quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Vidraço de Ataíja

Na década de cinquenta do Séc. XX, julgo que, exactamente, em 1955, a Ataíja de Cima começou, pela mão de João Veneno, natural das Pedreiras, Porto de Mós, a entrar na modernidade.

Até aí a economia local era exclusivamente agrícola e o único produto importante, o único capaz de gerar excedentes monetários relevantes era, como já referido em posts anteriores, o azeite.

Nesse ano de 1955 o João Veneno, conhecedor das técnicas de extracção da pedra de “cantaria” que se explorava nas Pedreiras, face à perda de importância económica dessas explorações, decide começar a escavar na Ataíja de Cima a pedra local.

As primeiras escavações tiveram lugar no sítio dos Caramelos, no terreno onde José Henriques, recentemente falecido e que era conhecido por José Neto e, mais vulgarmente, por José Carago, veio depois a construir a sua casa. Mesmo junto ao local onde hoje existe uma pedreira da empresa Mármores Vigário. Lda.

Pouco tempo depois, em 1958, Luís da Graça de Sousa que todos conhecem por Luís da Graça e era leiteiro em Lisboa, decidiu regressar à aldeia e, algum tempo depois, começou a explorar pedra no sítio do Vale Cordeiro, num pequeno terreno que era propriedade de seu sogro, António Catarino.

Seguiram-se muitos outros e, até hoje, a importância económica da exploração (e posteriormente da transformação) da pedra que é conhecida por Vidraço de Ataíja ou ,simplesmente, Ataíja, não tem parado de crescer.

Mas essa é uma história para mais tarde. Por agora, fiquemo-nos pela caracterização do vidraço da Ataíja.

(O que abaixo se diz é inteiramente retirado, apenas com pequenas adaptações para permitir um texto corrido, de: ORNABASE – Base de Dados do Catálogo de Rochas Ornamentais Portuguesas, in
http://e-geo.ineti.pt/bds/ornabase/rocha.aspx?Id=59):


O vidraço da Ataíja é uma rocha calcária, finamente calciclástica, com tonalidade creme-acinzentada (o Ataíja Creme), ou cinzento e cinzento-azulado (o Ataíja Azul) que tem como utilizações recomendadas as cantarias e pavimentos e revestimentos, interiores e exteriores.

Explora-se em Ataíja de Cima, freguesia de São Vicente de Aljubarrota, município de Alcobaça, distrito de Leiria, em camadas integradas na formação Moleanos, datada do Caloviano Inferior a Médio (Jurássico Médio) e que apresenta grande continuidade no Maciço Calcário Estremenho (Orla Mezocenóica Ocidental) entre Alto da Serra e o paralelo de Porto de Mós.

Nas pedreiras que serviram para a caracterização das explorações e dos tipos litológicos, o Vidraço de Ataíja Creme ocorre conjuntamente com o Vidraço de Ataíja Azul. As bancadas têm atitude média, numa delas N30º E, 15º NW e na outra N3ºW E, 15º NW, por vezes são espessas, algo carsificadas e fracturadas, possibilitando, entretanto, a produção de blocos de dimensão média aceitável. Os principais sistemas de fracturação têm, em média, direcção N85º W, 85º N, N10º W, 65º E e N40º W, 80º E, este menos importante.

As placas são, em geral, obtidas por talhe ao “correr” da pedra.

As reservas são grandes e o acesso às pedreiras é bom.

Nas análises a que foram submetidas, não se notou qualquer alteração na cor nem na estrutura dos provetes no final dos 25 ciclos de gelo-degelo.




 Vidraço Ataíja Azul


Vidraço Ataíja Creme


segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A população da Ataíja de Cima em 1758

Em 1758, de acordo com o relatório do Pároco de São Vicente, elaborado nesse ano em resposta ao inquérito lançado por ordem do Marquês de Pombal e incluído nas chamadas Memórias Paroquiais, era a seguinte a população da Freguesia de São Vicente de Aljubarrota:





Note-se que nos casos de Aljubarrota e dos Moleanos se refere, apenas, a parte dessas localidades que pertencia à Freguesia de São Vicente, sendo que a parte dos Moleanos que pertencia a Nossa Senhora dos Prazeres, era muito maior, possuindo vinte e cinco vizinhos. No caso dos Chãos, o Pároco menciona, ainda, para além dos referidos trinta e quatro vizinhos, a existência de quatro nobres.

