quinta-feira, 16 de outubro de 2014

de Trás-da-Serra


Vista do outro lado, de “trás-da-serra”, era assim a Serra dos Candeeiros, em 6 de Abril de 1758, segundo o relatório do Pároco da freguesia de Serro Ventosos, o Cura Manoel Martins Vasconcelos, incluído nas chamadas Memórias Paroquiais (transcrevemos, com a devida vénia, do livro “Porto de Mós – Colectânea Histórica e Documental, Séculos XII a XIX”, do professor Saul António Gomes, editado em 2005 pelo Município de Porto de Mós, no âmbito das comemorações dos 700 anos de foral da Vila dado em 1305- pág. 908, Doc. 481):

(Optámos por manter a grafia original, tal como consta do livro de que a transcrevemos, certos de que a generalidade dos leitores não terá qualquer dificuldade em compreender a totalidade do texto.)

“Quanto a Serra que fica pera a parte do poente.
He um braço de serra que principia junto da villa de Porto de Mos a acaba junto a Rio Mayor. Tem quatro pera cinco legoas de comprido e quazi huma legoa de largura na distancia de duas legoas. Nam asiste[i] pessoa alguma em sima na Serra. Algumas terras tem que se coltivam. Os frutos que dam sam semente, milho e feygois, algum linho e tem por nome a Serra da Figueyra[ii], no destrito de tres legoas. Nam sey que nasça rio della, nem tem fonte ou lagoa, antes hé muito falta de agoa. Nesta vam pastar muntos gados de varias freguezias e algumas egoas de codelaria. Há nella muntas canteyras[iii] de pedra branca. Há também muitos fojos[iv] com grandes bocas alguns e muito fundos. Hé do mesmo temperamento que a outra Serra[v]. Há nella alguns lobos, muitas rapozas e senam foram as montarias que nella se fazem cada anno, ninguém poderia habitar nestas Serras. E huma que se fez o primeyro deste mês de Abril em que se mataram dous lobos e huma loba que tinha sette na barriga e quatro rapozas. Há também nesta Serra bastante alecrim, lingoa servina, munta arrodinha, munta erva alcar e alguma abertonica, algumas perdizes, poucas porquanto sam muntas as áves de rapina que as apanham que se criam nos pinhascos destas Serras, o que eu tenho visto muntas vezes.”

Para além dos mais aspectos curiosos do texto, designadamente as circunstanciadas referências à fauna selvagem, interessa-nos, agora, uma especial atenção às plantas medicinais existentes. Tenha-se presente que, em meados do Séc. XVIII, a medicina era muito insipiente e a maioria dos remédios eram bebidas, unguentos ou emplastros, obtidos por processos simples, a partir de plantas da flora local.
Daí, também, a importância que no texto adquire a descrição das, aos olhos do padre, mais importantes plantas medicinais existentes.

Vejamos, então, que plantas eram essas e quais as suas utilizações:

Alecrim - Alecrim - Planta de usos culinário, medicinal e religioso. Muito abundante na encosta ocidental da serra, tem vindo a regredir por força dos sucessivos incêndios e a ceder espaço ao carrasco.
O seu néctar dá ao mel um sabor característico e muito apreciado, pelo que é costume cultivá-lo perto das colmeias. Na Ataíja da minha infância não lhe conheci usos culinários nem medicinais. Apenas, se usava em defumadoiros e para queimar nas fogueiras dos santos populares.

Lingua servina - Língua-cervina, ou escolopendra. Trata-se de uma espécie de feto que era utilizada em infusões, como remédio para a diarreia e infecções intestinais.

Arrudinha – Arruda - Julgo que se trata da arruda (Ruta graveolens), cujas folhas eram usadas para fazer um chá calmante. Parece que também servia para combater os piolhos e tinha efeitos fortemente emenagogos quer dizer, capazes de restabelecer ou provocar a menstruação, podendo ser altamente perigosa quando usada com intenções abortivas. São-lhe, ainda, atribuídas uma série de qualidade mágicas sendo, designadamente, famosa pelos seus “poderes” contra o mau-olhado.
Um texto fácil e interessante sobre as “qualidades” da arruda pode ser lido em:

Erva alcar - Erva-alcar – Também chamada, apenas, alcar, ou alcária, é uma planta nativa do mediterrâneo, também chamada erva-das-sete-sangrias ou sargaço-híspido, erva-das-túberas e sargacinha. Tradicionalmente usada no tratamento de inflamações e úlceras.

Abertonica - Também chamada betónia-bastarda, cidreira-bastarda, etc., é uma planta que se encontra um pouco por toda a Europa, da Inglaterra à Turquia e é tradicionalmente usada para as dores de barriga, facilita a menstruação e alivia as dores menstruais e é indicada na cicatrização de feridas e no alívio da dor de contusões e inflamações


De facto, as aplicações medicinais tradicionais destas plantas são bem mais vastas do que as aqui referidas. Quem tiver muita curiosidade sobre o assunto pode procurar na internet onde existe muita informação (nem sempre de boa qualidade) designadamente, sobre plantas medicinais das serras de Aire e Candeeiros.






[i] Vive.
[ii] Como já referimos em outro post, a serra era conhecida por uma grande diversidade de nomes, sendo que o nome de serra dos Candeeiros não se encontra antes do Séc. XIX.
[iii] Pedreiras.
[iv] Covas, cavernas, algares.
[v] A outra serra a que o padre se refere e a que chamou Serra do Patelo e, actualmente, chamamos de Serra de Santo António é, diz ele, de temperamento demasiado frio, de tal sorte que no tempo frio congela a água.

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