“E he asy a maey del Rey Dom Yoam da Boa memoria chamada Tareyja
Lourenço a Pinheyra era dahy do pee daquela serra das Ataijaas”
É um curioso documento o trazido, pelo Professor Saul António
Gomes, ao fascículo dedicado ao foral de Aljubarrota[i], do
projeto “comemorações 500 anos da outorga dos forais do concelho de Alcobaça
por D. Manuel I”, com o título “Ataíja, terra natal de Teresa Lourenço, a
pinheira, mãe do futuro Rei D. João I, o da Boa Memória”.
O autor, que diz escrever em 1516 e se identifica como João
de Arruda, irmão de Vaz de Arruda guarda-roupa do Rei D. Manuel II, diz querer
ajudar Garcia de Resende “pondo aquy huns passos que elle (o Rei D. João II)
dixe e fez que nom acho escritos na sua (de Garcia de Resende) leytura e
coronica”.
Para isso relata o supostamente acontecido de uma vez em que
D. João II, indo de Alcobaça para a Batalha foi abordado, além da vila de
Aljubarrota, por um grupo de camponeses, que, disse o Rei a João de Aveiro, seu
moço de esporas que o acompanhava, alguns deles seriam parentes do próprio Rei.
É que, explica de seguida o dito João de Arruda, “E he asy a
maey del Rey Dom Yoam da Boa memoria chamada Tareyja Lourenço a Pinheyra era
dahy do pee daquela serra das Ataijaas”.
Por isso, D. João I teria dado àquela gente da Ataíja alguns
privilégios (isenção dos impostos de oitava e jugada e do serviço em cargos do
concelho), privilégios esses que, com o tempo, “…os almoxarifes[ii] dos
duques senhores de Porto de Mós[iii] lhe
foram tirando …”
Apresentar queixa ao Rei desses comportamentos dos
almoxarifes era o propósito que movia o tal grupo de camponeses.
Quem, efectivamente, seria esta Teresa Lourenço, mãe de D.
João I, isso é questão que, de todo, não está esclarecida.
Fernão Lopes autor das mais antigas referências escritas à mãe de D.
João I, dá-a como uma dama galega[iv].
Outros, dizem-na filha de “Lourenço Martins, a quem chamaraõ
o da Praça, Cidadaõ honrado de Lisboa, filho de Martim Lourenço, que jaz
sepultado na Freguesia de S. Mamede, e de sua mulher Sancha Martins, de que se
conserva ilustre descendência na Familia dos Almadas”.
Frei Manuel dos Santos, diz que Teresa Lourenço seria filha de
Rui Fernandes de Almeida, fidalgo de entre Douro e Minho.
João de Arruda, no documento que motiva este texto, diz, como vimos, que
Teresa Lourenço, a Pinheira era do pé da serra das Ataíjas.
António Caetano de Sousa no Tomo II, publicado em 1736, da
“História Genealógica da Casa Real Portugueza”, trata a questão em
profundidade, passando em revista as várias teses então existentes, refutando-as,
uma a uma:
- A hipótese de ser fidalga galega, por não haver documento
que o sustente;
- A de ser filha de Lourenço Martins por não haver documento
nem, muito menos, “Author vizinho daquele tempo” que a confirme, embora
reconheça que “… se alguma das opiniões sem documentos podia ter probabilidade
na conjectura, e nas circunstancias era esta…”[v]
A de ser filha de um fidalgo de entre Douro e Minho, ainda
menos a aceita porque, diz, não só não se encontram as cartas em que a hipótese
se baseia como, porque, entre aquelas onde eram suposto estarem as ditas
cartas, “… se vem algumas das que são inverosímeis à Historia daquele tempo…”
Conclue, no entanto, dizendo que “…ninguém duvida da nobreza
desta Dama;…” mas, dessa nobreza não faz prova, pelo que, usando os seus
próprios argumentos, isso não é de aceitar, sem mais.
De facto, tal
conclusão é meramente ideológica: O autor conclui que a mãe do Rei D. João I
seria nobre porque, no sistema de classes vigente à época, inadmissível seria
que o Rei de Portugal fosse de origem vilã.
E, chegámos ao Séc. XX, continuando sem novas provas mas,
agora, com uma linguagem mais solta, como se vê, por exemplo, nas “Memórias Arqueológico-Históricas
do Distrito de Bragança”, onde o Abade do Baçal diz que:
“El-rei D. Pedro, consolado da perda de D. Inês de Castro,
tomou-se de amores com a formosa Teresa Lourenço, que, em paga, lhe deu … D.
João, Mestre de Avis, depois primeiro deste nome rei de Portugal.
Alguns dizem que esta régia barregã era simples tendeira ou
regateira da Ribeira Velha, em Lisboa, facto que não destoa do carácter plebeu
do real amante.”
