Mostrar mensagens com a etiqueta Utensílios. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Utensílios. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 9 de abril de 2024

O brunil

.


Hoje em dia, o burro é, em Portugal, um animal em perigo de extinção. No entanto era, ainda há pouco tempo, o mais precioso auxiliar dos camponeses e pequenos proprietários rurais, já que desempenhava quase todas as funções em que, entretanto, foi substituído pelas bicicletas, motorizadas e automóveis e atrelados de motocultivadores e mini-tractores.
De facto, o burro era meio de transporte de pessoas e bens e tanto servia para levar o dono ao mercado como, equipado com cangalhas ou seirões, ou atrelado ao carro, transportar toda a casta de bens.
Ao que parece, originário da África do norte, o burro está domesticado há cerca de 5.000 anos e espalhou-se por toda a bacia mediterrânica e, levado por portugueses e espanhóis, pelas Américas.

Oatman, antiga cidade mineira do Arizona, nos Estados Unidos da América, será, aliás, o único lugar do mundo onde os burros não correm riscos de extinção: Interrompida abruptamente a exploração mineira de prata, Oatman foi abandonada pelos seus habitantes e, os burros dos mineiros foram, igualmente, abandonados.
Os animais, assilvestrados, fazendo juz à resistência e frugalidade da espécie, conseguiram sobreviver naqueles difíceis terrenos semi-desérticos e vagueiam, às dezenas, pelos campos e pelas ruas e, gozando de adequada protecção legal,  tornaram-se uma atracção turística para os muitos viajantes da velha Route 66. (pode ver no Youtube vários vídeos sobre os burros de Oatman).

Mas, por cá, estão mesmo em risco de extinção e, na Ataíja de Cima, sobram dedos da mão para contar os que subsistem.

Daí, a minha dificuldade em um brunil para fotografar, o que só há alguns dias consegui:



Brunil s.m. - O colar, em forma de ferradura, feito de couro, com enchimento de palha, que se coloca no cachaço (pescoço) do burro para, sobre ele, assentar a canga do carro.


Notas:
A palavra brunil, com a qual, na Ataíja de Cima, designamos esta peça, não consta de nenhum dos dicionários consultados - DPLP, Houaiss ou José Pedro Machado.
Em S. Brás de Alportel ouvi chamar-lhe bolim mas essa é palavra que os dicionários Priberam e José Pedro Machado também não reconhecem. O Houaiss reconhece bolim mas dá-lhe significado muito diferente. É, diz, a bola menor no jogo da bocha, sendo bocha um jogo de lançar bolas contra outra mais pequena, à semelhança da laranjinha ou da petanca.
Palavra parecida é molim, que o Priberam diz que é o nome que no Alentejo e no Algarve se dá a uma "espécie de almofada ou chumaço em que assenta a canga dos bois ou o cangalho dos cavalos".
Para J. P. Machado molim é, sem mais, "almofada em que assenta a canga".

Estou muito curioso de saber como tal objecto, o brunil, se designará noutros lugares de Portugal.
Haverá um leitor bondoso que nos queira ajudar?

PS: Este texto foi inicialmente publicado em 09-04-2012,  revisitando-o agora, em 2024, confirmo que, poucos anos depois de publicado o texto inicial, desapareceu o último burro de quatro patas que houve na Ataíja de Cima.

.

domingo, 17 de abril de 2022

A descalçadeira

 

A descalçadeira é, dizem os dicionários, um utensílio para ajudar a descalçar as botas.

E, descalçar a bota é, por definição, uma tarefa difícil.

Daí a extrema utilidade da descalçadeira, instrumento que, no tempo das botas de elástico, era de uso obrigatório em todas as casas camponesas e ainda hoje é de enorme utilidade, desde logo para ajudar a descalçar botins.

O objecto em si é de uma simplicidade e eficiência espantosas: Uma simples tábua de madeira em cuja parte inferior se prega uma travessa destinada a elevar a parte dianteira onde um corte em V permite entalar o tacão da bota. Segura-se a tábua pisando-a com o outro pé e, é só puxar o pé que se quer descalçar que ele sairá facilmente de dentro da bota.

Tenho uma que uso há uns vinte e cinco anos e foi construída num dia em que o meu pai andou a ajudar-me a plantar uma sebe de cedros e, acabado o trabalho, ao fim da tarde, me perguntou: Tens uma descalçadeira? Pois! Não tinha!

