segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Um ataíjense no Tribunal do Santo Ofício




O Tribunal do Santo Ofício, também chamado a Santa Inquisição ou a Inquisição, ficou tristemente célebre pela perseguição que moveu aos acusados de judaísmo e pelo método de execução – a fogueira - que era usado para sentenciar aqueles que condenava à morte.
 
Muito há, ainda, a investigar sobre a actuação da Inquisição nos coutos de Alcobaça mas, sobre a perseguição a judeus (ou, melhor, a cristãos-novos acusados de praticarem o judaísmo às escondidas), sugiro aos leitores a consulta do blog “Alfeizerão” (alfeizerense.blogspot.pt) onde José Eduardo Lopes vem publicando uma série de excelentes textos sobre o assunto. A ele, José Eduardo Lopes, devo, aliás, a descoberta e informação da existência do processo de Manoel Francisco, de que hoje nos ocupamos.
Também por isso, lhe manifesto a minha gratidão.


Ao contrário do que alguns julgam, a Inquisição não se ocupava, apenas, de “crimes” de heresia mas, também, de pravidade e apostasia, o que abrangia um vasto leque de outros “crimes”, designadamente os relativos aos comportamentos sexuais.
O Manuel Francisco irá cair nas malhas da Inquisição precisamente, pela prática do único desses comportamentos que, actualmente, continua a ser crime: a bigamia[i]

Corria o ano de 1670[ii] quando Manuel Francisco, cristão-velho, de 44 anos de idade, pastor, residente em Salvaterra de Magos, natural das Ataíjas, termo da Vila de Aljubarrota, filho de Francisco Fernandes Alvarianes lavrador e de Ascença Fernandes e neto paterno de Francisco Fernandes Alvarianes lavrador e Eufémia Francisca, todos eles do dito lugar das Ataíjas[iii], foi preso, no Aljube[iv] de Santarém, por ter sido denunciado pelo crime de bigamia.

O Manoel Francisco foi denunciado ao Doutor Vigário Geral da colegiada de Santarém por António de Carvalhal, homem nobre, proprietário de uma quinta em Alcanhões, localidade onde o Manuel Francisco[v] tinha, anteriormente, morado alguns anos, “à soldada”[vi].

É que, para se poder casar uma segunda vez, como chegou a casar, com Águeda Luís, tendo o casamento sido celebrado, em vinte e sete de novembro de mil seiscentos e sessenta e nove, na igreja Paroquial de Salvaterra de Magos, o Manoel Francisco forjou nome, filiação e naturalidade e disse-se solteiro.

Disse, então, chamar-se Francisco João, ser de Alcanhões e filho de Vicente João e Isabel João.

Quando os respectivos banhos[vii] foram apregoados na igreja de Alcanhões, logo o fidalgo denunciou a fraude ao Vigário.

De facto, havia em Alcanhões um Vicente João, cujos filhos foram também ouvidos como testemunhas e, naturalmente, denunciaram o logro e, ainda, que ali não existia nenhuma Isabel João.
Uma das ditas testemunhas sabia também, por o ter ouvido a “uns tanoeiros do lugar do Carvalhal, junto da Vila de Aljubarrota” que o tal era aí casado com mulher de quem tinha filhos.

Como o Manuel Francisco há-de, mais tarde, confessar perante os Inquisidores do Santo Ofício de Lisboa ele tinha, há cerca de onze anos atrás, casado na Igreja de São Vicente de Aljubarrota com Maria Guerra, natural daquela Vila, filha de Vicente Luís trabalhador e de Maria Francisca, também da Vila de Aljubarrota. E, com ela fez vida marital, por espaço de cinco ou seis anos, e tiveram quatro filhos, e depois em razão de desavenças que teve com a dita sua mulher, abandonou o lar rumando a Salvaterra de Magos (com prolongada paragem em Alcanhões, como vimos).

Na sua confissão, desculpa-se o Manuel Francisco que só se persuadiu a casar por estar convencido da que a sua primeira mulher tinha morrido, o que lhe teria sido dito por António Fernandes Cardador, natural e morador da Cidade de Évora que, vindo de Nossa Senhora da Nazaré, passara pela sua terra em tempo que falecera a sua mulher Maria Guerra e embora não tenha feito quaisquer outras diligências para saber a verdade, convenceu-se, disse, de que ela era morta.

Os Inquisidores,esses, não se convenceram e, verdade seja dita, o processo não mostra um Manuel Francisco recto e impoluto: Usou três nomes diferentes, tenta passar culpas para a segunda mulher, sugerindo que ela é que o pressionou a casar e foi a única responsável pelos banhos (e, portanto, pelas inverdades neles contidas), pretende responsabilizar um terceiro de o ter convencido da morte da sua primeira mulher.

