domingo, 12 de março de 2023

Nome do pai, apelido dos filhos – alguns patronímicos na Ataíja de Cima


Patronímico é o nome de família, o sobrenome ou, como agora é mais vulgar dizer, o apelido, que deriva do nome próprio do pai ou outro ascendente. No caso de o apelido derivar do nome da mãe ou outra ascendente, diz-se matronímico.

Como sabemos, os assentos paroquiais só se generalizaram, na sequência do Concílio de Trento, em meados do Séc. XVI. A partir daí, numa sociedade como a nossa, onde todos eram baptizados, todos passaram a ter um nome próprio, digamos, oficial.

Mas, o nome, os nomes, existem para permitir distinguir uma pessoa de outra e, o nome próprio é, por si, em regra, insuficiente para tal. Marias há muitas, diz o povo. É preciso, em cada caso explicitar de que Maria falamos. É preciso, sempre ou quase sempre, acrescentar algo ao nome próprio para que saibamos de quem estamos a falar.
Há excepções, claro. Estou a lembrar-me, por exemplo, que o Arnaldo nunca precisou de apelido porque, nos setenta e muitos anos que já conta, nunca houve na Ataíja outro Arnaldo. Se falamos do Arnaldo é dele que falamos. Mas o mesmo se não pode dizer de João, José ou Francisco. Para estes casos é necessário acrescentar um outro nome, seja ele de família, de profissão, de local de residência ou de origem, ou uma alcunha, muitas vezes suscitada por características físicas do nomeado, ou por actos que tenha praticado.

Os nomes de família começaram por ser adoptados por nobres e outra gente importante e, pouco a pouco, por todas as classes, incluindo os camponeses pobres. Aqui, no entanto, já tarde, século XIX andado.

Ora, no séc. XIX deu-se na Ataíja e por todas as povoações em redor um fenómeno curioso que foi o da fixação de um elevado número de enjeitados, expostos, em regra da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que por aqui foram criados e por aqui casaram e constituíram família. As razões para tal fixação serão diversas, mas o certo é que só aconteceu pela necessidade de suprir carências populacionais, o que merece estudo aprofundado mas radicará em dois factos: a tremenda quebra populacional da região, em razão das invasões francesas e, talvez, a necessidade acrescida de mão-de-obra, resultante de novas formas de exploração da terra, na sequência da extinção das Ordens Religiosas.

Seja como for, esses enjeitados eram baptizados no Hospital dos Expostos, sendo-lhes atribuído, por regra, o nome do santo do dia ou outro de conotação religiosa, por vezes, o nome constante de algum papel que acompanhasse o exposto. Quando chegados à idade adulta e à necessidade de adoptar um apelido, optavam, raramente, pelo da pessoa que o tinha criado ou, na grande maioria das vezes, por dos Santos.
Os seus filhos, no entanto, já não eram dos santos mas daquela pessoa em concreto. O filho de um Tiago dos Santos, por ex. passaria então a adoptar o nome próprio do pai como seu apelido e chamar-se-ia João Tiago. O nome do pai passou a apelido do filho. É isso um patronímico.

Na Ataíja Temos vários casos, como, sem querer ser exaustivo:

Agostinho – Agostinho Carlos foi meu trisavô. Era de profissão sapateiro e viveu na primeira metade do Séc. XIX. O seu apelido Carlos tem raízes na Ataíja de Cima pelo menos desde a segunda metade do Séc. XVIII.
No entanto, por razões que nos escapam, os filhos e netos de Agostinho Carlos não foram Carlos mas Agostinho, como o meu avó José Agostinho e os seus irmãos.

Daí resultou que o apelido Carlos apenas subsiste hoje, nas pessoas de Manuel Tomé e de seu sobrinho José Tomé e, porque foi recebido por via materna e não transmitido, com eles se extinguirá.

O apelido Agostinho ainda subsiste mas, a manter-se a tendência de transmissão preferencial do apelido paterno desaparecerá também em uma ou duas gerações.

Bernardino – Bernardino dos Santos, foi pai de Manuel Bernardino e de António Bernardino e de uma Maria que faleceu nova, dizem uns que pela pneumónica e outros que atingida por um raio.

Constantino – Constantino dos Santos, nascido em 1850, exposto da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, casou na Ataíja de Cima mas aos 34  anos já era viúvo. Tendo casado em 2ªs núpcias com uma Serafina dos Santos, também exposta, vieram a ter uma larga descendência, sendo o apelido Constantino ainda usado por alguns trinetos menores.

Faustino – Faustino não é, propriamente, um nome ou apelido ataijense. Mas há cá vários descendentes de José Faustino que viveu na quinta do Mogo e foi sogro de José Ribeiro, bisavô, portanto, de Pedro Cordeiro, entre outros.

Faustino era nome próprio, designadamente de um célebre, no seu tempo, Faustino da Gama que foi cavaleiro tauromáquico e dono da Quinta das Janelas, nas Gaeiras, em Óbidos (os mais curiosos poderão ver a descrição patrimonial da Quinta das Janelas na respectiva ficha em Monumentos (http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=24735)
O José Faustino foi criado nessa quinta como filho de pais incógnitos e adoptou como apelido o nome do benfeitor que, aliás, alguns supõem ser o próprio pai.

Lourenço – O mais antigo Lourenço que encontrei na Ataíja foi o meu trisavô Lourenço de Moura (que também usou Lourenço Quitério por ser filho de uma Maria Quitéria). O seu nome próprio transmitiu-se aos filhos como apelido, mas pela predominância de descendência feminina encontra-se reduzido a poucas pessoas da minha geração, incluindo eu próprio, em todos os casos como apelido intermédio pelo que desaparecerá de seguida, ao menos na Ataíja de Cima.