Sem se atrapalhar, procurou um pouco em redor, onde ainda havia restos de madeiras que tinham sido usadas nas obras de construção da casa. Pegou num serrote, um martelo e dois pregos e alguns minutos depois estava construída a descalçadeira que, logo ali, foi útil a ambos e amanhã, espero, hei-de voltar a utilizar.

No que de mim depender esta descalçadeira ainda vai durar muitos anos.

Gosto muito dela.

Porque quando a olho ou a uso me faz recordar o meu pai e porque é uma peça muito útil, extraordinariamente simples, funcional, eficaz e eficiente. Um aparelho sem defeito.




terça-feira, 31 de dezembro de 2013

O Gadanho

O gadanho é, segundo o DPLP[i], uma “espécie de ancinho com grandes dentes de ferro”.

Gadanho é, também, garra das aves de rapina e, em linguagem informal, mão, ou unha (de que dá como exemplo a frase: se te deito o gadanho…).

Na Ataíja de Cima usa-se mais, nestes dias frios de Inverno, o respectivo plural quando lamentosamente nos queixamos de que: estou sem gadanhos!
(Para não ataijenses, esclarece-se que tal significa que, em virtude do muito frio, estamos sem força nos dedos, sem capacidade para agarrar e segurar os objectos).

Curiosamente, aquele dicionário dá gadanho e ancinho como sinónimos de engaço (a parte lenhosa dos cachos das uvas), já que, pelos vistos, também há quem chame engaço a um “instrumento agrícola em forma de pente, usado para limpar ou aplanar terras agrícolas ou ajardinadas”.

Vem tudo isto a propósito de um gadanho que, também ele, tem uma relação estreita com os engaços, seja, com a parte lenhosa dos cachos das uvas.

O gadanho é este:



Trata-se um velho gadanho, já com muitas dezenas de anos e que sempre conheci tal como aqui se apresenta sem, sequer, vestígios de alguma vez ter tido cabo de madeira que, julgo, nunca teve.

É, agora, meu, depois de ter sido do meu pai e, antes, do meu avô e (pelo menos nos últimos sessenta anos) nunca serviu para outra coisa que não, uma vez por ano, ser cravado no pé da prensa do vinho, para o desfazer, no final da lagaragem.

Acho que um destes dias o vou limpar cuidadosamente e dar-lhe o uso que sempre foi o seu, o uso que lhe deram o meu pai e o meu avô:

Ajudar, no final da lagaragem, a desfazer o pé da prensa.





[i] Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/gadanho [consultado em 31-12-2013].

terça-feira, 9 de abril de 2013

O Mangual




A palavra mangual deriva do latim manualis, significando manual.

O Mangual, a que em algumas regiões chamam malho, é um antiquíssimo instrumento agrícola que serve para malhar e debulhar cereais e legumes.
Durante muitos séculos foi usado (e ainda o é) em todo o hemisfério norte, da Europa à China.
Teve, também, largo uso como arma de guerra, sobretudo em versões mais pequenas que o mangual agrícola, destinadas a ser manejadas com uma só mão.


É composto por dois paus ligados por uma correia de couro, sendo um deles, o que os dicionários designam por mango e serve de cabo, mais comprido, (cerca de 150cm) e fino (4,5-6cm de diâmetro) e o outro, a que os mesmos dicionários chamam pírtigo, mais curto (65 a 70cm) e um pouco mais grosso (6-7cm de diâmetro) e serve para bater os cereais.

Malhar era um dos mais duros e fisicamente exigentes trabalhos agrícolas.
No Verão, com temperaturas rondando os trintas graus, em eiras que se queriam ensolaradas e à hora de maior calor (que os grãos, quanto mais secos, mais facilmente se desprendiam da maçaroca ou melhor se abriam as vagens e cascas protectoras), malhar era trabalho para homens fortes.
Dependendo das dimensões da eira e da quantidade de cereal a debulhar, o número de malhadores variava entre o solitário dono de pobre colheita, até dois grupos de quatro homens cada, postados frente-a-frente, batendo a palha alternadamente, à voz do mandador.

Por vezes, havia lugar a disputas entre os malhadores, para ver quem batia mais forte e durante mais tempo. Eram momentos privilegiados de exibição de força masculina perante as raparigas que, em redor, desempenhavam as tarefas auxiliares.

Mas, a extrema dureza da tarefa, limitava o uso do mangual à debulha de relativamente pequenas quantidades de cereais ou legumes. Para quantidades maiores recorria-se, preferencialmente, ao trilho. Como já dizia no Séc. XII um frade espanhol: outros debulham com mangual que é o mais pobre debulhar de todos.




