A
decifração da lápide reproduzida na fotografia, a qual se encontra na capela de Nossa Senhora do Carmo, em Chiqueda, foi proposta
pela Associação Azenhas de Chiqueda aos leitores da sua página no Facebook (AQUI),
em 20 de Abril p. p. sem que até agora, 11-6-2015, haja notícia de a lápide ter
sido decifrada.
Como já
dissemos mais de uma vez, embora este blog se dedique (exclusivamente, afirma-se
no título) à divulgação da Ataíja de Cima, a verdade é que a Ataíja não é uma
ilha e, quando se procura sobre o seu passado, sempre, inevitavelmente, surgem
factos relativos a aldeias vizinhas. É o que agora acontece e, se decidimos elaborar
este texto, foi porque “o caso da lápide” contém todos os ingredientes que nos
motivam nas nossas “investigações”.
Vamos,
então, tentar dar um pequeno contributo para a decifração da dita lápide.
Antes do mais, é preciso ter presente que uma
lápide, se destina a assinalar um facto e o seu autor ou protagonista.
Na maior
parte das vezes o que mais exactamente se pretende, é homenagear, engrandecer,
glorificar, perpetuar o autor ou protagonista ou a sua memória e, por isso, se
não poupa na descrição desse homenageado, enumerando nome, naturalidade, profissão
e honras, morada, feitos, etc., cabendo ao facto assinalado servir de “prova” do merecimento da
homenagem, engrandecimento, glória e memória de tal pessoa.
Termina-se,
- todas as lápides terminam -, com a data. Porque uma lápide é, essencialmente,
uma luta contra o tempo, uma ambição de eternidade.
É isso o
que, também, se passa nesta lápide. Vejamos:
As
primeiras palavras referem-se ao cargo ou profissão da pessoa que a placa quer
honrar: O CAM, significará, por certo, O CAPITAM, quer dizer, O Capitão.
A palavra
MEL, será, ainda, relativa ao posto ou cargo ou, por outro lado,
será, como parece, o nome próprio Manoel. Contra esta última hipótese temos o
facto de estar separada do resto do nome por uma vírgula que não teria aqui
razão (mas, sempre se dirá que também não existe qualquer justificação para a
vírgula que, por ex., mais adiante, se vê entre as palavras “DESTE” e “LVGAR”).
Segue-se
o que, sem dúvida, já é o nome: iOZE, isto é, IOZE, José.
FROS
poderia ser Francisco não fora (ou será, apesar de?) o S final.
A
transcrição do restante texto não parece oferecer grandes dúvidas. Assim:
CAVRO,
- CAVALEIRO
PROFO,
- PROFESSO
NAORDEM,DECHRISTO
– NA ORDEM DE CRISTO
NAT.ALDESTE,LVGAR,
- NATURAL DESTE LUGAR
MORNACIDE,DABA
– MORADOR NA CIDADE DA BAÍA
MANDOV
FAZERESTA,CAPA, - MANDOU FAZER ESTA CAPELA
PA,NASADOCARMO,ANNO1800
– PARA NOSSA SENHORA DO CARMO, ANO1800
Em conclusão
do que, a minha proposta de leitura para a lápide é a seguinte:
O Capitão Manuel José Francisco, Cavaleiro Professo na Ordem de Cristo
Natural deste lugar, morador na cidade
da Baía, mandou
Fazer esta Capela para Nossa Senhora do
Carmo, Ano 1800
O
Couseiro, em meados do Século XVII, apenas assinala a existência, em Chiqueda, de devoção a São Brás, nestes termos:
“No Pisso (poço) do Soão, outra, (ermida) da invocação de S. Brás, imagem de vulto; não tem capela, nem nicho, nem retábulo, nem sacristia, nem sino, nem é forrada.”[i]
“No Pisso (poço) do Soão, outra, (ermida) da invocação de S. Brás, imagem de vulto; não tem capela, nem nicho, nem retábulo, nem sacristia, nem sino, nem é forrada.”[i]
Pelas
chamadas Memórias Paroquiais[ii],
ficamos a saber que, cerca de cem anos depois, em 1758, “o lugar de Chaqueda
tem vinte e oito vizinhos[iii].”
e, “ (uma) ermida dentro do lugar de Chaqueda de Sam Bras, a qual pertence aos
moradores do mesmo lugar;”
Ou seja,
até 42 anos antes da data inscrita na lápide ainda não se invocava em Chiqueda
a Nossa Senhora do Carmo.
O promotor
da capela e responsável pela introdução da devoção a Nossa Senhora do Carmo em
Chiqueda era, como vimos, morador na cidade de São Salvador da Baía, (que era,
então, a maior cidade e capital do Brasil) o que explicará a sua devoção ao
Carmelo que, por essa época, gozava de grande expansão em todo o Brasil e,
particularmente na dita cidade e no Recôncavo baiano[iv].
Quem seria
esse capitão, nascido em Chiqueda que talvez se chamasse Manuel José Francisco,
enriqueceu no Brasil e o quis mostrar aos seus conterrâneos, no ano de 1800?
[i] Couseiro
ou Memórias do Bispado de Leiria, Transcrição da 2ª edição, de 1898, pág. 264,
Colecção Tempos & Vidas, 16, Textiverso, Leiria, 2011.
[ii] João
Cosme | José Varandas (Introdução, Transcrição e Índices), Memórias Paroquiais
(1758), Volume III [Almonde – Amorim], Edição Caleidoscópio e Centro de
História da Universidade de Lisboa, 2011, pág.s 10 e 13.
[iii]
Talvez, cerca de 90 ou 100 pessoas.
[iv] O
conjunto do Carmo (Convento, Igreja http://www.hpip.org/Default/pt/Homepage/Obra?a=1123
e Igreja da Ordem Terceira http://www.hpip.org/Default/pt/Homepage/Obra?a=1150) constitui, um dos mais importantes monumentos
coloniais de S. Salvador da Baía. No entorno é, também, muito importante, o
conjunto do Carmo em Cachoeira (http://www.hpip.org/def/pt/Homepage/Obra?a=972)
.