J. Leite de Vasconcelos queixava-se,
em Antroponímia portuguesa: tratado comparativo da origem, significação,
classificação, e vida do conjunto dos nomes próprios, sobrenomes…. Lisboa,
Imprensa Nacional, 1928 (citado por Nuno Gonçalo Monteiro, Os nomes
de família em Portugal: uma breve perspectiva histórica, in etnográfica, maio de 2008,
12 (1): 45-58) que: “actualmente há muita liberdade na escolha do apelido: cada
pessoa toma, por assim dizer, o apelido que lhe parece, de que gosta, ou que
lhe convém...”
De facto, antes da imposição do Registo Civil, o que só aconteceu
sob o governo republicano, em 1911, não vigoravam em Portugal quaisquer normas
legais que regulassem o uso dos apelidos.
A igreja católica, nos assentos de baptismo, registava, apenas, o
nome próprio ou prenome. O apelido ou sobrenome, ou a conjugação de apelidos. ia-se
consolidando ao sabor de acasos, gostos ou conveniências e só tinham
consagração formal (escrita), em regra, pelo casamento[i].
O primeiro apelido era geralmente o paterno, embora se pudessem
escolher livremente de entre os usados pelos pais ou pelos quatro avós e, até,
o de padrinhos, patrões, ou amos no caso dos escravos, sendo frequentes os
casos de irmãos que não usavam o mesmo apelido.
Na Ataíja de Cima, durante o Século XIX foi corrente, como veremos
a seu tempo, a transformação em apelido de família do nome próprio do patriarca
(como aconteceu, por exemplo, com Constantino, Veríssimo, Maurício ou Matias,
entre outros).
Comum era, também, a transformação em apelido do lugar de origem
ou da profissão.
Dos apelidos ou sobrenomes havemos, no entanto, de tratar em outra
ocasião. Por agora, ficar-nos-emos pelos nomes próprios que, nome próprio,
todos possuíam desde o baptismo.
Nos assentos de baptismo de São Vicente de Aljubarrota,
entre os anos de 1875 e 1910 (excluindo os anos de 1860 a 1880, a cujos registos
ainda não nos foi possível aceder), temos um total de 416 crianças nascidas na Ataíja
de Cima, sendo 199 do sexo feminino, às quais foram atribuídos 29 nomes
diferentes e 217 do sexo masculino, às quais foram atribuídos 22 nomes
diferentes.
No caso dos nomes femininos, a uma maior diversidade corresponde uma
maior concentração nos nomes mais comuns, com um único nome, Maria, a ser usado
83 vezes, a que corresponde um peso de 41,7%, seguido de Joaquina, a grande
distância com 32 casos, correspondentes a 16%. O terceiro nome mais comum, Luísa,
foi escolhido 17 vezes, correspondentes a 8,5%.
Treze nomes (44,8%), foram usados uma única vez.
Quanto aos nomes próprios masculinos, a uma menor diversidade (22
nomes) corresponde uma maior dispersão das preferências, com 8 nomes (36,4%) a
serem usados uma única vez e
Os quatro nomes mais usados a oscilar entre os 17,1% (37 vezes) e
os 14,7% (32 vezes).
Se nos ativer-mos, apenas, aos anos de 1785 a 1799, num total de 50 baptizados,
23 femininos e 27 masculinos, encontramos um total de 11 nomes femininos e 10 nomes
masculinos.
Os nomes Maria e Joaquim já eram, neste período, os preferidos.
Na parte final do período em análise (1900/1910), por sua vez, em
58 baptizados (24 raparigas, 34 rapazes), assiste-se a uma drástica contracção na
diversidade dos nomes femininos, agora reduzidos a 6 (quatro deles com apenas
um caso) e fortemente concentrados em Maria e Joaquina, com 10 ocorrências cada, enquanto cada um dos demais quatro nomes ocorre apenas em um caso.
Esta situação, algo anormal, era bem apercebida pelos próprios locais,
como o ilustra uma expressão corrente que ouvi muitas vezes:
Na Ataíja de Cima todas as
mulheres são Marias ou Joaquinas. Nos Casais (de Santa Teresa) todas são ou Rosas
ou Delfinas.
e decorria do costume - que se foi desenvolvendo com maior
intensidade à medida do avanço do Séc. XIX – de impor ao baptizando o nome
próprio do padrinho (ou da madrinha no caso de se tratar de rapariga)[ii], agravado, o costume, pelo facto de,
tendencialmente, haver um restrito número de pessoas que, em geral por não
terem filhos[iii]
e, ou, serem gente de algumas posses, eram padrinhos preferenciais.
