Patronímico é o
nome de família, o sobrenome ou, como agora é mais vulgar dizer, o apelido, que
deriva do nome próprio do pai ou outro ascendente. No caso de o apelido derivar
do nome da mãe ou outra ascendente, diz-se matronímico.
Como sabemos, os
assentos paroquiais só se generalizaram, na sequência do Concílio de Trento, em meados do Séc. XVI. A partir daí, numa sociedade como a nossa, onde
todos eram baptizados, todos passaram a ter um nome próprio, digamos, oficial.
Mas, o nome, os
nomes, existem para permitir distinguir uma pessoa de outra e, o nome próprio é,
por si, em regra, insuficiente para tal. Marias há muitas, diz o povo. É preciso, em cada
caso explicitar de que Maria falamos. É preciso, sempre ou quase sempre, acrescentar
algo ao nome próprio para que saibamos de quem estamos a falar.
Há excepções, claro. Estou a lembrar-me, por exemplo, que o Arnaldo nunca
precisou de apelido porque, nos setenta e muitos anos que já conta, nunca houve
na Ataíja outro Arnaldo. Se falamos do Arnaldo é dele que falamos. Mas o mesmo
se não pode dizer de João, José ou Francisco. Para estes casos é necessário
acrescentar um outro nome, seja ele de família, de profissão, de local de residência
ou de origem, ou uma alcunha, muitas vezes suscitada por características físicas
do nomeado, ou por actos que tenha praticado.
Os nomes de
família começaram por ser adoptados por nobres e outra gente importante e,
pouco a pouco, por todas as classes, incluindo os camponeses pobres. Aqui, no
entanto, já tarde, século XIX andado.
Ora, no séc. XIX
deu-se na Ataíja e por todas as povoações em redor um fenómeno curioso que foi
o da fixação de um elevado número de enjeitados, expostos, em regra da Santa
Casa da Misericórdia de Lisboa, que por aqui foram criados e por aqui casaram e
constituíram família. As razões para tal fixação serão diversas, mas o certo é
que só aconteceu pela necessidade de suprir carências populacionais, o que
merece estudo aprofundado mas radicará em dois factos: a tremenda quebra
populacional da região, em razão das invasões francesas e, talvez, a
necessidade acrescida de mão-de-obra, resultante de novas formas de exploração
da terra, na sequência da extinção das Ordens Religiosas.
Seja como for,
esses enjeitados eram baptizados no Hospital dos Expostos, sendo-lhes atribuído,
por regra, o nome do santo do dia ou outro de conotação religiosa, por vezes, o
nome constante de algum papel que acompanhasse o exposto. Quando chegados à
idade adulta e à necessidade de adoptar um apelido, optavam, raramente, pelo da
pessoa que o tinha criado ou, na grande maioria das vezes, por dos Santos.
Os seus filhos, no entanto, já não eram dos santos mas daquela pessoa em
concreto. O filho de um Tiago dos Santos, por ex. passaria então a adoptar o
nome próprio do pai como seu apelido e chamar-se-ia João Tiago. O nome do pai
passou a apelido do filho. É isso um patronímico.
Na Ataíja Temos
vários casos, como, sem querer ser exaustivo:
Agostinho – Agostinho Carlos foi meu trisavô. Era
de profissão sapateiro e viveu na primeira metade do Séc. XIX. O seu apelido
Carlos tem raízes na Ataíja de Cima pelo menos desde a segunda metade do Séc.
XVIII.
No entanto, por razões que nos escapam, os filhos e netos de Agostinho Carlos
não foram Carlos mas Agostinho, como o meu avó José Agostinho e os seus irmãos.
Daí resultou que
o apelido Carlos apenas subsiste hoje, nas pessoas de Manuel Tomé e de seu
sobrinho José Tomé e, porque foi recebido por via materna e não transmitido,
com eles se extinguirá.
O apelido
Agostinho ainda subsiste mas, a manter-se a tendência de transmissão preferencial
do apelido paterno desaparecerá também em uma ou duas gerações.
Bernardino – Bernardino dos Santos, foi pai de
Manuel Bernardino e de António Bernardino e de uma Maria que faleceu nova, dizem
uns que pela pneumónica e outros que atingida por um raio.
Constantino – Constantino dos Santos, nascido em
1850, exposto da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, casou na Ataíja de Cima
mas aos 34 anos já era viúvo. Tendo
casado em 2ªs núpcias com uma Serafina dos Santos, também exposta, vieram a ter
uma larga descendência, sendo o apelido Constantino ainda usado por alguns
trinetos menores.
Faustino – Faustino não é, propriamente, um nome
ou apelido ataijense. Mas há cá vários descendentes de José Faustino que viveu
na quinta do Mogo e foi sogro de José Ribeiro, bisavô, portanto, de Pedro
Cordeiro, entre outros.
Faustino era nome
próprio, designadamente de um célebre, no seu tempo, Faustino da Gama que foi
cavaleiro tauromáquico e dono da Quinta das Janelas, nas Gaeiras, em Óbidos (os
mais curiosos poderão ver a descrição patrimonial da Quinta das Janelas na
respectiva ficha em Monumentos (http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=24735)
O José Faustino foi criado nessa quinta como filho de pais incógnitos e adoptou
como apelido o nome do benfeitor que, aliás, alguns supõem ser o próprio pai.
Lourenço – O mais antigo Lourenço que encontrei na
Ataíja foi o meu trisavô Lourenço de Moura (que também usou Lourenço Quitério
por ser filho de uma Maria Quitéria). O seu nome próprio transmitiu-se aos filhos
como apelido, mas pela predominância de descendência feminina encontra-se
reduzido a poucas pessoas da minha geração, incluindo eu próprio, em todos os casos
como apelido intermédio pelo que desaparecerá de seguida, ao menos na Ataíja de
Cima.