Este mangual é uma peça recente.
Foi construído pelo meu pai, haverá cerca de trinta anos e destinava-se a malhar pequenas quantidades de vagens, resultantes de uma agricultura pouco mais do que recreativa que ele praticava quando já reformado.
A tradicional correia de couro foi aqui substituída por uma simples corda.



Uma ilustração medieval francesa (Martirológio da Abadia de Saint Germain-des-Prés, séc. XIII), representando a debulha com mangual

 Mangual, numa pintura (detalhe de A Terra da Abundância) de Pieter Bruegel, O Velho (séc. XVI)

 Mangual como arma de guerra (gravura alemã de Hans Lutzelberger - Séc. XVI)


Nota: Quem gostar de dançar salsa pode procurar, no Youtube, por José Mangual Jr.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

O carro de mão


.
Toda a gente sabe o que é um carro de mão.
Basicamente, duas hastes horizontais onde, numa das pontas, funciona o eixo da roda e, nas pontas opostas, se segura com as mãos para elevar e deslocar. A meio, uma plataforma ou caixa para transportar a carga.
Hoje é fácil já que, por preço acessível, se podem encontrar carros de mão em qualquer loja de máquinas e ferramentas.
Mas, ainda não há muito tempo, sobretudo nas aldeias, os carros de mão eram raros, a maioria das vezes improvisados e, quase sempre, construídos pelo proprietário ou por alguém com mais jeito para a carpintaria.

Na Ataíja de Cima perderam-se, em tempos recentes, muitos dos objectos que eram utilizados pelos nossos pais e avós. 
Felizmente, no entanto, muitos outros ainda subsistem e as pessoas estão, agora, mais conscientes da importância de preservar esses objectos e, com eles, as nossas memórias.

Foi, por isso, com grande prazer que encontrei, recentemente, nas Tasquinhas 2012 do Salão Cultural Ataijense, este carro de mão artesanal:
Apenas, duas hastes de madeira, retiradas do mesmo tronco convenientemente curvo, roda e respectivo eixo também de madeira, aro e chumaceiras que são reaproveitamento de aros de vasilhas velhas, umas tábuas para criar a plataforma de transporte e dar solidez ao conjunto.

Não é o melhor carro de mão do mundo, desde logo porque, para facilitar o transporte e diminuir o peso a suportar pelo condutor, o centro de gravidade deve estar o mais perto possível da roda o que, aqui, não é o caso. Como, a roda deve ser flexível (pneu com câmara de ar) para evitar trepidações e superar mais facilmente qualquer pequena irregularidade do caminho mas, há-de ter facilitado muito a vida ao seu proprietário.


.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

A Candeia

.
A chuva forte não permitiu, hoje de tarde, a continuação da apanha da azeitona.
Continuaremos amanhã, se o São Pedro quiser.

É, por isso, altura apropriada para relembrar que o azeite, ainda hoje um importante elemento da cozinha portuguesa e mediterrânica que tanto apreciamos, como tempero, em cru, de vegetais e  peixes cozidos ou grelhados e, cozinhado, como base de sopas, refogados e estufados, foi historicamente, muito mais do que isso.
Em toda a bacia mediterrânica, desde tempos muito antigos, o azeite foi a única fonte de iluminação doméstica.
Não, não era o petróleo que, antes da electricidade, servia de combustível de iluminação. Isso, foi apenas a partir de meados do Século XIX, quando começaram as modernas explorações de petróleo.
Ainda há cinquenta anos atrás, na Ataíja de Cima como em todas as aldeias de Portugal, havia, é certo, um candeeiro a petróleo em quase todas as casas.

Mas, a mais vulgar luminária era a candeia que, na cozinha, tinha a "ajuda" do fogo que ardia na lareira.



.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

A bilha do leite


.
Agora o leite vende-se pasteurizado, UHT, desnatado, aditivado, gordo, meio-gordo, magro, com cálcio, com chocolate, tudo à vontade do cliente, em embalagem descartável.
Mas, há setenta anos, quando ser leiteiro ou vaqueiro em Lisboa era uma boa solução para tentar fugir às privações da borda da serra e uma grande quantidade de gente, das Ataíjas, do Casal do Rei e dos Moleanos o tentou, não era assim.