Apesar disso, não parece que fosse um mero vigarista. O Manuel Francisco, fugido da terra, da mulher e dos filhos e, sabe-se lá mais do quê, antes parece ser um pobre diabo, pois não logra outros modos de subsistência que não como o criado que foi em Alcanhões ou o pastor que era em Salvaterra.
Quem conheceu o campo ainda há meio século, ou pouco mais, sabe que criado e pastor eram dois dos degraus mais baixos da nossa sociedade rural, donde só se podia descer para mendigo. Não há razão para pensar que, neste aspecto, as coisas fossem diferentes naquela época. E, isso conduz-nos a outra dedução: talvez o Manuel Francisco falasse verdade quando sugeria que foi a segunda mulher, a viúva Águeda Luís que o pressionou para casar. É que, naquele tempo, era praticamente impossível a vida de uma viúva que não tivesse um homem para a proteger, fosse ele marido, pai, filho, ou outro parente próximo.

O processo, cuja capa acima reproduzimos, ocupa 88 fls de papel, encontra-se arquivado na Torre do Tombo (Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 1494 - PT/TT/TSO-IL/028/01494) e decorreu entre 4-6-1670 e 19-6-1676 “contra Manoel Francisco, cristão-velho, de 44 anos de idade, pastor, residente em Salvaterra de Magos, natural das Ataíjas, termo da Vila de Aljubarrota, filho de Francisco Fernandes Alvarianes, lavrador e Ascença Fernandes.
Acusado de bigamia por ter casado duas vezes, a primeira em S. Vicente de Aljubarrota com Maria Guerra, a segunda em Salvaterra de Magos com Águeda Luís, estando viva a primeira mulher e dizendo-se Francisco João e ser natural de Alcanhões”.

Foi preso em 17-6-1670 e condenado, no auto-de-fé de 21-6-1671, em abjuração de levi, ser açoitado publicamente, degredado para as galés por sete anos, cárcere a arbítrio, penitências espirituais e pagamento das custas do processo.


Todo o processo está digitalizado e disponível online em:




[i] Código Penal
TÍTULO I
Dos crimes contra a vida em sociedade
CAPÍTULO I
Dos crimes contra a família, os sentimentos religiosos e o respeito devido aos mortos
SECÇÃO I
Dos crimes contra a família
Artigo 247º
Bigamia
Quem:
a) Sendo casado, contrair outro casamento; ou
b) Contrair casamento com pessoa casada;
é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
[ii] A Guerra da Restauração que, desde 1 de Dezembro de 1640, vinha opondo Portugal e Espanha, tinha terminado pela assinatura do Tratado de Paz de 13 de Fevereiro de 1668 e o Rei D. Afonso VI (em cujo reinado houve importantes obras em Alcobaça) tinha perdido para o irmão o Trono e o leito.
[iii] Apesar de em todo o processo se referir correntemente “as Ataijas” como o local de origem do Manuel Francisco, os seus pais são identificados, a fls 30v., como “moradores no lugar de Ataíja de Sima”.
[iv] Aljube é palavra que provém do árabe, significando prisão escura, cárcere, caverna, poço ou cisterna. É a mesma raiz etimológica de onde, segundo alguns pretendem, provém a palavra Aljubarrota.
[v] Que dizia, nessa época, chamar-se Francisco Fernandez.
[vi] Soldada era designação para o salário dos criados.
[vii] Banhos. Os anúncios que se faziam nas Igrejas antes dos casamentos, para se averiguar a existência de algum impedimento à sua realização.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Festival das Sopas da Ataíja de Cima – 2015



Decorreu no passado domingo, dia 6 de Setembro, o Festival das sopas da Ataíja de Cima – 2015.
Resultado exclusivo do trabalho de cerca de cem voluntários, reunidos em torno do Salão Cultural Ataijense, o festival contou, este ano, com uma participação record de mais de setecentas pessoas e afirmou-se, mais uma vez, como o maior evento gastronómico da região.

Foi bom participar, provar algumas deliciosas sopas de entre a dúzia e meia que existia à disposição dos participantes, conviver com amigos e conterrâneos, ver alegria e satisfação em todos os rostos e muita gente vinda de diversos lugares, de Lisboa à Marinha Grande, um animado grupo de ingleses, e franceses como a minha amiga Annick que, para o final, só me perguntava quantos habitantes tinha a aldeia e como é que nós tínhamos conseguido fazer tudo e, claramente contente com as sopas e o ambiente, dizia que era bom ver uma aldeia assim, capaz de se unir e criar um convívio tão agradável.


Às 12H20 tudo estava preparado para receber os convivas:

Que eram muitos, como se vê:

E se atiraram, com gosto e vontade, a estas sopas e a mais uma dúzia delas:

e às carnes grelhadas

E aos doces:


Com a mesma vontade com que se fez o necessário para a realização do evento, acabado este, foi tempo de arrumar tudo.
Este, era o aspecto do recinto no dia 7, às 11h30.
Foi aqui que teve lugar o festival das sopas?:



Obrigado às cozinheiras e a todos os que colaboraram e tornaram possível este dia.