A ligação de Aljubarrota à Ataíja de Cima fez-se,
secularmente, por um caminho que saía de São Vicente, descia às Marmeleiras
e aos Fiais de Deus, passando ao lado do cabeço do Murtal até cruzar a Rigueira
que agora chamam de Ribeira do Mogo e, vinda dos lados das Pedreiras, percorre
todo o vale até ao Poço Suão e a Chequeda, para aí ganhar águas permanentes e
se transformar no rio Alcoa.
Na leve descida que vai do Murtal à Rigueira, rebentavam olhos de água nos
tempos de chuva. Carros e bestas passavam a rigueira a vau e os peões, por uma
estreita ponte, feita de uma única laje. Aí, na parede do que era o olival da
ponte, então de José Ribeiro, ainda se via, em meados do século passado, o
fuste de um antigo cruzeiro das Almas, local de descanso dos cortejos fúnebres.
Atravessada a Rigueira, abria-se ao lado esquerdo, uma
inclinada ladeira, coberta de lages, a Azinha da Cucanha, que subia à Charneca
da Várzea e às Figueirinhas e por onde os habitantes dos Casais de Baixo iam à missa
a São Vicente.
O caminho para a Ataíja era o que hoje chamamos Rua da Ponte
e dali continuava subindo pelas Tibarôas e Rossanas, até desembocar no Outeiro.
Foi assim durante séculos. Mas, em 1897, o Governo de Hintze Ribeiro, que
já três anos antes tinha classificado como estrada municipal o caminho entre a Lameira
e os Casais de Santa Teresa, por Carvalhal, Ataíja de Baixo e Ataíja de Cima,
mandou adicionar ao número de estradas municipais de 2ª classe, a ligação entre
a Ataíja de Cima, o Cadoiço e Aljubarrota.
Pouco a pouco, o novo caminho foi-se impondo e, em data que desconheço
passou a ser a estrada municipal n.º 553, o que julgo ser ainda a sua
designação oficial e, no final dos anos de 1940, sofreu um grande impulso com a
macadamização. Macadame de má qualidade, diga-se, porque uns dez anos depois já
estava muito deteriorado, sobretudo nos pontos mais críticos: A ladeira grande,
a chegar a Aljubarrota, a ladeira pequena, onde agora está a fábrica da
Marmalcoa, a ladeira do Faca e a dos Caramelos e o Fundo da Igreja, eram tudo
sítios onde do macadame já só havia vestígios entre as velhas lages que, de
novo, brilhavam ao sol.
Só após o 25 de abril, então com o piso ainda muito mais
degradado, pelo tempo e, nos últimos anos, pelo trânsito dos camiões de
transporte dos blocos de Vidraço da Ataíja que, entretanto, começara a ser
explorado é que, por iniciativa da população, como relatado no post Oalcatroamento da Estrada do Lagar dos Frades, se vieram a iniciar as diligências que resultaram no alcatroamento da estrada.
Em meados do século XX, para quem vinha de Aljubarrota, a povoação
da Ataíja de Cima começava a meio do pequeno planalto que encima a ladeira dos
Caramelos. Aí residiam o Ti’ José Tomé e a sua mulher Maria Rosa ou Maria
Carlos, conhecida por Maria “Metina”, por ser filha de uma Emilitina. A
arruinada casa ainda lá está.
Seguia-se a casa recém-construída de Manuel Branco e Maria Florinda e, já na esquina com a falada Rua da Ponte, a casa
de Luís Gomes que foi conhecido por Luís Francelino. A casa também ainda lá
está e já falamos dela neste blog, num post com o título O Pátio.
Na Rua da Ponte havia uma única casa que também ainda lá
está, envolta num emaranhado de vegetação que mal a deixa ver. Aí moravam uma
Alice, filha de Alfredo Ângelo da Silva e o seu marido Joaquim “Minderico”,
oriundo do Casal do Rei.
Nessa casa funcionou o primeiro telefone que houve na Ataíja de Cima.
