sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Nomes Próprios na Ataíja de Cima, nos anos de 1785 a 1910



J. Leite de Vasconcelos queixava-se, em Antroponímia portuguesa: tratado comparativo da origem, sig­nificação, classificação, e vida do conjunto dos nomes próprios, sobrenomes…. Lisboa, Imprensa Nacional, 1928 (citado por  Nuno Gonçalo Monteiro, Os nomes de família em Portugal: uma breve perspectiva histórica, in etnográfica, maio de 2008, 12 (1): 45-58) que: “actu­almente há muita liberdade na escolha do apelido: cada pessoa toma, por assim dizer, o apelido que lhe parece, de que gosta, ou que lhe convém...”
De facto, antes da imposição do Registo Civil, o que só aconteceu sob o governo republicano, em 1911, não vigoravam em Portugal quaisquer normas legais que regulassem o uso dos apelidos.
A igreja católica, nos assentos de baptismo, registava, apenas, o nome próprio ou prenome. O apelido ou sobrenome, ou a conjugação de apelidos. ia-se consolidando ao sabor de acasos, gostos ou conveniências e só tinham consagração formal (escrita), em regra, pelo casamento[i].
O primeiro apelido era geralmente o paterno, embora se pudessem escolher livremente de entre os usados pelos pais ou pelos quatro avós e, até, o de padrinhos, patrões, ou amos no caso dos escravos, sendo frequentes os casos de irmãos que não usavam o mesmo apelido.
Na Ataíja de Cima, durante o Século XIX foi corrente, como veremos a seu tempo, a transformação em apelido de família do nome próprio do patriarca (como aconteceu, por exemplo, com Constantino, Veríssimo, Maurício ou Matias, entre outros).
Comum era, também, a transformação em apelido do lugar de origem ou da profissão.

Dos apelidos ou sobrenomes havemos, no entanto, de tratar em outra ocasião. Por agora, ficar-nos-emos pelos nomes próprios que, nome próprio, todos possuíam desde o baptismo.


Nos assentos de baptismo de São Vicente de Aljubarrota, entre os anos de 1875 e 1910 (excluindo os anos de 1860 a 1880, a cujos registos ainda não nos foi possível aceder), temos um total de 416 crianças nascidas na Ataíja de Cima, sendo 199 do sexo feminino, às quais foram atribuídos 29 nomes diferentes e 217 do sexo masculino, às quais foram atribuídos 22 nomes diferentes.

No caso dos nomes femininos, a uma maior diversidade corresponde uma maior concentração nos nomes mais comuns, com um único nome, Maria, a ser usado 83 vezes, a que corresponde um peso de 41,7%, seguido de Joaquina, a grande distância com 32 casos, correspondentes a 16%. O terceiro nome mais comum, Luísa, foi escolhido 17 vezes, correspondentes a 8,5%.
Treze nomes (44,8%), foram usados uma única vez.
  



Quanto aos nomes próprios masculinos, a uma menor diversidade (22 nomes) corresponde uma maior dispersão das preferências, com 8 nomes (36,4%) a serem usados uma única vez e
Os quatro nomes mais usados a oscilar entre os 17,1% (37 vezes) e os 14,7% (32 vezes).



Se nos ativer-mos, apenas, aos anos de 1785 a 1799, num total de 50 baptizados, 23 femininos e 27 masculinos, encontramos um total de 11 nomes femininos e 10 nomes masculinos.
Os nomes Maria e Joaquim já eram, neste período, os preferidos.

Na parte final do período em análise (1900/1910), por sua vez, em 58 baptizados (24 raparigas, 34 rapazes), assiste-se a uma drástica contracção na diversidade dos nomes femininos, agora reduzidos a 6 (quatro deles com apenas um caso) e fortemente concentrados em Maria e Joaquina, com 10 ocorrências cada, enquanto cada um dos demais quatro nomes ocorre apenas em um caso.
Esta situação, algo anormal, era bem apercebida pelos próprios locais, como o ilustra uma expressão corrente que ouvi muitas vezes:

Na Ataíja de Cima todas as mulheres são Marias ou Joaquinas. Nos Casais (de Santa Teresa) todas são ou Rosas ou Delfinas.

e decorria do costume - que se foi desenvolvendo com maior intensidade à medida do avanço do Séc. XIX – de impor ao baptizando o nome próprio do padrinho (ou da madrinha no caso de se tratar de rapariga)[ii], agravado, o costume, pelo facto de, tendencialmente, haver um restrito número de pessoas que, em geral por não terem filhos[iii] e, ou, serem gente de algumas posses, eram padrinhos preferenciais.