Admitindo que todos os dados estão correctos (e o pároco era, certamente, a pessoa que naquela época de melhores condições dispunha para um correcto recenseamento da população, já que possuía livros de assentos de baptismos, óbitos e róis de confessados e fazia visitas pascais recebendo as respectivas côngruas), não pode deixar de se referir os casos discrepantes dos Moleanos, com 6 pessoas por fogo, valor este muito superior à média e do Cadoiço que, a acreditar nestes números, teria várias casas com, apenas, um morador.

A Ataíja de Cima configurava-se, nesse tempo – há 252 anos atrás -, como a maior aldeia da freguesia, quer em número de fogos quer em população total, a grande distância dos Casais de Santa Teresa, a outra aldeia da freguesia que ultrapassava o número de 100 habitantes.

A freguesia, entretanto, mudou e surgiram as novas povoações de Mogo e Olheiros e os Moleanos mudaram de freguesia e não encontro notícia dos Casais dos Belos.

Confesso a minha ignorância, mas não conheço a região e a sua história tão bem como gostaria e, por isso, estes Casais dos Belos intrigam-me.
É que não consegui encontrar na internet outras referências a tal localidade que, como se vê, era no ano de 1758 de média dimensão no contexto da freguesia (20 vizinhos e 57 habitantes), salvo duas escrituras que se conservam no Arquivo Distrital de Leiria:
- Uma de 1794, referente a “ 50 000 reis que deu a juro Antónia Dionísio de Aguiar Barreto, recolhida no Mosteiro de Coz, a Manuel Francisco e mulher Marcelina Amada, dos Casais dos Belos, termo de Porto de Mós.”
-Outra de 1795, relativa a “25 000 reis que deu a juro o Mosteiro de Coz a Joaquim Lourenço e mulher Luisa da Costa, dos Casais dos Belos, Porto de Mós.”
- Uma terceira referência à mesma localidade encontrei-a em "Porto de Mós - Colectânea Histórica e Documental", do Prof. Saul António Gomes onde, (pág. 1069, Doc. 506) no Inventário dos Bens do Convento do Bom Jesus de Porto de Mós, 1843-1837, consta:
"Quarenta mil réis que deve Gregório dos Santos dos Cazaes dos Bellos por escriptura publica de doze de Março de mil oitocentos e trinta e hum ___ 40$000".
A págs. 1071 do mesmo livro, refere-se a dívida dos juros correspondentes:
"Deve mais Gregorio dos Santos dos Cazaes dos Bellos proveniente de reditos a quantia de dois mil reis ___ 2$000".

Em toda a demais literatura sobre a região que até agora consultei, não me lembro de ter lido qualquer outra referência aos Casais dos Belos

Assim, desde já agradeço aos eventuais leitores que, em comentário ou por email, me resolvam esta dúvida: onde eram os Casais dos Belos?

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

A Ataíja de Cima e Porto de Mós – Séc. XVI e XVII

A dependência secular da freguesia de São Vicente de Aljubarrota e, assim, da Ataíja de Cima, das igrejas de Porto de Mós e, através destas, da Colegiada de Ourém (e não do Mosteiro de Alcobaça, como muitos parecem acreditar) é abundantemente comprovada por muitos documentos.

Hoje, recorrendo uma vez mais ao monumental livro “Porto de Mós – Colectânea Histórica e Documental, Séculos XII a XIX”, do professor Saul António Gomes, editado em 2005 pelo Município de Porto de Mós, no âmbito das comemorações dos 700 anos do foral da Vila dado em 1305, mencionaremos três desses documentos:

No Registo das receitas e despesas da Colegiada de Santa Maria da Misericórdia de Ourém relativas ao ano económico de 1559-1560, elaborado em Ourém em 9 de Janeiro de 1562 (in op.cit., pág. 720, Doc. 414), aparece a seguinte rubrica:

“Item pagou ao dito Joam Afonso pera gastos das Igrejas de Porto de Mos e Aljubarrota, seis mill reais dos quães gastos e despesas o Senhor Prior tomou conta em Porto de Mos aos Priostes de que Joam Afonso prioste tem papes ___ bj¯ reais.”