Voltando à Estrada do Lagar dos Frades, seguiam-se, já na
subida, as casas de Tomé Ribeiro e de sua mulher Maria Jorge (Jorza, como
dizíamos), onde agora está a casa de uma sua bisneta.
Em frente, era a casa, que também ainda lá está, de António
Bernardino (António do Casal) e de sua mulher Joaquina “Guilhermina”, que aí viveram com os seus dez filhos. No pátio
existe ainda uma notável cisterna com cobertura de duas águas.
E, estávamos no Outeiro.
Aí dominava e domina a casa alta
onde moravam os irmãos Joaquim e António Matias (são duas casas independentes)
e antes tinham morado os seus pais António Matias e Joaquina Carvalha, ela natural dos Casais de Santa
Teresa (Casais de Baixo), ainda viva em meados do século. Ele, faleceu aquando
da Pneumónica, tal como a sua filha Delfina.
A casa, essa, corre actualmente
riscos de ruína, o que é pena pois se trata de uma das casas mais antigas
(século XVII) da Ataíja de Cima e tem evidente valor arquitectónico.
Do outro lado da rua a casa que José Sabino (José Coelho) tinha erguido, cerca
de 1944 para o seu casamento com Joaquina Rosalia e hoje é propriedade de um
dos seus filhos.
Seguia-se uma extensão de cerca de 100 metros de terrenos
agrícolas antes de entrarmos no núcleo central da aldeia, o “Lugar”.
Aí,
tínhamos as casas de Alfredo Ângelo da Silva, onde está o supermercado e, em
frente, uma casa baixa onde funcionava uma taberna que também tinha sido do
Alfredo e, comprada pelo Sarrano (Manuel
Rei de Carvalho, natural da Bezerra, também conhecido por Manuel Sarrano ou
Manuel dos Ovos) foi objecto, logo no início dos anos cinquenta, de obras
profundas que aumentaram a área de implantação e lhe acrescentaram um segundo
piso, como, no essencial, ainda lá está.
Seguia-se a casa que agora é de Manuel Tomé (desta e da casa
do Alfredo falei já no recente post A Rua de Nossa Senhora da Graça )
e, pelo norte e até ao Adro da Capela, tudo eram traseiras de casas da Rua de
Nossa Senhora da Graça.
Pelo Sul seguia-se a casa, que ainda lá está, habitada, de
Manuel Matias que aí vivia com a sua mulher Maria Cordeira, os filhos e a sogra,
primitiva proprietária, uma Ana de alcunha a Riteira.
Pegada, a casa que a viúva Maria Coelho tinha acabado de
construir ou reconstruir e agora está a ser objecto de obras que lhe hão-de
propiciar uma nova vida.
Mais terreno agrícola e, no Adro, dentro de um pátio, a casa que ainda lá está e
foi de João Cordeiro, de quem já falei várias vezes, por ter sido o doador do
edifício onde, durante quarenta anos, funcionou a escola da aldeia e eu aprendi
a ler e escrever.
Encostada, a casa construída por Joaquim d’Avó, onde ainda vive
a sua viúva e, de seguida, a que foi do avô do Joaquim, o “Vigário Velho”, onde
agora está a de sua bisneta Deolinda.
Encostada a esta, a casa de José Ribeiro,
uma casa antiquíssima que vem pelo menos do século XVIII como o atesta uma inscrição
na padieira. Uma casa felizmente ainda viva.
Seguia-se a casa alta, também de José Ribeiro, onde agora
está a casa do seu neto Rafael. Mas, naquele tempo já não era propriamente uma
casa. O rés-do- chão funcionava como palheiro e o primeiro andar só era usado
no tempo da azeitona, servindo de quartel ao rancho que o José Ribeiro
costumava contratar para o lado dos Montes. No telhado rodava o moinho de vento
que produzia a electricidade para o funcionamento da primeira telefonia que
houve na Ataíja de Cima e, julgo, a Amélia ainda conserva.
