emigraram no final do século XIX, é comum que nas lápides tumulares se
mostrem esculpidos os objectos com que o falecido trabalhou em vida: redes,
remos, canastras e peixes e, principalmente, barcos.
Segundo Alberto Costa e Silva,[v]
em Moçâmedes (hoje Namibe, em Angola) há um cemitério com sepulturas de pedra,
qualificadas por Gilberto Freyre como afro-cristãs, nesse cemitério, diz, não
se enterravam os patrões brancos mas eram inumados os seus ex-escravos e
serviçais e outros africanos cristianizados.
Diz ele que, aí as sepulturas, em regra uma lápide vertical com cerca de um metro de altura, são decoradas no alto com uma cruz e, em baixo, com relevos de instrumentos de trabalho (um martelo, uma enxada, um serrote), transportando para a lápide a antiga norma de colocar sobre a tumba as insígnias do ofício do morto.
Ainda segundo o mesmo autor, idêntico costume já tinha sido registado, na metade do século XVII, pelo capuchinho Giovanni Antonio Cavazzi de Monteccúcolo, na sua Descrição histórica dos três reinos do Congo, Matamba e Angola: “punham-se sobre os túmulos dos nobres uma cadeira, o arco, as flechas e outros objectos de seu uso; sobre os dos plebeus, caveiras de feras para um caçador, cítara ou tambores para um músico, martelo e bigorna para um ferreiro”.
Diz ele que, aí as sepulturas, em regra uma lápide vertical com cerca de um metro de altura, são decoradas no alto com uma cruz e, em baixo, com relevos de instrumentos de trabalho (um martelo, uma enxada, um serrote), transportando para a lápide a antiga norma de colocar sobre a tumba as insígnias do ofício do morto.
Ainda segundo o mesmo autor, idêntico costume já tinha sido registado, na metade do século XVII, pelo capuchinho Giovanni Antonio Cavazzi de Monteccúcolo, na sua Descrição histórica dos três reinos do Congo, Matamba e Angola: “punham-se sobre os túmulos dos nobres uma cadeira, o arco, as flechas e outros objectos de seu uso; sobre os dos plebeus, caveiras de feras para um caçador, cítara ou tambores para um músico, martelo e bigorna para um ferreiro”.
Também em Aljubarrota, em tempos idos, teve larga divulgação
o uso de gravar instrumentos de trabalho nas lápides tumulares como, nas
Memórias Paroquiais[vi], diz o
Cura de S. Vicente:
“… pelas visitas[vii]
desta freguesia da Era de 1595 em que esta igreja estava quase destruída porque
se conservava só uma ermida já muito desbaratada que era a capela-mor desta
igreja[viii],
consta que era sagrada pelo que o visitador daquele tempo manda que seja
reparada mas com a continuação dos tempos e poucas rendas veio de todo arruinar
como está conservando só os vestígios com um
grande cemitério cheio de muitas sepulturas com pedras brancas levantadas as
cabeceiras com as insígnias dos ofícios de cada um ainda que estas hoje
estão quebradas , mas ainda se distinguem em muitas os sinais.”[ix]
Sobre este assunto tinha dito o Padre Cardoso, 21 anos antes[x]:
Defronte da vila,
duzentos passos de distância, se deixam ver as escassas relíquias da
antiquíssima Igreja de Santa Marinha que, por tradição comum compreendia até a
vila de Turquel, a duas léguas de distância. Divisam-se ainda hoje no seu adro
as sepulturas com pedras lavradas por cabeceiras, com vários instrumentos de
ofícios esculpidos, como são, arados e outras insígnias deste género.
Tal costume, de traçar nas lápides funerárias os símbolos da profissão do morto, desapareceu quase tão completamente como desapareceram os vestígios da misteriosa Igreja de Santa Marinha, de que ninguém parece fazer a mais pequena ideia de onde poderá ter existido.
[i] Pedra da
Era porque, invariavelmente, dela consta a data da realização da obra em que se
insere.
[ii] Como é
evidente, tudo alcunhas.
[iii] E a
alcunha, sendo conhecido por toda a gente como Manuel Serrador.
[iv]
Repare-se como o esquadro se dobra para se sobrepor ao compasso, ou como o
escopro “atravessa” o cabo da maceta.
[v] in Francisco Félix de Souza, mercador de
escravos, Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2004.
[vi]
Transcrevemos, em português moderno, a partir de Memórias Paroquiais (1758),
Vol. III, João Cosme e José Varandas (introdução, transcrição e índices),
Caleidoscópio, Lisboa, 2011), página 25.
[vii] Visitas
de inspecção às Paróquias, promovidas pelo Bispado de Leiria.
[viii]
Igreja que terá sido a primeira sede da freguesia e terá existido, cerca de
“trezentos passos, mais ou menos”, segundo o Cura, ou duzentos segundo o Padre
Cardoso, a norte da actual e que terá entrado em ruína no Séc. XVI.
[ix] Negrito
nosso.
[x] Dicionário Geográfico.