segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Alecrim

(anecril)


O alecrim (Rosmarinus officinalis) ou, como por aqui se diz, o anecril, ocorre em toda a bacia mediterrânica, em solos calcários e é um dos arbustos mais vulgares em toda a serra dos Candeeiros.

É utilizado desde a Antiguidade em aplicações culinárias (assados e grelhados de carnes) e, modernamente, também em sopas e molhos.

É, também, usado em aplicações medicinais e na elaboração de perfumes e, em diversas religiões, como insenso.

Na Ataíja, apenas me recordo de, com ele, a minha avó fazer defumadoiros, queimando-o sobre brasas, tanto quanto me lembro, para combater as humidades.

Fora isso, o alecrim usava-se para queimar nas fogueiras de Santo António.

A fotografia abaixo mostra um reboque de tractor (motocultivador), com uma carrada de alecrim acabada de colher na serra e que se destina a ser queimado na grande fogueira de Santo António que se fazia no Largo do Outeiro antes do seu alcatroamento.


Em baixo, à esquerda, a fumar, vê-se o Mário Rosa Dias, cuja camisa branca indica que era domingo. Entre ele e a carrada está o Quim Velho (VER AQUI) e, à direita, a figura atravessada na porta é, talvez, a dona da casa, Joaquina Simpliciana Coelho que todos conhecemos por Joaquina Catrina.

Sobre a carrada estão os apanhadores do alecrim: um grupo de dez homens e rapazes, dos quais apenas consigo identificar uma pequena parte (o Arnaldo, o Mário, o Alberto).



Será que os leitores podem ajudar-me, identificando todos os personagens e indicando a data da fotografia? (duplo click na foto para ampliar)


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terça-feira, 20 de setembro de 2011

Retratos de uma família ataíjense

José Ribeiro


A fotografia é um importante meio auxiliar da história, sobretudo quando datada ou quando contém elementos que nos permitem determinar com bastante certeza a data aproximada em que foi feita. Isto, por transmitir um quadro da época o qual, necessariamente, há-de conter importantes informações.

Nas nossas investigações sobre a Ataíja de Cima, temo-nos deparado com a, aliás compreensível (fotografia não era hobby de camponeses), escassez de elementos iconográficos. Daí, a nossa alegria por mão amiga nos ter feito chegar um conjunto de retratos de família, tendo por principal personagem José Ribeiro (1900 – 1973) que foi um dos maiores proprietários rurais da nossa aldeia.


José Ribeiro, com 33 anos de idade, de chapéu de feltro e jaqueta, montado no seu cavalo, frente à porta de sua casa, na qual vai a entrar uma das filhas mais velhas.
O cavalo, a pose e o traje, identificam, inequivocamente, o retratado como um abastado (à escala local) proprietário:



José Ribeiro, em 1940, com quarenta anos de idade, numa fotografia de estúdio:


Uma interessantíssima fotografia de grupo, datada de 21 de Abril de 1949.
Os trajes, do filho António e de outros, mostram, inequivocamente, que foi tirada em um dia de semana. Apesar disso, o Patriarca mostra o seu estatuto social: Bem penteado, camisa branca, casaco e colete, em cujo bolso repousa o relógio de que se vê a corrente de prata.
A professora da aldeia, elemento de uma importante família de Alcobaça, era hóspede da casa.
São as seguintes as pessoas retratadas (da esquerda para a direita):

Francelina Botas (actualmente residente no Mogo, era a criada da professora); Joaquina (filha); Dona Elvira, mãe da professora; Maria Fernanda Ferreira da Bernarda, professora; Maria Emília (filha); Luísa (filha), tendo ao colo a pequena Maria Emília (actualmente residente em França); José Ribeiro; Emília Faustino (esposa) e António (filho). À frente: Maria Amélia (filha) e Fernanda da Bernarda, filha de Silvino Ferreira da Bernarda e ex-directora da SPAL)


