Uma intervenção parlamentar de 1960
O Diário das Sessões da Assembleia Nacional, n.º 145, de 21 de Janeiro de 1960, a págs. 279 a 281, transcreve a intervenção do deputado pelo círculo de Leiria, José Rodrigues da Silva Mendes (Capitão Silva Mendes, turquelense, que também foi proprietário na Ataíja de Cima), no âmbito da discussão na generalidade de uma proposta de lei sobre abastecimento de água das populações rurais:
“O Sr. Silva Mendes: - Sr. presidente: Tem o Governo dedicado a sua atenção ao momentoso problema do abastecimento de água às cidades, vilas e aldeias de Portugal, e a sua obra neste sector, como em muitos outros tem sido formidável e será cada vez maior e mais perfeita até que o abastecimento desse precioso líquido esteja ao alcance de toda a população portuguesa, e em especial dos habitantes das nossas aldeias, onde, em avultado número, se nota uma carência aflitiva.
No distrito de Leiria, e em especial nos concelhos de Alcobaça, Ansião, Pombal e Porto de Mós, há muitas povoações onde nem sequer existem as chamadas “fontes de chafurdo” e toda a população se abastece da água das chuvas, caída em telhados ou eiras e guardada em cisternas, donde é tirada durante todo o ano.
Nas faldas e no alto da serra dos Candeeiros, região que muito bem conheço, há numerosas aldeias onde, durante o verão e quando está bastante tempo sem chover, os habitantes têm de ir buscar a água para eles e para os seus gados, a 5 km e 6 km de distância.
Calculem VV. Exªs., o que é a vida dessa pobre gente tendo de andar 10 km ou 12 km, a maior parte das vezes durante a noite e depois de um dia de trabalho fatigante, para trazer uma bilha de água com que possa matar a sede da família e dos animais domésticos e cozinhar as suas modestas refeições.
Quando, ao fim de tantas canseiras, tropeçam e caiem, devido aos péssimos caminhos que têm de percorrer, e a bilha se parte, perdendo o fruto de tanto trabalho, isto representa uma verdadeira tragédia para as pobres vítimas dos acidentes.
Nas regiões a que me refiro, geralmente cheias de algares, por onde a água se escoa para grandes profundidades, é difícil e muito oneroso captar a água para o abastecimento das populações, mas estas, que são tão boas, trabalhadoras e verdadeiramente portuguesas, pelas suas magníficas qualidades, são indiscutivelmente dignas da protecção do nosso Governo, que confiadamente solicito, tendo a certeza de que o meu apelo será atendido, como é de inteira justiça.
Abençoadas serão as obras que se efectuem para este fim e que contribuirão para a melhoria das condições sanitárias dos habitantes dos pequenos aglomerados habitacionais e para a satisfação de uma das mais prementes das suas necessidades.
Tem o Governo norteado a sua acção atendendo em primeiro lugar os pedidos que são mais justos e que representam a satisfação de necessidades mais prementes. Pois, Sr. presidente, não creio que se possa fazer um pedido mais justo do que aquele que nesta minha intervenção estou formulando a favor das populações das abas da serra dos Candeeiros e dos habitantes de muitas outras aldeias do país onde a água no Verão não chega para beber e muito menos para praticar os mais elementares princípios de higiene.
…”
NOTAS:
As actas parlamentares estão disponíveis na internet, em: http://debates.parlamento.pt/, onde pode ser lida a totalidade desta intervenção.
A água canalizada só chegou à Ataíja de Cima em 1993.
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