O leite, nas quintas, mungido por mãos calejadas, em muitos casos, também por conterrâneos nossos, era colocado em grandes bilhas de alumínio, de 50 litros (a firma Almeida & Freitas, Lda, de Vale de Cambra, ainda as fabrica e, nos Açores, é comum vê-las, ao dorso de mulas, a caminho do posto de recolha) que, chegadas ao posto da UCAL, eram despejadas em tanques e aí o recolhiam os leiteiros, em bilhas de latão de 20, 15, 10 ou 5 litros, com as quais iam fazer a “venda”.

A “venda” adquiria-se por trespasse e era um negócio fortemente regulado.
O leite, comprado na UCAL a 2$60 o litro, era vendido ao público a 3$00, sob a vigilância constante de uma frota de fiscais da Intendência Geral de Abastecimentos, capitaneada por um temível “seis dedos” que fazia perseguição feroz aos leiteiros, sempre de densímetro na mão, para garantir que os magros proventos da venda não eram aumentados à custa da adição de água.
Em resultado disso, a cadeia do Limoeiro foi habitação temporária para muitos desses nossos conterrâneos.
Só podia ser leiteiro quem possuísse o “cartão de sanidade” e fosse sócio do Sindicato Nacional dos Vendedores Ambulantes de Leite, exigências que, de resto, a partir de 1960 começaram a ficar em desuso.
Como a profissão que, também ela, começou a definhar com a entrada em funcionamento da Central Pasteurizadora de Leite de Lisboa e, rapidamente, desapareceu.

Em Janeiro de 1962, segundo a Portaria n.º 19086, de 20 de Março desse ano, o consumo de leite pasteurizado representava, já, cerca de um terço do total do leite consumido em Lisboa.
O meu pai tinha já trocado a vida de leiteiro pela de chauffeur de praça e também a minha mãe, talvez em 1964 ou 1965, abandonou a "venda", então já fortemente reduzida. 

Há dias reencontrei uma velha bilha (a bilha pequena, de 5 litros) com que os meus pais, calcorrearam milhares de quilómetros, entre a Almirante Reis e a Graça, levando leite a casa dos fregueses:




Notas:
1 - A UCAL, União das Cooperativas de Abastecimento de Leite de Lisboa, era uma organização corporativa que dispunha do monopólio do abastecimento de leite a Lisboa e, assim, à qual todos os produtores tinham, forçosamente, de entregar o leite para venda.
Na década de 1990 foi adquirida pelo grupo italiano Parmalat que, por sua vez, foi adquirido, em 2011, pelo grupo francês Lactalis.
A marca UCAL mantém-se, até hoje, no mercado.
.2 - A Central Pasteurizadora de Leite de Lisboa que era propriedade da Câmara Municipal de Lisboa iniciou o seu funcionamento, em regime experimental, em 1958, (ver Decreto-Lei n.º 41.772, de 4 de Agosto desse ano).
.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Fogareiro a petróleo


.
O fogareiro a petróleo não terá sido muito usado na Ataíja de Cima onde, na maioria das casas, se passou directamente da fornalha de lenha para o gás butano e, no ano de 2000, (apenas numa parte da aldeia, como ainda agora), para o gás natural.
É curioso notar que, em virtude da passagem do gasoduto e da existência de várias fábricas de cerâmica artística que eram grandes consumidoras de energia, a Ataíja de Cima teve acesso ao gás natural doméstico, muito antes da generalidade do país, incluindo Lisboa.
Quanto ao fogareiro, se não o usavam nas suas casas da Ataíja, havia muitos que o conheciam bem: usavam-no durante as suas migrações periódicas e nas casas onde viviam em Lisboa e arredores.

Num tempo em que a vida era verdadeiramente difícil, em Lisboa as casas dividiam-se por duas e, às vezes, mais famílias.
Foi assim com os meus pais e foi assim que conheci Lisboa. 
Primeiro na Vila Queiróz, no Bairro Andrade, ali entre os Anjos e a Graça, depois na Rua Carvalho Araújo, casas que partilhamos com famílias do Casal do Rei e dos Molianos (Joaquina Reis, Manuel Duarte) e também na Rua Luís Monteiro, ao Alto do Pina, onde fomos ocupar a parte de casa deixada vaga pelo regresso à Ataíja do ti’Luís da Graça.
Sobre a chaminé, dois ou três fogareiros onde se cozinhava, ao mesmo tempo, para duas ou três famílias diferentes.
Para cada uma, uma única panela, frigideira ou tacho, de onde apenas saíam cozidos, fritos ou refogados ou, mais raramente, estufados. Umas sardinhas, em seu tempo, implicavam uma imensa fumarada na varanda, ou o transporte do pequeno fogareiro de barro para o passeio onde, aí mesmo, na rua, se assavam.
Comida de forno, essa, só em raros domingos e por favor do padeiro: A minha mãe preparava o tabuleiro que se levava até à padaria em cujo forno cozinhava, no calor remanescente da cozedura do pão.

