domingo, 7 de março de 2010

Barretes, bóinas e bonés, chapéus, lenços e cachinés

Terá sido José Vigário, conhecido por José Dionísio, o último homem da Ataíja a usar barrete.
Antes, todas as pessoas usavam a cabeça coberta.
As mulheres usavam lenço, quase sempre preto e, sobre ele, as mais antigas, também um chapéu de feltro, de aba curta e copa arredondada, quase um chapéu de coco.
Ao Domingo, as mais novas usavam vistosos cachinés, de fundo azul, com flores, ou decorados com grandes cornucópias em tons de amarelo e vermelho. Um acessório de moda e beleza que se atava sob a nuca, puxado para trás, para deixar ver algumas madeixas de cabelo sobre a testa, ou no alto da cabeça em cuidado nó e de mais uma vasta quantidade de maneiras que a vaidade feminina inventava. Só nunca vi o cachiné usado como o seu nome francês aconselharia (cache-nez significa que tapa o nariz).
Os homens e rapazes, na sua maioria e desde muito novos, como, por Portugal inteiro, quase todos os camponeses e pescadores, usavam barrete.
Alguns usavam uma bóina semelhante à bóina basca, no entanto com copa mais discreta (lembro-me de José Neto, agitando na cabeça uma bóina velha e coçada e repetindo o Ah! Carago! que lhe valeu a alcunha).
Raros usavam boné (ou bóina) de pála.
E não se diga que a vaidade é atributo feminino. As bóinas faziam-se rodar na mão para perder rugas e eram cuidadosamente colocadas na cabeça e inclinadas para um dos lados, os bonés de pála eram puxados para a testa para obrigar o portador a caminhar de cabeça levantada e não era indiferente o modo como a borla do barrete assentava no ombro.
Muito raro era o uso do chapéu de feltro que, quando o havia, era reservado para o Domingo.

O meu avô Quitério usava um grande barrete preto que lhe pendia sobre o ombro, onde pousava uma imponente borla.
No seu fundo cabia, diariamente, enrolada em papel pardo ou de jornal ou, às vezes, até numa folha de figueira ou numa parra, uma fatia de pão e um carapau seco, ou uma sardinha ou uma posta de chicharro fritas.
Nos dias do fim de Inverno, quando o sol rompe luminoso após a chuva e todas as cores ficam vivas e brilhnantes, o meu avô sentava-se na tripeça em frente da vasilha da água-pé e, tirando o espicho, enchia uma pequena garrafa que, cá fora, encostava a um grande seixo, virada ao sol, para quebrar da friúra.
Enquanto a cabra, peada e presa a uma estaca, se deliciava com os rebentos tenros e frescos, o meu avô tirava o barrete e, enfiando a mão até ao fundo, dele sacava a merenda e repartia o pão e o peixe com o pequeno neto que também tinha direito a molhar os lábios na garrafa, … para não augar.

NOTAS:
Augar v. tr. Adoecer (uma criança ou um animal) por não se lhe dar daquilo que vê comer e de que tem grande desejo (igual definição no DPLP que indica a palavra como de uso em Trás-os-Montes e na Beira).
Espicho s.m. Por espiche. Pau ligeiramente aguçado, feito de um ramo de oliveira, de moita ou de vime (eram os melhores) que servia para tapar o buraco feito na vasilha para, por ele, tirar pequenas porções de vinho.
Tripeça s.f. Banco individual, feito de uma secção de um tronco de madeira, com vinte a trinta centímetros de diâmetro, onde encaixavam três pés feitos de troncos, finos, de oliveira ou de carvalho, com três ou quatro centímetros de diâmetro.

Sem comentários:

Enviar um comentário