Desde criança que me lembro
de ouvir a história:
Francisco Veríssimo estava prestes a terminar os estudos para padre
quando, numa mesma semana, lhe faleceram pai e mãe, em consequência do que
abandonou os estudos.
Dizem uns que
por desgosto, dizem outros que por necessidade de tomar conta da sua “Casa”.
Veio a casar
uma primeira vez e, tendo viuvado, casou de novo, tinha então 72 anos e a
mulher 25.
Deste segundo
casamento nasceram dois filhos e faleceram, ambos os cônjuges, com
a idade de 98 anos.
A última vez que ouvi a
história, de boca autorizada, foi ao seu neto João Veríssimo que para tanto o
interpelei, não muito antes do seu falecimento ocorrido em 2013.
Nessa conversa o ti João
Veríssimo confirmou a história, ponto por ponto, tal como sempre a ouvi e acima
transcrevo.
O assento do óbito de
Francisco Veríssimo, ocorrido em 11.11.1894, diz que ele faleceu no estado de
casado com Joaquina Coelho, sendo filho de Veríssimo Amado e de Ana Lopes e
tendo a idade de 98 anos, o que parece confirmar a tradição.
Mas, este é um dos casos em
que não só a memória não é confirmada pelos factos, como se verifica que apenas
um documento não chega para certificar a verdade.
É o que, adiante, se verá.
Os factos históricos
comprovados são os seguintes:
Veríssimo Amado, lavrador, filho de Manuel Amado Rebelo e de
Luísa Pereira, já era casado com Ana Maria em 1787, quando foram pais de João,
baptizado em 30 de Maio desse ano. Podemos, assim, admitir que o Veríssimo
Amado terá nascido cerca de trinta anos antes, o que nos leva para os anos de
1755 a 1760, seja, a época do terramoto.
O apelido Amado já existia na Ataíja desde há mais de cento
e cinquenta anos antes e aí chegara vindo de Aljubarrota, através de António
Amado, filho de Pedro Anes Amado, este, descendente de D. João II, fidalgo com
Carta de Brasão de Armas de 17.06.1545.
Nos cerca de noventa anos que vão de 1721 até, 1807,
vésperas das Invasões Francesas, o apelido Amado aparece-nos sempre intimamente ligado às elites locais[i].
De facto, nesse período, encontramos José Gomes Anes Amado de Azambuja, nascido em
Aljubarrota, fidalgo de Cota de Armas, por Carta de 5.10.1721; Joaquim de Sousa Amado, Capitão de Ordenanças da Vila de
Aljubarrota, por Carta patente de 24.10.1785; José Tavares Amado e Azambuja, nomeado capitão da
Companhia de Ordenanças de São Vicente de Aljubarrota em 21-04-1790 (por morte
do Capitão Veríssimo de Sousa Henriques) e, em 1804 e 1807, há notícias
de um alferes José Tavares ou José Tavares Amado, de Aljubarrota.
O nome próprio do nosso
Veríssimo Amado, esse, bem que poderia ser uma homenagem ao mártir[ii]
mas, é nossa convicção de que a razão estará mais próxima, já que o vamos encontrar
em Veríssimo de Sousa Henriques, capitão da Companhia de Ordenanças de São Vicente
de Aljubarrota, falecido, como já vimos, antes de 21.04.1790.
Talvez não seja, assim,
demasiado temerário pensar que o Manuel Amado Rebelo pertencia à mesma família
dos demais Amados que, naquela época, encontramos em Aljubarrota desempenhando
importantes cargos e que dessa importância social resultaram as relações que
terão levado o Capitão Veríssimo de Sousa Henriques a apadrinhar a criança que
tomou o nome de Veríssimo Amado.[iii]
Consultando os assentos de
baptismo, da freguesia de São Vicente de Aljubarrota, encontram-se registos de Veríssimo
Amado ter tido 5 filhos: João, nascido em 1787; Joaquim, nascido em 1793;
Maria, nascida em 1796; Luís, nascido em 1799 e Francisco, nascido em 1806.
Destes, por
enquanto e para além do Francisco que é objecto deste texto, apenas sabemos que
o Joaquim viveu até aos 67 anos, vindo a falecer em 21.12.1860, no estado de
viúvo de Joaquina Marques e não teve filhos.