Conheço um desses fogareiros ataíjenses que resistiu, embora muito deteriorado, até aos dias de hoje.
Mas, a sua degradação é tal que já quase não permite perceber como funcionava, pelo que não julgo interessante colocar aqui uma sua fotografia.
Em novos, no entanto, eram assim:

 .

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

As Solas e a Charrua

.


O insólito nome de solas (sólas) era dado na Ataíja de Cima (e não só, uma vez que o DPLP [in http://www.priberam.pt] identifica a palavra, com o mesmo significado, como um regionalismo português) a um tronco de madeira, prolongado por uma corrente com um gancho que, funcionando como cabeçalha, ou timão (ou temão) servia à junta das vacas para rebocar as alfaias.

As solas que hoje aqui trazemos pertenceram ao meu tio António Agostinho da Graça, são constituídas por um tronco de cerca de 12 centímetros de diâmetro e um metro de comprimento (32 cm da ponta até ao furo para a chavelha) ao qual se fixa uma forte corrente de ferro terminada no gancho de engate na alfaia agrícola (a charrua, a grade, ou o trilho, às vezes, uma zorra). Tem o comprimento total de 3,07 metros.



A charrua a que aquelas solas serviram para atrelar, é uma charrua Tramagal, de aiveca reversível, inteiramente construída em ferro, do que foi o último modelo que foi corrente na fase final das alfaias agrícolas de tracção animal.

 
 
.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

A escápula

Um instrumento indispensável na matança do porco


Escápula, dizem os dicionários, é um prego com a cabeça revirada (que, parcialmente cravado numa superfície vertical, serve para nele se pendurarem coisas; serve de cabide).

Na Ataíja de Cima, com função similar mas específica, escápula é uma peça de madeira, em forma de V aberto e com ambas as pontas recortadas ao jeito de anzol que, suspensa através de uma corda de uma das vigas que suportam o telhado, serve para dependurar o porco após a matança, para aí enxugar e ser desmanchado.

Golpeando longitudinalmente, de ambos os lados, a pele das pernas do animal logo acima do tornozelo, entre o osso e o tendão calcãneo (o tendão correspondente ao que, nos humanos, chamamos de Aquiles, o qual é o mais forte do corpo humano [e, julgo, o mesmo se passa no porco] e liga o calcanhar ao joelho permitindo a articulação do pé e, assim, o andar e a corrida) obtém-se uma abertura na qual passa a ponta da escápula que aí fica segura devido à sua forma de anzol.

A escápula que ilustra este texto pertenceu ao meu pai, é construída em madeira de oliveira (as sucessivas podas a que as oliveiras são sujeitas, facilitam o surgimento de formas adequadas a esta função), tem o comprimento de 54 cm e uma flecha de 19cm + 5 cm.




.

sábado, 25 de junho de 2011

Alqueire

Quanto mede um alqueire?



Alqueire, palavra que vem do árabe, era uma antiga medida portuguesa para sólidos, usada desde o final do Séc. XI ou princípios do Séc. XII. Teve uso legal até meados do Séc. XIX, quando foi adoptado o sistema métrico. Apesar disso, continuou a ser largamente usada durante mais cem anos, sobretudo nas zonas rurais e, na Ataíja de Cima, era até há poucas décadas a única medida corrente para grãos.

Mediam-se em alqueires todos os grãos que a terra dava: trigo, milho, feijão, grão-de-bico, favas, ervilhas, chícharos, cevada e aveia, etc.

Do mesmo modo que com a generalidade das demais medidas antigas e apesar das diversas tentativas, nunca foi possível adoptar um padrão que fosse respeitado por todos, pelo que a capacidade do alqueire variava de região para região.

Até dentro da mesma região, a capacidade do alqueire variava com frequência.

