Os mapas foram, historicamente, instrumentos especialmente úteis para a preparação da guerra e, após o início das grandes navegações, para localização de portos (portulanos) e de acidentes importantes da costa. Mas eram coisa que não interessava muito aos cidadãos comuns que pouco se deslocavam em transporte autónomo e, por isso, não precisavam de mapas.
Só a partir da invenção do automóvel os mapas passaram a interessar a toda a gente. Daí que, no início do Séc. XX., tivesse começado por todo o lado a criação de clubes de automobilistas e a publicação de um grande número de mapas de estradas e de guias turísticos.
Em Portugal, o Automóvel Clube de Portugal foi fundado em 1903, tendo como presidente da Assembleia Geral o Infante D. Afonso, irmão do Rei D. Carlos e que era conhecido por "O Arreda", porque andava pelas ruas de Lisboa no seu automóvel aos gritos «Arreda, Arreda!» para que as pessoas saíssem da frente.
O ACP publicou o seu primeiro mapa das estradas de Portugal em 1928. Este mapa tem, desde então, tido uma publicação e actualização regular estando, actualmente, na 96ª edição.
Sendo, sem dúvida, um dos melhores mapas de estradas que se publica em Portugal tem, relativamente à Ataíja, um erro incompreensível e que se mantém desde sempre: apresenta a Ataíja sem fazer distinção entre Ataíja de Cima e Ataíja de Baixo e não mostra qualquer ligação ao IC2.
Há muitos anos que me interrogo sobre as razões do erro e, para além da explicação óbvia de não terem sido feitos levantamentos no terreno e de não terem sido levados em atenção os muitos mapas onde as estradas da região estão correctamente representadas, parece que a razão do erro se deve ao facto de o mapa ter sido desenhado a partir de informações escritas.
O que aparece no mapa é uma estrada que indo da zona da Lameira para o lado da serra, faz uma curva de noventa graus para norte no sítio onde deveria estar a Ataíja de Baixo, chega à Ataíja de Cima (referida apenas como Ataíja) e vai até Aljubarrota.
(excerto do mapa das estradas de Portugal Continental, Açores e Madeira, 96ª Edição 2008/2009, Automóvel Clube de Portugal. Note-se, a tracejado, o futuro IC9)
A que se deve o erro?
A meu ver, o desenho foi feito a partir da leitura de uma Nota, a páginas 630 do II Volume do Guia de Portugal, editado em 1927 onde, na descrição do caminho de Alcobaça para a Batalha, se diz: "... à direita e ao fundo a serrania de Albardos. Não tarda a aparecer do mesmo lado a bela e verde baixa das Ataíjas." E, em nota: "Pode-se visitá-las tomando, a 4km,2 de Alcobaça, um ramal á dir. que, passando por - 600m Carvalhal, desce a - 2km,6 Ataíja de Baixo, 4km,6 Ataíja de Cima, 5km,6 Codoiço, vindo sair novamente à estr. da Batalha, depois de uma volta de 6km,8 em Aljubarrota."
Note-se, por outro lado, que o mapa de Caldas da Rainha e Arredores, inserto entre as páginas 600 e 601 do livro, representa as estradas de modo diferente. Apenas duas estradas, uma que ía da Lameira pelo Carvalhal até à Ataíja de Baixo e outra que ía de Aljubarrota ao Cadoiço, como abaixo se vê:
(lembremos que, em 1927, não existia IC2 mas, apenas os restos da Estrada de D. Maria I que nesse tempo já não passava de uma mera e muito deteriorada serventia agrícola e ainda não tinha sido macadamizada a estrada do lagar dos frades)
O erro do mapa do Automóvel Clube de Portugal é, ainda, incompreensível porque há muitas décadas o Instituto Geogáfico e Cadastral possui uma boa carta da Região onde as estradas estão representadas com grande rigor, como se vê do seguinte excerto da Carta Corográfica de Portugal, na escala 1/50.000, folha 26-B Alcobaça, 2ª Edição, 1969:
O texto do Guia de Portugal foi, muito provavelmente, escrito por Manuel Vieira Natividade que era amigo do coordenador da obra, Raúl Proença um importante intelectual republicano que era natural das Caldas da Rainha e conhecia bem Alcobaça. Manuel Vieira Natividade também conhecia muito bem a região (era natural do Casal do Rei) sobre a qual escreveu muito. E isso levanta outras dúvidas:
Porque não se fala, aqui do Lagar dos Frades? Muito provavelmente porque, naquele tempo, se tratava de uma unidade industrial em funcionamento e outros do mesmo tipo eram vulgares. Não era, ainda, percepcionado como um monumento.
Mais estranho, tratando-se de um guia para automobilistas é, para mim, a transitabilidade do caminho (pelos Arneiros) entre a Ataíja de Cima e a Ataíja de Baixo. Ainda em meados do Séc. XX todo este caminho era coberto de estrumeiras e, segundo parece, pouco mais de um século antes da descrição do Guia de Portugal nem sequer existia....
Mas deste mapa falaremos noutra ocasião.
(excerto de um mapa do final do Séc. XVIII mostrando a Ataíja)
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