Colada, onde agora o Rafael tem a garagem, a pequeníssima casa
onde António Dias, o Pato Marreco, por alguns também conhecido por Rabo-Loiro, morava com a sua mulher Antónia Rosa e uma
extensa família.
Seguia-se, no sítio onde António Faustino Ribeiro, o Mosca, construiu
a sua casa e ainda vive a sua viúva, uma casa que então já estava abandonada, a
casa do Jorge.
Coisas da infância, lembro-me dela como se fosse hoje: a casa recuada, na
sombra de uma arribana, de telha vã e chão de terra, que ocupava
toda a frontaria. Ao centro, para ajudar a suportar o telhado, um pilar, um
tronco de madeira junto ao qual havia um pequeno maroiço de pedras, onde
despontavam silvas.
Vinha depois a casa de António Pereira, o Tita. Um
personagem peculiar e um pouco louco que bebia demais, batia na mulher e nos
filhos e passou algumas vezes pela prisão. A seguir à casa havia uma enorme
figueira de onde ele lançava imprecações e gritos ameaçadores.
Eu tinha um medo terrível dele e dos seus gritos.
Na frente da casa havia um pequeno patim onde, às tantas, o Tita resolveu
cravar um eucalipto para servir de mastro e, aos domingos, içava a
bandeira nacional, a que prestava honras com um pau de vassoura a servir de
espingarda, cerimónia a que, algumas
vezes, obrigou a mulher e os filhos a assistir perfilados. O Regedor quis pôr
termo à cena, mas não se tendo provado qualquer desrespeito à bandeira, o juíz mandou
o Tita em paz.
Em frente, estavam as casas, hoje a caminho da ruína, de
José Salgueiro e Conceição Neto e, antes, uma mais antiga onde morava o irmão
dela, José Henriques, também conhecido por José Neto e pela alcunha de O Carago
e, então, ainda era solteiro.
De novo do lado sul, havia o pombal, como lhe chamava a minha
avó.
Tratava-se da casa de dois pisos onde vivia a minha tia Pequena e que foi
consumida por um incêndio. Era o pombal por ter sido construída, mas não
acabada (tendo ficado de vãos vazios, como um pombal), por António da Graça, um
meio irmão da minha avó que acabou por casar e ir viver nos Milagres e a quem,
por isso, chamávamos o Ti’António dos Milagres.
Do outro lado da estrada, era a casa – que ainda está viva e
habitada – de outro António Agostinho, também conhecido por António Cláudio e, mais
vulgarmente, o Russo, que aí vivia com a sua mulher Delfina e uma extensa
prole.
No pátio havia uma frondosa nogueira e na eira, que também ainda existe, estava
um certo verão uma amoreia de cereal para ser debulhado.
O Padre, na missa,
tinha anunciado que corria entre os coelhos uma doença infecciosa (era a mixomatose,
vulgarmente chamada lepra dos coelhos) e que era preciso tomar medidas para
evitar o alastramento da doença: Devia abrir-se uma cova no quintal, para enterrar
os animais doentes que deviam ser mortos, regados com petróleo e queimados.
Um jovem José Russo quiz fazer tudo direitinho mas esqueceu-se de matar o
coelho que, sentindo-se a arder, saltou da cova e foi a correr enfiar-se na
amoreia que estava na eira, dando origem a um grande incêndio que foi debelado
pela acção abnegada de quase toda a aldeia que, sem auxílio de bombeiros e com
a escassa água a ser passada “à formiga”, em baldes, conseguiu confinar e
controlar o fogo.
Finalmente, na Serrada, a casa que fora de Matias de Horta e
Maria Botas, naquele tempo já desabitada e na posse de José Bernardo, por o
Matias e a sua mulher terem, entretanto, sido internados no Asilo.
Tudo visto, por volta de 1950, moravam na Estrada do Lagar dos
Frades mais de 100 pessoas.
A casa do Outeiro terá, actualmente, mais de trezentos anos