Parece ter
havido uma sexta filha, Joaquina, de que não encontrei o assento de baptismo
mas, encontrei o assento de casamento com Luís Dias (em 5.11.1826) e os
assentos de baptismo (em 1827, 1830 e 1842) de três filhos seus e onde é
identificada como Joaquina Mónica ou Joaquina Veríssimo, filha de Veríssimo
Amado e de Ana Maria.
Sabemos, assim,
que o Francisco Veríssimo era o mais novo dos
filhos de Veríssimo Amado, lavrador e de Ana Maria, também dita Ana Lopes ou
Ana Vicente e neto paterno de Manuel Amado, ou Manuel Amado Rebelo, lavrador,
da Ataíja de Cima e Luísa Pereira, esta, dos Casais de Santa Teresa onde estes
avós paternos moravam e neto materno de Vicente Coelho, lavrador e de Maria
Francisca, ambos da Ataíja de Cima, onde moravam.
Sabemos que o
Francisco Veríssimo se casou duas vezes :
Uma primeira vez, em 25 de Novembro de 1849, com Rosa Coelho, a qual faleceu em 10-11-1860, com a idade de 53 anos e que era filha de
João Coelho e Sebastiana Bernardo.
Consequentemente,
trata-se da mesma Rosa, nascida nos Casais de Santa Teresa em 01-11-1807, filha
de João Coelho, dos Casais de Santa
Teresa e de Sebastiana Bernarda, da Ataíja de Cima, neta paterna de José
Coelho da Cabeça dos Casais de Santa
Teresa e de Mariana de Sousa da Ataíja de Cima e materna de Bernardo
João e Maria Vicente, ambos da Ataíja de Cima.
Deste primeiro casamento não consta que tenha havido filhos.
Em segundas núpcias dele, após seis anos
de viuvez, em 30-11-1866, diz-nos o respectivo assento de casamento, o
Francisco Veríssimo, então com 60 anos de idade, viúvo de Rosa Coelho ligou-se
a Joaquina da Costa, solteira, de 22 anos de idade, filha de Joaquim Coelho e
de Maria da Costa, esta natural de Lisboa, neta paterna de Francisco Coelho,
lavrador e de Rosa Vicente e materna de António da Costa, proprietário, natural
de Asseiceira, Tomar e de Luísa Maria, da Ataíja de Cima.
Este assento, como verificamos, dá o
Francisco Veríssimo como tendo, então, a idade de 60 anos ou seja, confirma que
ele nasceu em 1806.
De acordo com o respectivo assento de óbito, em 11.11.1894, faleceu o “…Francisco
Veríssimo, casado com Joaquina Coelho, trabalhador, da idade de noventa e oito
anos …”
Mas, se como vimos e parece certo, o Francisco Veríssimo nasceu em 1806,
então, diferentemente do que dizem o assento e a tradição, faleceu com a idade de 88 anos e não de noventa e oito anos, .
Mas, a história que a tradição oral
conservou tem outras incongruências já que, de acordo com os respectivos
assentos:
Em 18-07-1832 faleceu Veríssimo Amado, casado com Ana Maria.
Em 17-01-1845 faleceu Ana Lopes, viúva de Veríssimo Amado.
Ou seja, diferentemente da tradição, o pai e a mãe do
Francisco Veríssimo não morreram na mesma semana, antes, com treze anos de
diferença.
Parece, pois, poder concluir-se que a história de Francisco
Veríssimo se terá passado de modo algo diferente:
Francisco Veríssimo, filho de Veríssimo Amado e de Ana
Maria, ou Ana Lopes, andava a estudar para padre e, em 1832 quando tinha 26
anos de idade e esses estudos estavam quase concluídos, faleceu o seu pai.
Terá sido por isso e por essa altura que, levado pela
tristeza e o desgosto, como diz a tradição ou, qualquer outra razão mais prosaica,abandonou os estudos e regressou à Ataíja de Cima onde, seguindo a tradição
familiar, se tornou agricultor.
A hipótese de ser movido pela necessidade de tomar conta da “Casa” agrícola também precisa de melhores argumentos já que, nesse tempo, estaria na casa, ainda solteiro, o seu irmão Joaquim, então com cerca de trinta e nove anos de idade. Porque razão não tomou este o encargo? Tanto mais que a destinação de um filho a Padre, pressupunha que a direcção da casa agrícola estava destinada a outro, ou outros dos irmãos. Para intentar resolver melhor estas dúvidas precisávamos de conhecer a situação concreta de cada um deles.