Neste início do Século XXI, surge esta nova hipótese, afirmada
por João de Arruda, da naturalidade ataijense da mãe do D. João I.
Esta é, no entanto, hipótese tão incerta como as demais mas,
tendo sido escrita 159 anos depois do nascimento de D. João I, tem as vantagens
da razoável proximidade aos factos (três ou quatro gerações teriam sido
suficientes para a transmissão oral da “verdade”) e, ao mesmo tempo, um igualmente
razoável afastamento dos mesmos factos que dispensaria, agora, os cuidados com
que a questão da ascendência materna do Rei teve, naturalmente, de ser tratada
na época do nascimento da dinastia.
Acresce que, o ter nascido aqui ao “pee daquela serra das
Ataijaas” não seria, por si, absolutamente incompatível com a hipótese de ser
filha de Lourenço Martins e de sua mulher Sancha Martins.
Certo é que D. João I “Era filho del Rey D. Pedro, e de
Thereza Lourenço, com quem depois da morte da Rainha D. Ignez teve El Rey trato”
e, também é certo que esse trato, essa relação, não foi coisa acidental, antes
assumida, estável e durável, como se deve concluir do facto de o Rei ter
assumido logo a paternidade e ter-se interessado pela educação do filho[vi] e
segurança da mãe a quem, em 1366, fez doação de umas casas e outros bens em
Aviz, o que parece justificar-se com o facto de, dois anos antes, em 1364, o
jovem João, então com sete anos de idade, ter sido feito cavaleiro e Mestre da
Ordem de Aviz, onde passou a viver “e nesta Villa se creou”. Ou
seja, bem parece que a doação teve o fito de levar a mãe para perto do filho.
Era a mãe de D. João I ataíjense?
Não o creio e, menos creio que tal se possa vir a provar. Mas, o texto de João de Arruda e a escrita deste
já me levaram a ler, de um fôlego, a Crónica de D. Pedro I (disponível online em
purl.pt/422) que recomendo vivamente porque, está lá tudo: Guerras várias, terror e justiça, crueldade, amor e ódio, sexo, fidelidade
e traição, ganância e crime, perseguições e fugas etc., etc. Como num romance dos bons.
Loudel de D. João I
O Loudel, ou laudel, era uma veste destinada a proteger o corpo dos golpes de espada. O loudel de D. João I (actualmente exposto no Museu de Alberto Sampaio, em Guimarães) tem forma de colete cintado que se estende até aos joelhos. É composto por várias camadas de linho e enchimento de lã, acolchoadas. Aperta-se na parte frontal através de vários botões pouco intervalados (adaptado do site do Museu Alberto Sampaio, em http://masampaio.culturanorte.pt/pt-PT/colec/textil/ContentDetail.aspx?id=330)
[i]
Distribuído com a edição 1104 do semanário Região de Cister, de 16 de Outubro
de 2014.
[ii]
Funcionário responsável pela cobrança e arrecadação de impostos.
[iii] Mais
uma vez se confirma o que, aliás, há muito é sabido: historicamente, sempre a
Ataíja pertenceu a Porto de Mós que, por sua vez pertencia a Ourém. Os “duques
senhores de Porto de Mós” são os duques de Bragança, também, condes de Ourém.
[iv] “Uma dona
natural da Galiza que chamavam Dona Tareija Lourenço, que pariu dele um filho,
que houve nome D. João, que foi Mestre de Aviz e depois Rey” –in, Crónica de D.
Pedro I, de Fernão Lopes, copiada do original e acrescentada pelo Padre José
Pereira Baião, Lisboa, 1735, pág. 53.
[v] Faria sentido
entregar a criança nos seus primeiros tempos (com a mãe, é óbvio) aos cuidados
dos avós maternos.
[vi] Segundo
Fernão Lopes (op.cit., pág. 54) , a criança foi entregue pelo pai, primeiro, a
Lourenço Martins da Praça, um dos honrados Cidadãos da cidade de Lisboa e,
depois, a Dom Nuno Freire de Andrade, Mestre da Cavalaria da Ordem de Cristo.
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ResponderEliminarHá quem defenda que Teresa Lourenço seria uma senhora invisual de Resende que casara com Egas Moniz, o Aio, de quem tivera Lourenço Viegas, filho este que seria o meio-irmão do príncipe Afonso Henriques proveniente da relação extra-conjugal de Egas Moniz com Dona Teresa de Léon.
ResponderEliminarDefende-se ainda ter sido Lourenço Viegas, o verdadeiro primeiro rei de Portugal, substituindo o infante Afonso Henriques, dado a sua enfermidade, a que alude a lenda "O Milagre de Cárquere".