No Registo das receitas e despesas da Colegiada de Santa Maria da Misericórdia de Ourém relativas ao ano económico de 1572-1573, elaborado em Ourém em Junho de 1573 (in op.cit , pág. 738, Doc. 419), de novo, surgem despesas com a Igreja de Aljubarrota:

“Item pagou pera gastos na Igreja de S. Vicente da Aljubarrota ___ j¯ vc reais.”

O terceiro documento, também transcrito na obra citada (pág. 779, Doc 436), é datado de Leiria, 29 de Outubro de 1627 e contém o traslado do: “Contrato e sua ratificação pelo Bispo de Leiria, através do seu Provisor no Bispado, Pe. Francisco Vieira, do termo estabelecido entre a Colegiada de Santa Maria de Ourém e as Igrejas de Santa Maria (Nossa Senhora dos Mortinhos), São João e (São) Pedro de Porto de Mós, acerca da colecta das rendas das Freguesias que lhe eram anexas naquele concelho e sua aplicação”, do qual consta:

“… e ahi todos juntos e cada hum por si por parte das suas Igrejas, de transausão e amigavel composisão por excuzarem dovidas e demandas na maneira seguinte:
Nos depozitos que estão escritos nos Livros da Recepta e Despeza das tres Igrejas e anexas desta Villa de Porto de Mos em que elles todos são partes imteressantes não queriam que se uzasse mais dos ditos livros nem contas senão somemte cobrar o dinheiro que deve Belchior Antunes como erdeiro e testamenteiro de Bras Luis beneficiado que foi na See de Leiria, E que se fizesse deligencia por hum Livro que la esta e achando se elle e constando dever se algum dinheiro a este depozito se partira de mão comum por estas Igrejas que fica dos ditos depozitos para a Fabrica e obras delas e das anexas do dinherio que esta cobrado e se deve he se comsertaram as anexas a saber Alvardos e Aljibarrota e Serra Ventozo e o remanesemte ficara pera se gastar na Igreja de São João desta villa de Porto de Mos. …”


NOTAS:
(1) Prioste – Recebedor das rendas da Igreja (Dicionário Priberam da Lingua Portuguesa, in http://www.priberam.pt/DLPO/).
(2) No segundo Doc. referido, o valor (mil e quinhentos reais) está, efectivamente, escrito em formato que não conseguimos reproduzir no texto. Assim:

Sobre numeração romana pode ver-se: "O sistema romano de numeração", por J. F. Porto da Silveira - Mat/UFRGS, ampliado e ilustrado por Iran Carlos Stalliviere Corrêa - IG/UFRGS, in http://www.mat.ufrgs.br/~portosil/histo2e.html

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

O azeite na Ataíja de Cima, cerca de 1950

Durante mais de dois séculos e até há menos de 50 anos atrás, a produção de azeite foi a actividade económica mais importante na Ataíja de Cima e em toda a região.

Os grandes olivais foram no entanto, quase todos, durante muito tempo, propriedade de não residentes. Em 1950 ainda assim era com, entre outros, o olival do Mira e o olival do Sá. Grandes produtores locais de azeite eram os donos dos lagares: Luísa Ribeiro, José Ribeiro e Francisco dos Casais que herdara parte do olival dos frades e poucos mais.

A generalidade das famílias possuía pequenos olivais, muitas vezes, pés de oliveira isolados e os mais pobres ocupavam-se, no final da apanha, no “rabisco” seja, a catar das oliveiras alheias os bagos que ficavam após a apanha, fosse na árvore fosse no chão para, com isso, juntarem mais uns quantos litros de azeite à magra colheita familiar.

O azeite era, em geral, de muito má qualidade, em razão dos processos arcaicos em uso: As oliveiras, quando o terreno se não encontrava já limpo pelas lavouras das culturas de inverno, eram “enterreiradas”, o que consistia em raspar cuidadosamente o terreno para o libertar de ervas (trabalho que se fazia logo em Setembro ou no inicio de Outubro, após as vindimas) e sobre esse terreiro iam caindo as azeitonas mais fracas e doentes, gafadas ou picadas da mosca e também, no dia da colheita caiam todas as varejadas que era esse o processo corrente de apanha, sendo raro o recurso ao ripanço, por mais moroso e, assim, mais caro.