Matias – A transformação do nome próprio Matias em apelido de família ocorre pelo casamento de Matias Coelho com Maria Felizarda, de que nasceu António Matias, que casou com Joaquina Carvalho e foram pais de uma Delfina que faleceu, solteira e sem descendência, aquando da pneumónica e, ainda, de António, Manuel e Joaquim Matias, que tiveram descendência mas, mais uma vez, das dezenas de descendentes apenas uns cinco são rapazes que usam o Matias como último nome

Maurício - Maurício dos Santos, também exposto e também viúvo precocemente, do 2º casamento teve descendência que hoje prossegue, usando os seus tetranetos da linha masculina o apelido Maurício.

Tomé – Tomé é nome próprio e os da minha idade ainda conheceram Tomé Ribeiro, que viveu numa casa que existiu onde hoje é a da sua bisneta Mónica. Mas, Tomé é, também, um apelido, estando vivos o Manuel e o Francisco, filhos de um José Tomé que era filho de Tomé dos Santos, exposto do Hospital dos Expostos de Lisboa (Santa Casa da Misericórdia de Lisboa).

 

  

sexta-feira, 3 de março de 2023

Notícias da América

 

O blog tem estado bastante parado nestes últimos tempos, essencialmente porque o que escrevo é fruto de investigação própria, na qual procuro colocar todo o rigor e respeito pelos factos, o que nem sempre é fácil e é, sempre, moroso. Mas, porque está há disposição de quem o quiser consultar, o blog já teve, desde o seu início, um total de mais de 255.000 visualizações, das quais 1350 no passado mês de fevereiro.

São números que me dão algum prazer, porque permitem a sensação de que não escrevo no vazio. Mas, uma vez que o blog foi pensado como especificamente dirigido aos meus conterrâneos, o alcançar grandes números de visualizadores ou seguidores nunca foi um objectivo e o que verdadeiramente me conforta é o saber que o que escrevo toca, de algum modo, as pessoas a quem se dirige.

Chegou-me agora a notícia de que o blog foi lido por naturais de Aljubarrota, com raízes na Ataíja de Cima, emigrados nos Estados Unidos há quase sessenta anos. Poder ser útil a conterrâneos que se encontram tão longe, há tanto tempo, ajudando-os a recordar alguns factos da sua juventude, deixou-me muito contente e com um acréscimo de vontade de publicar novos textos.

 

É por isso que vos dou conta de um email recentemente recebido:

Hello, sorry for writing in english, hopefully you a better at english than i am at portuguese

I have enjoyed reading your blog about your home town, my mother is from Aljubarrota and had aunts and other relatives from Ataíja de Cima.  She is 95 and has not been able to visit her homeland for many years 

 Her memory is not the best but the best i can figure is 

Her aunt was Maria Da Graca /  sister to her father - this was Antonio Catarino also mentioned on your blog as someone applying for a passport

Her cousin was Luís da Graça de Sousa son of Maria Da Graca also mentioned in one of your posts 

Another cousin, also son of Maria Da Graca was O Quim Velho

I was wondering if you were somehow connected to her family.

My mother is Alexandrina Paulo (nee Piedade), born in 1928 married to Francisco Paulo born in 1927 / both born in Aljubarrota

I was also born in Aljubarrota and our family  emigrated to the USA in 1966 

i read some of the posts to my mother and it brings back some  very fond memories, She tell me often of running away to Ataija de Cima whenever her mother was mad at her and being spoiled by her aunts 

 Thanks again for what  you have created, 

Victor Paulo

 

Tradução (com recurso ao Google Translate):

 Olá, desculpe por escrever em inglês, espero que você seja melhor em inglês do que eu em português.

Gostei de ler o seu blog sobre a sua cidade natal, a minha mãe é de Aljubarrota e tinha tias e outros parentes de Ataíja de Cima. Ela tem 95 anos e não pode visitar sua terra natal há muitos anos.

A memória dela não é das melhores, mas o melhor que posso imaginar é

A tia dela era a Maria Da Graça / irmã do pai dela - esse era o Antonio Catarino também citado no seu blog como alguém que está solicitando o passaporte.

O primo dela era o Luís da Graça de Sousa filho da Maria Da Graça também referido num dos seus posts.

Outro primo, também filho de Maria da Graça era O Quim Velho.

Eu queria saber se você estava de alguma forma ligado à família dela.

A minha mãe é a Alexandrina Paulo (nascida Piedade), nascida em 1928 casada com o Francisco Paulo nascido em 1927 / ambos nascidos em Aljubarrota.

Também nasci em Aljubarrota e a nossa família emigrou para os EUA em 1966.

li algumas das postagens para minha mãe e isso traz de volta algumas lembranças muito boas. Ela sempre me conta que fugiu para Ataija de Cima sempre que sua mãe estava brava com ela e sendo mimada por suas tias.

Obrigado novamente pelo que você criou,

Victor Paulo

 

Actualmente, já não está vivo na Ataíja de Cima nenhum primo da Alexandrina da Piedade. O último foi o Luís da Graça de Sousa, falecido no final de 2021.

Têm, no entanto, a Alexandrina e o seu filho Victor, numerosos parentes ataijenses, desde logo os descendentes de Maria da Graça (nove filhos dos quais só o Quim velho não teve descendência) e, também os descendentes de José Sabino (José Coelho) e Joaquina Rosalia, já que a mãe desta, Rosalia Carvalho, era irmã da Maria da Graça e do António Catarino (e, também, de Maria Catarina que não teve descendência e viveu numa casa que já não existe, no início da Rua das Seixeiras).