É que, ao padrinho, compete ajudar o afilhado e, como diz o
ditado, “quem não tem padrinho morre mouro”.
Em muitos casos, o padrinho era encontrado dentro da família
próxima, frequentemente, o avô ou a avó e, por essa via, se obtinha a
alternância de nomes a cada duas gerações, como havia sido costume antigo das
famílias ilustres.
Quando o padrinho era um tio, tal como quando era uma pessoa de
fora da família, o novo elo do compadrio criado pelo apadrinhamento tinha uma tal
importância que se sobrepunha às relações familiares.
Pais e padrinho deixavam de ser irmãos para passar a tratar-se, mutuamente, por “compadres”.
Pais e padrinho deixavam de ser irmãos para passar a tratar-se, mutuamente, por “compadres”.
Voltando ao nosso tema;
A prof. Iria Gonçalves, no seu estudo Antroponímia das Terras
Alcobacenses nos Fins da Idade Média[iv] analisa os nomes que se
usavam na nossa região (nos Coutos de Alcobaça) em dois períodos do final da idade
média, 1370-1400 e 1430-1460. Comparando os resultados a que a ilustre
professora chegou com os que obtivemos – para a Ataíja de Cima - a partir dos assentos
de baptismo da Paróquia de São Vicente de Aljubarrota nos anos entre 1785 e
1910 e, ainda, com os dados mais recentes relativos à totalidade do país[v], chegamos a interessantes
conclusões:
No que diz respeito aos nomes próprios masculinos, apenas João
aparece sempre entre os sete nomes preferidos sendo, aliás, o mais comum no
final do Séc. XIV e em meados do Séc. XV nos Coutos de Alcobaça e, na actualidade,
em Portugal. Na Ataíja de Cima, desde o final do Séc. XVIII ao início do Séc.
XX, mantém-se bem posicionado e bastante estável ao nível das preferências.[vi]
A importância do nome Joaquim na Ataíja de Cima em 1785/1910, em
que é o nome masculino mais comum, embora em acelerada queda na parte final
desse período, deve-se, tal como se passa com o correspondente feminino,
Joaquina, a razões particulares.[vii]
Quanto aos nomes femininos, é indiscutível a predominância do nome Maria, só interrompida, na Ataíja de Cima dos anos de 1900/1910 pelas mesmas razões particulares já referidas.[viii]
[i] Em casos
extremos, mesmo isso podia não ser “suficiente” para dar à pessoa um apelido
formal. Foi o caso de um casamento, celebrado em 9 de novembro de 1836, no qual
a nubente é identificada, apenas, pelo nome próprio e filiação: Maria, filha de
José Machado e Maria de Horta.
[ii] A conferência
dos padrinhos, mostra que assim é, de facto, como é evidente, por ex., nos
casos dos nomes masculinos mais exóticos (Matias, Alfredo, Sabino, Porfírio).
O mesmo, com os nomes mais vulgares, como o feminino
Joaquina onde, dos 27 casos recenseados, em 7 deles foi madrinha a mesma Joaquina
Quitério.
[iii] É o
caso da Joaquina Quitério referida na Nota anterior.
[iv]
Publicado inicialmente em Do Tempo e da
História, Vol. V, 1972, pág.s 159-200 e, posteriormente, em Gonçalves,
Iria, Imagens do Mundo Medieval,
Livros Horizonte, Lisboa, 1988, pág.s. 105-142
[v] Os dados relativos a Portugal, 2013, foram recolhidos
em http://www.maemequer.pt/estou-gravida/prepare-a-chegada-do-bebe/top-50-nomes-mais-registados-em-2013,
consultado em 20-2-2014
[vi] João era,
tb., o nome mais comum na área do almoxarifado de Évora em 1475, entre os
titulares do empréstimo contraído por D. Afonso V para financiar a guerra com
Castela (conf. Gonçalves, Iria, Amostra
de Antroponímia Alentejana do Séc. XV, igualmente incluído em Imagens do Mundo Medieval, referido na
nota iv.
[vii] Entre
1795 e 1804 o Padre Joaquim de Sousa é padrinho de 5 rapazes, todos baptizados
com o nome do padrinho.
[viii] Como
já dito, Joaquina Quitério, casada, sem filhos e com fama de ser relativamente
abastada foi, entre 1899 e 1910, madrinha, além de vários rapazes que aqui não
importa contabilizar, de 7 raparigas, todas baptizadas com o nome da madrinha.
Sem comentários:
Enviar um comentário