Como se vê de uma escritura de 15 de Janeiro de 1912, celebrada no cartório do notário José da Encarnação Lopes Pelayo, de Alcobaça, pela qual Luis Ribeiro, da Ataíja de Cima, comprou a José Trindade Oliveira e esposa D. Maria do Livramento Sousa e Oliveira, de Alcobaça …
“… o domínio directo de um foro de três alqueires e meio ou quarenta e nove litros de trigo, imposto sobre uma terra de semeadura aos Fiéis de Deus, de que o comprador é enfiteuta, a confrontar de Norte com Genoveva Maria viúva, Sul com Tibúrcio dos Santos, Nascente Constantino dos Santos e Poente com caminho público, que é deles vendedores que a herdaram de sua mãe e sogra D. Maria Amália Trindade Oliveira”.

As contas são fáceis de fazer e conclui-se que, aqui, um alqueire correspondia a 14 litros.

No entanto, trinta e oito anos antes, um outro Luís Ribeiro, pai daquele acima referido, numa escritura celebrada em 25 de Janeiro de 1874, em Alcobaça, no cartório do tabelião Francisco Eliseu Ribeiro, confessou-se devedor a Maria Micaela, dos Casais Canários, Vestiaria, da quantia de quarenta e oito mil réis (48$000), de que ficava a pagar uma retribuição anual de …
“… oito alqueires de trigo, correspondentes a noventa e sete litros e setecentos e tetenta e cinco mililitros”.

Feitas as contas, vê-se que, desta vez, um alqueire correspondia a 12,219375 litros.

Há dias, encontrei um velho meio-alqueire que, por pouco, escapou ao tempo e ao caruncho:


É construído em tábuas de madeira com 15mm de espessura e tem, interiormente, as medidas de 225x225x135mm ou seja, a capacidade de 6,834375 litros, pelo que o correspondente alqueire há-de ser equivalente a 13,668750 litros.


NOTAS:
- A volatilidade das medidas tradicionais, fica aqui bem clara, já que, no curto espaço de cem anos, temos - na mesma localidade -  três capacidades diferentes para o alqueire.
- A equivalência que nestas escrituras se faz, entre alqueires e litros, destina-se a compatibilizar a exigência legal da adopção do sistema métrico com as medidas que, efectivamente, se usavam.
- Da segunda escritura referida extrai-se um outro dado interessante:
Sabendo-se que, naquela época, os juros normais eram de 7%, podemos calcular o preço do trigo:
7% de 48$000 = 3$360 réis = 8 alqueires de trigo, logo, 1 alqueire de trigo = 420 réis.
- O alqueire subdividia-se em meios-alqueires, quartas e oitavas.
- Complemento indispensável do alqueire era a rasoira, pequena régua ou rolo de madeira que se fazia deslizar sobre o bordo da medida, para retirar todo o grão que estivesse acima dele.
- Também se mediam em alqueires as batatas, as nozes e as castanhas. Mas estas não se rasoiravam, sendo, aliás, costume deixar algumas acima do bordo (o cogulo).
- Em algumas regiões - que não na Ataíja de Cima - também os líquidos se mediam em alqueires. Ainda hoje, na região de Tomar, se diz que dez litros de azeite é um alqueire de azeite.
- Repara-se na(s) pega(s) do meio-alqueire fotografado. O posicionamento na vertical, destina-se a facilitar o basculamento para o despejo do grão no recipiente de armazenamento ou transporte.


.

terça-feira, 24 de maio de 2011

O Tabuleiro das Tripas

Um objecto indispensável na matança



Numa casa rural típica da Ataíja de Cima da minha meninice, os objectos, os utensílios e as ferramentas eram poucos e muitos deles improvisados. Por contraste, alguns dos existentes tinham uma utilidade muito específica, não servindo senão numa determinada época e, alguns deles, apenas uma vez por ano.

É o caso dos instrumentos e outros objectos próprios da matança do porco: A escápula onde se dependurava o animal morto, o grande tacho de barro onde se cozinhava a cachola, o sovelão a que chamávamos o cebolão, os pequenos funis de lata que serviam para encher as tripas e fazer as morcelas e demais enchidos, a faca com que se abria e desmanchava o animal e ficava o resto do ano cuidadosamente guardada, embrulhada em papel pardo e o tabuleiro das tripas de que hoje falamos.

Dependurado o animal, o desmanchador abria-o com um golpe vertical no ventre e, cuidadosamente, para que se não rompessem, ia puxando e retirando as tripas que suavemente deslizavam para o tabuleiro, para irem a lavar.

E para mais nada servia este tabuleiro.



O tabuleiro que aqui apresentamos, foi da minha tia Joaquina Pequena, tem várias dezenas de anos de existência e mantêm-se na família como memória desses tempos já antigos.





Um desenho, à escala, do mesmo tabuleiro:



.