Sabemos que a escravatura foi uma instituição que durou
milénios, que existiu na Grécia e em Roma, e que foram escravos os construtores
das pirâmides egípcias.
Que a redução à escravatura dos inimigos vencidos foi
prática comum, um pouco por todo o mundo.
Que portugueses escravizaram mouros e que mouros
escravizaram portugueses.
Que na sequência da expansão marítima dos Séc. XV e XVI, se
criaram novos e largos mercados de escravos, tendo por origem a África e como
destino principal as Américas (para trabalhar nas monoculturas de café,
cana-de-açúcar, algodão e outras).
Sabemos tudo isso e vimos na televisão a série Raízes, a
saga de uma família americana descendente de um escravo e, alguns, até leram o
livro em que se baseia, da autoria de Alex Haley.
Alguns lemos a História Social dos Escravos e Libertos
Negros em Portugal,[i] e, por
isso, sabemos que em Évora, no início do Séc. XVI, uma em cada sete pessoas era
de raça negra, entre outras razões porque qualquer pedreiro ou outro oficial de
ofício tinha, em vez de ajudante, o seu escravo.
E sabemos que o poeta Luís Vaz de Camões, no final da vida,
pobre e doente, vivendo de esmolas, não precisava de pedir porque tinha Jau, um
escravo, para pedir por ele.
E sabemos que, nos países ocidentais ditos civilizados, a
escravatura só acabou ia o Séc. XIX bem andado.
E sabemos que, ainda no início do Séc. XX, J. Leite de
Vasconcelos[ii]
fotografou naturais, em Alcácer do Sal e em Coruche, com evidentes traços
negroides, herdados dos seus antepassados escravos.
E sabemos que as marcas da escravização estão ainda muito
presentes em muitos lugares e em muitas comunidades, como o demonstra o facto
de, recentemente, termos sido confrontados com o rapto de centenas de jovens
raparigas cristãs na Nigéria e a ameaça do chefe dos raptores de as vender como
escravas.[iii]
e que os 15 países da Comunidade do Caribe, de que um dos
líderes mais activos é o primeiro-ministro de São Vicente e Granadinas, o
luso-descendente Ralph Gonsalves, se preparam para pedir a países europeus,
Portugal incluído, indemnizações pelos prejuízos resultantes da escravatura no
tempo colonial.
Embora sabendo tudo isso, foi para mim um choque descobrir
que, em Aljubarrota, ainda no ano de 1801 havia, pelo menos, dois escravos:[iv]
[i] A. C.
Saunders, História Social dos Escravos e Libertos Negros em Portugal, Imprensa
Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 1994.
[ii] J.
Leite de Vasconcelos (1858-1941) foi uma figura maior da cultura portuguesa,
destacando-se como linguísta, filólogo, etnógrafo e arqueólogo.
[iii] É
ainda hoje, aliás, desconhecido o destino da maioria delas.
[iv] A
excelente caligrafia do Cura Tomás de Aquino da Costa, dispensa a transcrição
do assento de óbito do escravo Sebastião de Oliveira Baena. Leia-se com atenção
e veja-se a menção na margem esquerda: Preto.
O falecido era casado com Laureana Maria, escrava como ele.
O proprietário de ambos era um tal Francisco Viegas Machado.
O apelido do escravo falecido é prova da sua ligação ao Dr. Oliveira Baena que foi figura importante em Aljubarrota na segunda metade do Séc. XVIII.
O falecido era casado com Laureana Maria, escrava como ele.
O proprietário de ambos era um tal Francisco Viegas Machado.
O apelido do escravo falecido é prova da sua ligação ao Dr. Oliveira Baena que foi figura importante em Aljubarrota na segunda metade do Séc. XVIII.
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ResponderEliminarOs Oliveira Baena (explicitamente, de Aljubarrota) surgem nos registos paroquiais de Alfeizerão associados à Quinta da Mota da freguesia. Dos escravos, as referências mais recentes que encontrei foram de 1803 e 1811, esta, a do escravo Nicolau, que morreu ou foi morto no primeiro trimestre desse ano quando o exército francês em retirada se demorou na vila causando a morte de dezenas de habitantes.A data de 1811 está apenas a cerca de cinco décadas das datas da abolição da escravatura (1854 e 1869) apesar de alguns chauvinistas de algibeira escreverem que a escravatura deixou de existir no reinado de D. José I, e que por isso fomos um dos primeiros países do mundo a consegui-lo
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