A apanha propriamente dita fazia-se do chão do terreiro, aproveitando-se tudo: as azeitonas sãs que tinham acabado de ser varejadas e todas as que se encontravam na terra, às vezes há mais de um mês.

Seguia-se o entulhamento, muitas vezes em casa do proprietário, por insuficiência de tulhas nos lagares e ali ficavam as azeitonas, deficientemente limpas de folhas e sujas de terra, salgadas para retardar e fermentação e o apodrecimento, a aguardar a sua vez de serem moídas e transformadas em azeite.

Hoje sabe-se que, idealmente, as azeitonas devem ser desfeitas até 24 horas após serem colhidas, sem prejuízo de estarem disponíveis no mercado sacos plásticos, certificados para uso em produtos alimentares onde, quando bem fechados, com o mínimo possível de ar e não empilhados e estando as azeitonas sãs, enxutas e limpas, se conservam em bom estado por alguns dias.

Com os métodos do enterreiramento e entulhamento fazia-se tudo ao contrário e, quando chegava a altura da moenda, as azeitonas eram, frequentemente, uma massa quase informe e malcheirosa de que resultavam azeites de muito má qualidade.

Era assim por todo o lado e só isso justifica que, em 1950, o proprietário de uma quinta em Camarate (arredores de Lisboa) se mostrasse interessado em adquirir azeite na nossa região.

Numa carta de 16 de Dezembro de 1950, enviada a José Coelho, o seu amigo Joaquim Pio (da Ataíja de Baixo) dá conta desse interesse e das condições para o negócio:

 Nesse ano de 1950 a colheita de azeite terá sido, como de costume, abundante na Ataíja. À qualidade, designadamente à acidez, todos hoje torceríamos um pouco o nariz. Os métodos que então se usavam não permitiam, no entanto, melhor qualidade: O bom azeite tinha 3,1 graus de acidez, o corrente 6 ou 7 graus. E contam-me que, nesse tempo, se chegava a fazer azeite com 12 e 13 graus.

Em 9 de Dezembro de 1951 (na colheita seguinte àquela a que se refere a carta acima reproduzida), Joaquina Rosalia (mulher do José Coelho atrás referido) escreve a seu marido dizendo que o azeite se está a vender a “200$00 e mais, é conforme o grau” (este preço refere-se ao almude - 20 litros) e, numa carta anterior, de 25 de Novembro, dava conta que os homens estavam a ganhar 27$00 e as mulheres 15$00 e fornece outros elementos interessantes: que uma medura de 24 sacos deu 97 litros de azeite “livres” (quer dizer, após o lagar ter cobrado a respectiva maquia) e que vendeu o bagaço por 75$00.

Veja-se o valor do bagaço que, naquele tempo, salgado e depositado em pequenos poços a que chamávamos “covas do bagaço”, se aproveitava para alimentar porcos.

Em 31 de Março de 1952, o José Coelho há-de escrever a sua mulher dando-lhe ordem para vender algum azeite “mas só se te derem a 205$00 ou a 210$00”.

Hoje é possível comprar um bom azeite por menos de € 5,00 o litro. Ora, como vemos, naquele tempo a jorna de um homem dava para comprar apenas 2,7 litros de azeite e a de uma mulher para, apenas, 1,5 litros. O correspondente, hoje, respectivamente, a € 13,50 e € 7,50.

E, no entanto, esses eram valores de remuneração relativamente atraentes para os nossos pais e avós. Tanto que, na mesma carta, de 25 de Novembro, a Joaquina Rosalia diz a seu marido, certamente em resposta a um pedido para encontrar na Ataíja de Cima uma rapariga que estivesse interessada em ir para Lisboa como criada de servir: “José, quanto a criada, agora não se arranja por cá nenhuma porque agora há cá boa jorna e ninguém quer ir servir”.

2010, Novembro: O lagar de Francisco Vigário, o único actualmente existente naAtaíja de Cima