Emília Faustino, filha de José Faustino, da Quinta do Mogo, esposa de José Ribeiro, numa fotografia de estúdio, de 1950. Das orelhas pendem as arrecadas de ouro filigranado e, ao pescoço,o longo cordão (cerca de 3 metros) também de ouro:


José Ribeiro e a mulher, com os netos Pedro e Paula Cordeiro, numa fotografia de 1967, tirada no largo em frente à sua casa. Note-se a degradação do pavimento do largo (nesse tempo o alcatrão ainda não tinha chegado à Ataíja de Cima) e a ausência da sacristia da Capela de Nossa Senhora da Graça (nesse tempo a sacristia era, ainda, ao lado direito da Capela, estrangulando a estrada). Atente-se, também, no sempre cuidado traje de José Ribeiro: A calça vincada, os costumados chapéu e colete, onde brilha a corrente do relógio e, por ser domingo, gravata:


Finalmente, uma fotografia de 09-10-1972, (ver AQUI). É, talvez, a última fotografia de José Ribeiro que havia de falecer alguns meses depois.
Trajando os habituais chapéu, casaco e colete, está acompanhado da mulher, de quatro netos e um bisneto:



O estado do edifício em fundo mostra que a actividade da casa agrícola que levou cem anos a construir, estava fortemente reduzida e ia entrar numa nova fase, com o inevitável desmembramento resultante da partilha pelos 6 filhos:

Ao mesmo tempo, toda a actividade económica da Ataíja de Cima entrava num novo ciclo, caracterizado pelo abandono da agricultura e pela emergência das indústrias da faiança e da extracção da pedra vidraço de Ataíja.

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segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Festival das Sopas 2011

Um grande êxito


O Festival das Sopas da Ataíja de Cima que ontem teve lugar, foi um grande êxito que a todos deixou contentes e de parabéns.

A organização, visivelmente satisfeita, a meio da tarde, com o recinto ainda cheio de gente, já começava a congeminar projectos e melhorias para que o festival de 2012 seja, ainda, melhor que o deste ano.

Os participantes não arredaram pé até muito tarde (eu tive de sair às 18h30 e centenas de pessoas continuavam em alegre convívio) e, todos aqueles com quem falei – e foram muitos – estavam felizes: Com o tempo, aliado indispensável, que nos presenteou com um dia de verão, não muito quente e sem vento, com a qualidade e variedade das sopas e com o ambiente, descontraído, de muita conversa, animação, danças e jogos de cartas.

Mais de quinhentas pessoas tiveram a oportunidade de provar dezasseis sopas diferentes que, para memória futura, aqui ficam listadas:

- Sopa Castanha
- Sopa de Pedra
- Sopa de Inverno
- Sopa de Peixe
- Sopa de Massa e Bacalhau
- Caldo Verde
- Massada de peixe
- Misturadas
- Canja
- Sopa de Chícharos
- Sopa de Legumes
- Sopa de Grão
- Sopa de Abóbora
- Sopa de Polvo
- Sopa de rabo de boi
-Sopa de feijão verde



 A mítica sopa de chícharos que, para os mais velhos, é lembrança dos tempos difíceis em que este rústico legume era a base da alimentação e hoje em dia, em verdadeira catarse, apenas comemos em festas como a de ontem.


Uma panorâmica do recinto cerca das 13h40



Os ataíjenses mais uma vez provaram a si mesmos que, quando se unem e trabalham em conjunto, conseguem fazer coisas que valem a pena.


Um abraço a todos.

Para o ano há mais.

