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A segurança Social e o
sistema público de pensões de reforma – aliás, actualmente, em crise - são
realidades muito recentes.
O primeiro sistema de
previdência social da história foi criado na Prússia, na década de 1880, quando
era chanceller Otto von Bismark.
Institui-se, de início, em 1883, o seguro de
doença para os trabalhadores da indústria, em 1884, o seguro contra acidentes
de trabalho e, em 1889, o seguro de invalidez e a reforma por velhice.
A partir daí, os sistemas de
segurança social tiveram rápido desenvolvimento por toda a Europa.
Em Portugal as coisas
evoluíram mais lentamente e, ainda em 1960, apenas pouco mais de um terço da
população activa tinha algum tipo de previdência social, do que estava
totalmente afastada toda a população rural.
De facto, o regime
salazarista entendia que os riscos sociais, como a velhice ou a doença, deviam
ser geridos pelas próprias famílias e, se necessário, pela caridade.
Só com Marcelo Caetano, em
1969, foi criado um sistema de segurança social para as populações rurais (não
sem que, antes, tenham havido, no interior do regime, acesas divergências sobre
o assunto, como se pode ver, por ex., em Vítor Pereira, “Emigração e
Previdência Social em Portugal”, in Análise Social, vol. 64 (192), 2009, 471-510).
Como era então que na, Ataíja
de Cima, os mais velhos subsistiam quando a idade ou a doença os impediam de
trabalhar e angariar sustento?
A solução comum era a
“partilha em vida”, através da qual os pais, velhos e inaptos para o trabalho,
dividiam as terras familiares pelos filhos, ficando cada um destes obrigados ao
pagamento, anual, de uma pensão em géneros.
Assim aconteceu com os meus
avós, falecidos entre 1955 e 1972, nenhum dos quais teve, jamais, qualquer
reforma paga pelo Estado.
Não é aqui o lugar para nos
alargarmos com considerações sobre os complexos aspectos jurídicos da partilha
em vida, nem sobre os seus, não menos complexos, aspectos sócio-culturais.
Diremos, apenas que, ao contrário do que é normalmente referido como um dos
seus objectivos fundamentais, a partilha em vida tal como a pude ainda observar
na Ataíja de Cima, em contexto inteiramente rural, não se destinava a garantir
a continuidade da exploração económica familiar.
Ao contrário, a partilha em
vida tinha por efeito necessário e irrevogável, o desmembramento daquela
exploração e destinava-se a propiciar a constituição de novas explorações
agrícolas, centradas nas novas famílias formadas pelos descendentes dos autores.
Para isso, tinha-se em
especial atenção a necessidade da divisão equilibrada, de modo que essas novas
famílias dispusessem de um conjunto, coerente, de parcelas agrícolas e
florestais que a todos permitisse o acesso a um conjunto diversificado de bens
indispensáveis à subsistência. Era preciso que, a todos e a cada um, coubessem
oliveiras, terra de semear, vinha e matos.
Só assim se conseguia o duplo
escopo da partilha em vida: Propiciar a criação de novas explorações agrícolas
(uma por cada filho) e, fundamentalmente, assegurar as necessidades de
alimentação dos autores, (o que é comum a todas as formas de partilha em vida),
suprindo a inexistência de sistemas de segurança social e de pensões de
reforma.
Como se vê de uma escritura
de venda, de 15 de Novembro de 1910, na qual o doador (na realidade, o autor da
partilha em vida – pai de um dos vendedores), interveio para declarar que:
“Declaro eu sobredito
Ângelo Coelho, que o prédio vendido conjuntamente com outros foi por mim doado
aos vendedores com a obrigação de lhe (me) darem uma certa pensão mas que
autoriza esta venda como livre dessa pensão a qual fica garantida com os outros
prédios.”
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