É que, ao padrinho, compete ajudar o afilhado e, como diz o ditado, “quem não tem padrinho morre mouro”.

Em muitos casos, o padrinho era encontrado dentro da família próxima, frequentemente, o avô ou a avó e, por essa via, se obtinha a alternância de nomes a cada duas gerações, como havia sido costume antigo das famílias ilustres.

Quando o padrinho era um tio, tal como quando era uma pessoa de fora da família, o novo elo do compadrio criado pelo apadrinhamento tinha uma tal importância que se sobrepunha às relações familiares.
Pais e padrinho deixavam de ser irmãos para passar a tratar-se, mutuamente, por “compadres”.

Voltando ao nosso tema;

A prof. Iria Gonçalves, no seu estudo Antroponímia das Terras Alcobacenses nos Fins da Idade Média[iv] analisa os nomes que se usavam na nossa região (nos Coutos de Alcobaça) em dois períodos do final da idade média, 1370-1400 e 1430-1460. Comparando os resultados a que a ilustre professora chegou com os que obtivemos – para a Ataíja de Cima - a partir dos assentos de baptismo da Paróquia de São Vicente de Aljubarrota nos anos entre 1785 e 1910 e, ainda, com os dados mais recentes relativos à totalidade do país[v], chegamos a interessantes conclusões:

No que diz respeito aos nomes próprios masculinos, apenas João aparece sempre entre os sete nomes preferidos sendo, aliás, o mais comum no final do Séc. XIV e em meados do Séc. XV nos Coutos de Alcobaça e, na actualidade, em Portugal. Na Ataíja de Cima, desde o final do Séc. XVIII ao início do Séc. XX, mantém-se bem posicionado e bastante estável ao nível das preferências.[vi]

A importância do nome Joaquim na Ataíja de Cima em 1785/1910, em que é o nome masculino mais comum, embora em acelerada queda na parte final desse período, deve-se, tal como se passa com o correspondente feminino, Joaquina, a razões particulares.[vii]



Quanto aos nomes femininos, é indiscutível a predominância do nome Maria, só interrompida, na Ataíja de Cima dos anos de 1900/1910 pelas mesmas razões particulares já referidas.
[viii] 









[i] Em casos extremos, mesmo isso podia não ser “suficiente” para dar à pessoa um apelido formal. Foi o caso de um casamento, celebrado em 9 de novembro de 1836, no qual a nubente é identificada, apenas, pelo nome próprio e filiação: Maria, filha de José Machado e Maria de Horta.  
[ii] A conferência dos padrinhos, mostra que assim é, de facto, como é evidente, por ex., nos casos dos nomes masculinos mais exóticos (Matias, Alfredo, Sabino, Porfírio).
O mesmo, com os nomes mais vulgares, como o feminino Joaquina onde, dos 27 casos recenseados, em 7 deles foi madrinha a mesma Joaquina Quitério.
[iii] É o caso da Joaquina Quitério referida na Nota anterior.
[iv] Publicado inicialmente em Do Tempo e da História, Vol. V, 1972, pág.s 159-200 e, posteriormente, em Gonçalves, Iria, Imagens do Mundo Medieval, Livros Horizonte, Lisboa, 1988, pág.s. 105-142
[v] Os dados relativos a Portugal, 2013, foram recolhidos em http://www.maemequer.pt/estou-gravida/prepare-a-chegada-do-bebe/top-50-nomes-mais-registados-em-2013, consultado em 20-2-2014
[vi] João era, tb., o nome mais comum na área do almoxarifado de Évora em 1475, entre os titulares do empréstimo contraído por D. Afonso V para financiar a guerra com Castela (conf. Gonçalves, Iria, Amostra de Antroponímia Alentejana do Séc. XV, igualmente incluído em Imagens do Mundo Medieval, referido na nota iv.
[vii] Entre 1795 e 1804 o Padre Joaquim de Sousa é padrinho de 5 rapazes, todos baptizados com o nome do padrinho.
[viii] Como já dito, Joaquina Quitério, casada, sem filhos e com fama de ser relativamente abastada foi, entre 1899 e 1910, madrinha, além de vários rapazes que aqui não importa contabilizar, de 7 raparigas, todas baptizadas com o nome da madrinha.

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