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quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Sobre a carência de água na região da Ataíja de Cima

Uma intervenção parlamentar de 1960


O Diário das Sessões da Assembleia Nacional, n.º 145, de 21 de Janeiro de 1960, a págs. 279 a 281, transcreve a intervenção do deputado pelo círculo de Leiria, José Rodrigues da Silva Mendes (Capitão Silva Mendes, turquelense, que também foi proprietário na Ataíja de Cima), no âmbito da discussão na generalidade de uma proposta de lei sobre abastecimento de água das populações rurais:

“O Sr. Silva Mendes: - Sr. presidente: Tem o Governo dedicado a sua atenção ao momentoso problema do abastecimento de água às cidades, vilas e aldeias de Portugal, e a sua obra neste sector, como em muitos outros tem sido formidável e será cada vez maior e mais perfeita até que o abastecimento desse precioso líquido esteja ao alcance de toda a população portuguesa, e em especial dos habitantes das nossas aldeias, onde, em avultado número, se nota uma carência aflitiva.


No distrito de Leiria, e em especial nos concelhos de Alcobaça, Ansião, Pombal e Porto de Mós, há muitas povoações onde nem sequer existem as chamadas “fontes de chafurdo” e toda a população se abastece da água das chuvas, caída em telhados ou eiras e guardada em cisternas, donde é tirada durante todo o ano.


Nas faldas e no alto da serra dos Candeeiros, região que muito bem conheço, há numerosas aldeias onde, durante o verão e quando está bastante tempo sem chover, os habitantes têm de ir buscar a água para eles e para os seus gados, a 5 km e 6 km de distância.


Calculem VV. Exªs., o que é a vida dessa pobre gente tendo de andar 10 km ou 12 km, a maior parte das vezes durante a noite e depois de um dia de trabalho fatigante, para trazer uma bilha de água com que possa matar a sede da família e dos animais domésticos e cozinhar as suas modestas refeições.


Quando, ao fim de tantas canseiras, tropeçam e caiem, devido aos péssimos caminhos que têm de percorrer, e a bilha se parte, perdendo o fruto de tanto trabalho, isto representa uma verdadeira tragédia para as pobres vítimas dos acidentes.


Nas regiões a que me refiro, geralmente cheias de algares, por onde a água se escoa para grandes profundidades, é difícil e muito oneroso captar a água para o abastecimento das populações, mas estas, que são tão boas, trabalhadoras e verdadeiramente portuguesas, pelas suas magníficas qualidades, são indiscutivelmente dignas da protecção do nosso Governo, que confiadamente solicito, tendo a certeza de que o meu apelo será atendido, como é de inteira justiça.


Abençoadas serão as obras que se efectuem para este fim e que contribuirão para a melhoria das condições sanitárias dos habitantes dos pequenos aglomerados habitacionais e para a satisfação de uma das mais prementes das suas necessidades.


Tem o Governo norteado a sua acção atendendo em primeiro lugar os pedidos que são mais justos e que representam a satisfação de necessidades mais prementes. Pois, Sr. presidente, não creio que se possa fazer um pedido mais justo do que aquele que nesta minha intervenção estou formulando a favor das populações das abas da serra dos Candeeiros e dos habitantes de muitas outras aldeias do país onde a água no Verão não chega para beber e muito menos para praticar os mais elementares princípios de higiene.
…”



NOTAS:
As actas parlamentares estão disponíveis na internet, em: http://debates.parlamento.pt/, onde pode ser lida a totalidade desta intervenção.
A água canalizada só chegou à Ataíja de Cima em 1993.

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quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Os liberais e o Mosteiro de Alcobaça



No ano de 1821, as Cortes Gerais e Constituintes debatiam a reforma dos Forais e do sistema enfitêutico que afogava a agricultura (quer dizer, num país predominantemente rural como era Portugal, a economia). Assistia-se ao estertor do Antigo Regime de que o Mosteiro de Alcobaça era parte integrante e grande beneficiário.

O deputado Borges Carneiro era um activo defensor do fim dos forais e, nas intervenções que nesse ano fez nas Cortes, por muitas vezes se referiu aos frades bernardos como acabado exemplo de opressor dos povos que gemiam sob o peso de uma multiplicidade de imposições tributárias.