Matias – A transformação do nome próprio Matias
em apelido de família ocorre pelo casamento de Matias Coelho com Maria
Felizarda, de que nasceu António Matias, que casou com Joaquina Carvalho e
foram pais de uma Delfina que faleceu, solteira e sem descendência, aquando da
pneumónica e, ainda, de António, Manuel e Joaquim Matias, que tiveram
descendência mas, mais uma vez, das dezenas de descendentes apenas uns cinco
são rapazes que usam o Matias como último nome
Maurício - Maurício dos Santos, também exposto e
também viúvo precocemente, do 2º casamento teve descendência que hoje
prossegue, usando os seus tetranetos da linha masculina o apelido Maurício.
Tomé – Tomé é nome próprio e os da minha idade
ainda conheceram Tomé Ribeiro, que viveu numa casa que existiu onde hoje é a da
sua bisneta Mónica. Mas, Tomé é, também, um apelido, estando vivos o Manuel e o
Francisco, filhos de um José Tomé que era filho de Tomé dos Santos, exposto do
Hospital dos Expostos de Lisboa (Santa Casa da Misericórdia de Lisboa).
Hoje senti no peito o prazer de receber uma aula. Muito obrigado Mestre.
ResponderEliminar(João Manuel Ribeiro Coelho)
É muito bom percebermos de onde viémos parabéns pelo trabalho
(Morena Coelho)
Sapiente explicação. Obrigado.
(Real Soares)
Iluste José Quitério, queira desculpar a impertinência mas lembrei-me agora de uma situação que me passou pelas mãos.
Nas décadas de oitenta e noventa do século passado fui várias vezes membro de mesa eleitoral.
Notei que alguns eleitores apareciam nos cadernos apenas identificados pelo nome próprio: Joaquim, Carlota, ou Manuel, etc; apenas e só.
Com a ajuda do presidente da Junta de Freguesia, particular amigo, por acaso, concluímos que todos eles haviam nascido antes de 1911, quando se iniciou a migração dos registos paroquiais para o registo civil. Era a mesma singeleza que constava nos seus B.I. Terá sido assim em todo o lado, ou tratou-se de um caso de “comodismo” dos escribas locais?
Obrigado, e desculpe qualquer coisinha.
(Real Soares)
O registo civil só se tornou obrigatório em 1911, na República e como consequência directa da separação da Igreja e do Estado. Antes, valiam os assentos paroquais que registavam os momentos chave da vida: nascimento (baptismo), casamento e morte.
Embora haja assentos anteriores, foi o Concílio de Trento (séc XVI) que fixou a obrigatoriedade dos párocos procederem aos assentos.
As crianças eram (são) baptizadas apenas com o nome (ou nomes) próprio.
O apelido era uma escolha do próprio (e, ou da comunidade onde se inseria) mas só se formalizava havendo um acto formal (passe a redundância) posterior, o qual podia ser o crisma (mas o crisma não é obrigatório e muitos católicos nunca foram crismados e, além disso, o registo do crisma (rol de crismados) era sumário e os róis, na sua maioria, desapareceram.
O acto formal que normalmente se seguia era o casamento. Aí, por regra, o nubente apresentava um ou mais apelidos (geralmente, apenas um). A nubente, frequentemente, não apresentava apelidos, sobretudo quando o nome próprio era devocional composto (em regra uma invocação de Maria, mãe de Cristo, por ex: Maria da Piedade, da Conceição, da Assunção, de La Salette, de Lourdes, de Guadalupe, do Pilar. Às vezes invocações pouco conhecidas, de carácter local como, em Aljubarrota, Maria do Laço, relativo a um "milagre" de Nossa Senhora do Laço.
Mas, nem todos se casavam. E, se não foi crismado, não se casou e não outorgou nenhuma escritura pública é natural que nunca tivesse havido oportunidade de formalizar um apelido.
Coisas de pobres.
E, se como julgo, o meu amigo se refere à freguesia de Alcoentre, temos de nos lembrar que era zona de grandes latifúndios e, portanto, de muitos pobres e poucas escrituras.
(José Quitério)
Muito grato pelo minucioso esclarecimento.
Sim, a freguesia em questão é Alcoentre.
(Real Soares)
Apesar de deficiente, a cultura arquivística portuguesa, com seu rol de nomes, sobrenomes e apelidos, merece toda a minha simpatia e consideração. Sobretudo quando comparada com a brasileira que, embora seja uma bastarda da portuguesa, se desenvolveu muito menos nestas latitudes. A minha atividade profissional leva-me a trabalhar com inúmeros assentos de batismo, casamento, óbito, inventários, testamentos, escrituras... Sofro como uma alma penada sempre que preciso identificar e documentar filiações em tempos e lugares onde os vigários eram avaros de informações ou senhores de uma caligrafia tão disforme que se torna ilegível. Mas não deixa de ser gratificante quando, apesar das dificuldades, o desfecho é devolver aos descendentes daqueles que a há
viam perdido, a nacionalidade portuguesa. Continua, José Quitério, a nos brindar com estas pérolas. Pela parte que me cabe, fico muito grato.
(João Manuel Ribeiro Coelho)
Eu fico muito , muito grata por estás “ aulas de história. Bem haja
(Amélia Coelho)
Para além da genética, é através do conhecimento que aprendemos a amar a nossa terra e as nossas gentes, sinto-me muito grata pelos teus sábios ensinamentos.
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