Seja como for, o que os registos paroquiais mostram é que o Francisco Veríssimo casou pela primeira vez com Rosa Coelho, ou Rosa
Vicente, nascida nos Casais de Santa Teresa, a qual veio a falecer com a idade
de 53 anos, em 1860.
O casamento foi celebrado, sob licença do Vigário paroquial, o ataijense Luis João de Sousa, pelo Reverendo Rufino José da Fonseca, da Vila, na capela de Nossa Senhora da Graça, da Ataíja de Cima, em 25 de Novembro de 1849 tinha então o Francisco a idade de 43 anos e a noiva a idade de 42 anos.
O casamento foi celebrado, sob licença do Vigário paroquial, o ataijense Luis João de Sousa, pelo Reverendo Rufino José da Fonseca, da Vila, na capela de Nossa Senhora da Graça, da Ataíja de Cima, em 25 de Novembro de 1849 tinha então o Francisco a idade de 43 anos e a noiva a idade de 42 anos.
Não se conhecem filhos deste casamento.
Na data em que se realizou este primeiro casamento do Francisco Veríssimo, já o seu pai havia falecido há dezassete anos e a mãe há quase cinco anos.
Na data em que se realizou este primeiro casamento do Francisco Veríssimo, já o seu pai havia falecido há dezassete anos e a mãe há quase cinco anos.
Após 6 anos de viuvez, em 1866, o Francisco Veríssimo, então
com a idade de 60 anos casou, em segundas núpcias dele, com Joaquina da Costa
ou Joaquina Coelho, solteira de 22 anos de idade.
Deste casamento nasceram, pelo menos, dois filhos:
- José, falecido em 15.9.1883, com 14 anos de idade;
- João o qual veio a casar com Maria Ribeiro, dos Casais de
Santa Teresa, filha de Joaquim d'Horta Moura e de Maria Ribeira e
foram pais de, pelo menos, quatro filhos:
- Maria nascida em 1906;
- Teresa (Teresa Ribeiro), falecida solteira nos anos de
1960, tendo então 50 e alguns anos de idade;
- José;
- João, este falecido muito recentemente, em 2013.
Os dois últimos deixaram descendência.
A sua mulher, Joaquina da Costa,
ou Joaquina Coelho essa, talvez tenha falecido com a idade de 98 anos, (portanto,
cerca de 1942) como diz a tradição, já que o ti’João Veríssimo me contava que
faleceu quando ele era jovem.
Duas notas, para terminar:
A casa, no início da Rua das
Hortas, onde terá vivido Veríssimo Amado e
seguramente viveram Francisco Veríssimo, o seu filho e o seu neto e, agora,
vive um bisneto e é, sem dúvida uma das mais antigas casas da Ataíja de Cima é,
talvez, a mesma onde a partir de meados do Séc. XVII, já viveram os seus
antepassados Manuel Coelho e sua mulher Antónia Amado, esta, filha de António
Amado, o Moço, filho de António Amado, filho de Pedro Anes Amado, fidalgo da
Casa Real, filho de Brites Anes Baracho, filha de Brites Anes de Santarém,
filha de Brites Anes, a Boa Dona e do Senhor Dom João II, Rei de Portugal.
Nota: Este texto foi publicado, inicialmente, neste blog em 31 de Outubro de 2014. É agora republicado (10-03-2018), actualizado com novos elementos relativos ao primeiro casamento do Francisco Veríssimo.
[i]
Ver, neste blog, o texto Capitães de Aljubarrota.
[ii] Segundo
a tradição São Veríssimo, Santa Máxima e Santa Júlia ou, simplesmente,
Veríssimo. Máxima e Júlia, os Mártires de Lisboa, alcançaram a santidade pelo
martírio no dia 1 de outubro do ano de 303 ou 304, por ocasião de uma
perseguição aos cristãos pelo Imperador romano Diocleciano (compare-se com o
que, neste blog, a propósito de São Vicente, dissemos no texto Padre Fábio Bernardino - Uma Iconografia.
[iii]
Tenha-se presente que, naquela época, as crianças eram baptizadas, em regra,
apenas com um nome próprio. O apelido, esse, só o passavam a usar em adulto (esta
é uma matéria que será desenvolvida num outro texto).
[iv] Veja-se, neste blog, o texto ""Nomes Próprios na Ataíja de Cima, nos anos de 1785 a 1910"
[iv] Veja-se, neste blog, o texto ""Nomes Próprios na Ataíja de Cima, nos anos de 1785 a 1910"
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