Eis alguns excertos das intervenções daquele deputado sobre a matéria:


“Com que direito podia o Sr. D. Afonso Henriques, posto no alto da serra dos Carvalhos, dizer (se é que o disse; pois a maior parte destas coisas que andam escritas pelos cartórios dos frades são patranhas que eles se puseram a inventar nas celas depois de terem a barriga bem cheia a custa do pobre lavrador); mas torno a dizer, com que direito podia o nosso primeiro Rei dizer do alto daquela serra: Tudo quanto daqui estou vendo águas vertentes ao mar por uma linha tirada desde Óbidos pelas cimalhas de Aljubarrota até Porto de Muel, com suas águas e ventos, tudo dou de propriedade aos monges de S. Bernardo para aqui fazerem um mosteiro?


Porventura podiam os Reis dispor deste modo do território da Nação, e mandar que quantos nele morassem paguem o quarto de seus frutos àqueles ociosos frades?



Quê? Os Reis são senhores do fruto do suor de quem trabalha para o darem a quem não trabalha? Podem eles em boa razão tirar uma parte dos frutos dos lavradores para erigir comendas, alcaidarias-móres, almoxarifados, etc., para os dar a quem quer que seja?
...


Custa a crer que só o Sr. D. Afonso Henriques fundasse 150 entre igrejas e mosteiros, e doasse ao mosteiro de Alcobaça 31 vilas, fora outras doações a vários corpos de mão morta.



mesmo depois que o Sr. D. João I constituiu, pela primeira vez uma milícia permanente, e resolveu que houvessem sempre no reino 3:200 lanças de cavalo, e 550 arnezes, fez a distribuição pela seguinte maneira: repartiu 500 lanças pelos capitães do reino, e as outras pelas ordens de Cristo, Aviz, S. Tiago, e prior do hospital. Distribuiu outro sim os 550 arnezes por alguns outros donatários da coroa, cabendo 30 ao prior de Santa Cruz, e 20 ao abade de Alcobaça. Eis aqui os encargos das doações, e os títulos porque os donatários recebiam os quartos, oitavos, e outras quotas de frutos; mas os empregados sumiram-se na noite dos tempos, e as pensões continuaram a oprimir os desvalidos povos.



Enquanto se tratar de forais, ou por melhor dizer, de prestações agrárias parciais, não me hei-de calar …. Não honremos com o santo nome de leis aos forais, nem com o santo nome de contratos a esses actos usurários e lesivos, que fizeram os Leões com as raposas, e os Lobos com cordeiros. Chamemos-lhe roubos;



O extenso terreno dos Coutos de Alcobaça paga de cada moio dezanove e meio alqueires aos frades Bernardos, além do dizimo.



Mas quê? Não só nos querem inculcar como justa lei, e contrato, mas como obra pia, obrigarem os Reis aos cultivadores de extensos terrenos a pagar terço e quarto de todos os seus frutos para manter conventos de ociosos, e ociosas … que desfrutam de grossas rendas só para rezarem, isto é, para fazerem aquilo que todo o cristão é obrigado a fazer.
….


como se pode sustentar que não houve violência em estipular (os) despotismos que achamos escrito nas escrituras dos contratos? Mas porque se escreverão eles? Porque os infelizes colonos não tinham outro remédio senão deixar escrever nelas tudo o que quisessem os senhores, sob pena de se irem andando com o saco às costas por esse mundo de Cristo, e em muitas partes os tabeliães eram os mesmos frades que escreviam quanto queriam, e diziam depois ao oprimido e ignorante lavrador, assine para ai.



Eu insisto pois na minha primeira opinião da total extinção dos forais.”


NOTAS:
As citações forma retiradas do “Diario das Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza”, que contém as actas dos debates parlamentares, (disponível na internet em: http://debates.parlamento.pt/).
Os foros, o regime da enfiteuse, que se caracterizava pela separação entre a propriedade de raiz e o domínio útil da terra, só foram definitivamente extintos, em Portugal, após 1974.

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