terça-feira, 16 de março de 2010

Os Frades e a Ataíja de Cima - I

(devido à sua natural grande extensão, este assunto será dividido por vários posts)

Um dos privilégios feudais que os monges de Alcobaça mantiveram até ao Séc.XIX e constituiu uma das principais razões do atraso económico da região e foi causa de muitos conflitos entre os povos e o Mosteiro, foi o privilégio dos lagares.
Só o Mosteiro podia ter lagares de azeite e de vinho, como só o Mosteiro podia ter moinhos de cereal.
Ou seja, só os frades podiam transformar os principais produtos agrícolas, cobrando, naturalmente, por isso, as respectivas maquias que se acrescentavam, assim, aos diversos e pesados impostos que já impendiam sobre todos os produtos da terra, do que resultavam condições de vida extremamente penosas.

Autêntica escravidão, como afirma Chichorro.
(in "Memória Economico Política da Província da Extremadura, Traçada sobre as Instruções Régias de 17 de Janeiro de 1793, por José de Abreu Bacellar Chichorro, Ministro encarregado da Divisão das Comarcas, e objectos d'Economia Política da mesma província, 1795". Edição organizada e perfaciada por Moses Bensabat Amzalak, Lisboa, 1943)


O número de lagares existentes e a sua limitada capacidade de processamento tinham, ainda, outra consequência grave que era a da má qualidade dos produtos finais.
Sabendo nós que a qualidade do azeite depende quase inteiramente da qualidade das azeitonas e que estas entram em fermentação quando são entulhadas, podemos imaginar a péssima qualidade do azeite que por aqui se produzia naqueles tempos em que os lagares chegavam a manter-se em funcionamento até Maio e Junho e, por vezes, até Agosto .

Assim e também porque desde o Séc. XVII vinham a ser plantadas grandes áreas de olival na nossa região, (o Olival dos Frades, ou Olival do Santíssimo, foi mandado plantar na segunda metade do Séc. XVIII, às ordens do abade geral D. Frei Manuel de Mendonça que governou a Ordem entre 1768 e 1777 e era sobrinho do Marquês de Pombal. (v. Salvador Magalhães Mota, A Acção de D. Frei Manoel de Mendonça à frente dos destinos da Congregação de Stª Maria de Alcobaça da Ordem de São Bernardo (1768-1777), in, Estudos em Homenagem a Luís António de Oliveira Ramos, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2004, p. 771-779. A generalidade dos escritores dá-o, no entanto, como primo do Marquês. v., por ex. Rui Rasquilho, Roteiro Histórico-Turístico da Região de Alcobaça, Tabacaria Rossio, Alcobaça, 1979).
Em plantio de acordo com as mais modernas técnicas, as oliveiras dispostas num rigoroso compasso, numa efectiva demonstração das gabadas competências agrícolas dos frades, o Olival do Santíssimo possuía, no Séc. XIX, entre dezassete a dezoito mil pés de oliveira.

Para o processamento das grandes e acrescidas quantidades de azeitona viram-se  os frades, naturalmente, obrigados a remodelar e ampliar os seus antigos lagares e a construir novos.

É essa a razão da construção do lagar de varas da Ataíja de Cima, numa propriedade murada, a Quinta, junto à Lagoa Ruiva. Tratava-se de um grande complexo proto-industrial cuja importância é unanimemente reconhecida e de que hoje sobram, apenas, o muro da quinta, ainda em razoável bom estado, (apesar das destruições a que, para abertura de entradas, nos últimos cinquenta ou sessenta anos foi sujeito) e a Casa do Monge Lagareiro, esta muito arruinada.


Tem passado, até hoje, entre a generalidade dos escritores, uma visão exacerbadamente romântica que tende a elevar os frades de Alcobaça à categoria de mentes iluminadas, mestres da agricultura sempre à frente do seu tempo, fazendo da região um suposto jardim onde toda a gente viveria em paz, abundância e felicidade.

Infelizmente, a realidade não o confirma e a grandiosidade indesmentível do lagar da Ataíja de Cima, pouco mais terá contribuído para a felicidade dos locais do que as pirâmides contribuíram para a felicidade dos escravos egípcios. Ao menos, a acreditar na minha avó e na imensa história de conflitos entre os povos e o Mosteiro.
De facto, a relação das gentes com o Mosteiro nunca foi uma relação amigável. Os frades, pelo menos nos últimos tempos da sua presença em Alcobaça, apenas despertavam ódios e invejas.
A minha avó nunca, que me lembre, me falou dos frades senão para reproduzir as histórias de exploração e opressão que tinha ouvido aos mais antigos. Os frades eram o luxo e a décima, duros perseguidores de camponeses, ociosos e gulosos comedores de bois que assavam na gigantesca chaminé do Mosteiro.
Certamente, havia devotos entre eles e criaram arte e, em certas épocas, foram agrónomos inovadores e foram letrados e mais uma enorme quantidade de coisas recomendáveis.
Mas essa faceta era totalmente desconhecida da minha avó e só muito mais tarde a aprendi nos livros.

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