Vista do outro lado, de
“trás-da-serra”, era assim a Serra dos Candeeiros, em 6 de Abril de 1758,
segundo o relatório do Pároco da freguesia de Serro Ventosos, o Cura Manoel
Martins Vasconcelos, incluído nas chamadas Memórias Paroquiais (transcrevemos,
com a devida vénia, do livro “Porto de Mós – Colectânea Histórica e Documental,
Séculos XII a XIX”, do professor Saul António Gomes, editado em 2005 pelo
Município de Porto de Mós, no âmbito das comemorações dos 700 anos de foral da
Vila dado em 1305- pág. 908, Doc. 481):
(Optámos por manter a grafia
original, tal como consta do livro de que a transcrevemos, certos de que a
generalidade dos leitores não terá qualquer dificuldade em compreender a
totalidade do texto.)
“Quanto a Serra que fica pera a parte do poente.
He um braço de serra que principia junto da villa de
Porto de Mos a acaba junto a Rio Mayor. Tem quatro pera cinco legoas de
comprido e quazi huma legoa de largura na distancia de duas legoas. Nam asiste[i]
pessoa alguma em sima na Serra. Algumas terras tem que se coltivam. Os frutos
que dam sam semente, milho e feygois, algum linho e tem por nome a Serra da
Figueyra[ii], no
destrito de tres legoas. Nam sey que nasça rio della, nem tem fonte ou lagoa,
antes hé muito falta de agoa. Nesta vam pastar muntos gados de varias
freguezias e algumas egoas de codelaria. Há nella muntas canteyras[iii] de
pedra branca. Há também muitos fojos[iv] com
grandes bocas alguns e muito fundos. Hé do mesmo temperamento que a outra Serra[v]. Há
nella alguns lobos, muitas rapozas e senam foram as montarias que nella se
fazem cada anno, ninguém poderia habitar nestas Serras. E huma que se fez o
primeyro deste mês de Abril em que se mataram dous lobos e huma loba que tinha
sette na barriga e quatro rapozas. Há também nesta Serra bastante alecrim,
lingoa servina, munta arrodinha, munta erva alcar e alguma abertonica, algumas
perdizes, poucas porquanto sam muntas as áves de rapina que as apanham que se
criam nos pinhascos destas Serras, o que eu tenho visto muntas vezes.”
Para além dos mais aspectos
curiosos do texto, designadamente as circunstanciadas referências à fauna
selvagem, interessa-nos, agora, uma especial atenção às plantas medicinais
existentes. Tenha-se presente que, em meados do Séc. XVIII, a medicina era
muito insipiente e a maioria dos remédios eram bebidas, unguentos ou emplastros,
obtidos por processos simples, a partir de plantas da flora local.
Daí, também, a importância
que no texto adquire a descrição das, aos olhos do padre, mais importantes
plantas medicinais existentes.
Vejamos, então, que plantas
eram essas e quais as suas utilizações:
Alecrim - Alecrim - Planta de usos culinário, medicinal e
religioso. Muito abundante na encosta ocidental da serra, tem vindo a regredir
por força dos sucessivos incêndios e a ceder espaço ao carrasco.
O
seu néctar dá ao mel um sabor característico e muito apreciado, pelo que é costume
cultivá-lo perto das colmeias. Na Ataíja da minha infância não lhe conheci usos
culinários nem medicinais. Apenas, se usava em defumadoiros e para queimar nas
fogueiras dos santos populares.
Lingua
servina - Língua-cervina, ou
escolopendra. Trata-se de uma espécie de feto que era utilizada em infusões,
como remédio para a diarreia e infecções intestinais.
Arrudinha – Arruda - Julgo que se trata da arruda (Ruta graveolens), cujas folhas eram usadas para fazer um chá
calmante. Parece que também servia para combater os piolhos e tinha efeitos
fortemente emenagogos quer dizer, capazes de restabelecer ou provocar a
menstruação, podendo ser altamente perigosa quando usada com intenções
abortivas. São-lhe, ainda, atribuídas uma série de qualidade mágicas sendo,
designadamente, famosa pelos seus “poderes” contra o mau-olhado.
Um texto fácil e
interessante sobre as “qualidades” da arruda pode ser lido em:
Erva alcar - Erva-alcar – Também chamada, apenas, alcar, ou
alcária, é uma planta nativa do mediterrâneo, também chamada
erva-das-sete-sangrias ou sargaço-híspido, erva-das-túberas e sargacinha. Tradicionalmente
usada no tratamento de inflamações e úlceras.
Abertonica - Também chamada betónia-bastarda, cidreira-bastarda,
etc., é uma planta que se encontra um pouco por toda a Europa, da Inglaterra à
Turquia e é tradicionalmente usada para as dores de barriga, facilita a
menstruação e alivia as dores menstruais e é indicada na cicatrização de
feridas e no alívio da dor de contusões e inflamações
De facto, as aplicações
medicinais tradicionais destas plantas são bem mais vastas do que as aqui
referidas. Quem tiver muita curiosidade sobre o assunto pode procurar na
internet onde existe muita informação (nem sempre de boa qualidade) designadamente,
sobre plantas medicinais das serras de Aire e Candeeiros.
[i] Vive.
[ii] Como já
referimos em outro post, a serra era conhecida por uma grande diversidade de
nomes, sendo que o nome de serra dos Candeeiros não se encontra antes do Séc.
XIX.
[iii]
Pedreiras.
[iv] Covas,
cavernas, algares.
[v] A outra
serra a que o padre se refere e a que chamou Serra do Patelo e, actualmente,
chamamos de Serra de Santo António é, diz ele, de temperamento demasiado frio, de
tal sorte que no tempo frio congela a água.
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