sábado, 30 de agosto de 2014

Padre Fábio Bernardino - Uma Iconografia

  
Homem atento aos tempos que correm, o Padre Fábio Bernardino convidou os amigos para as cerimónias da Ordenação Diaconal, da Ordenação Sacerdotal e da Missa Nova também através do Facebook, criando “eventos” e ilustrando os convites para as cerimónias (usando como fotos de capa dos respectivos eventos, como se diz no linguajar facebookiano) com a reprodução de pinturas de temática religiosa católica como, aliás, era mister.

As três imagens que assinalaram outros tantos momentos importantes da sua vida religiosa, constituem como que uma iconografia pessoal e ilustram um coerente e permanente desenvolvimento do percurso religioso do jovem padre, nosso conterrâneo, desde a religiosidade inicial, fruto da vivência familiar e estreitamente ligada à comunidade de origem, até à actualidade de uma religiosidade adulta, consciente e profunda que se aventura pelos complexos (ao menos para os leigos) caminhos de exigente Teologia.

Vale a pena, por isso, tentar conhecer e compreender melhor as pinturas em causa.


Para a sua Ordenação Diaconal, ocorrida em 24 de Novembro de 2013, o Fábio Bernardino escolheu uma reprodução da “Glorificação de São Vicente”, ou "Aparição de Cristo a São Vicente", pintura a óleo, sobre tela, datada de 1781, da autoria do pintor português Pedro Alexandrino de Carvalho e existente na Capela de São Vicente da Sé Catedral de Santa Maria Maior (Sé de Lisboa)[i].

Glorificação de São Vicente.
Cristo parece ordenar a São Vicente para se erguer, enquanto ostenta na mão esquerda a palma do martírio que, sem dúvida, irá entregar ao Santo. Atrás deste, um anjo prepara-se para lhe colocar uma coroa de rosas.

Pedro Alexandrino de Carvalho foi o mais importante pintor português da segunda metade do Séc. XVIII e, dele, é conhecida uma vasta obra que pode ser admirada, sobretudo, em numerosas igrejas da região de Lisboa.

São Vicente é o santo patrono da paróquia de São Vicente de Aljubarrota onde nasceu o Padre Fábio Bernardino e essa é, certamente, a razão da escolha.
São Vicente de Saragoça ou São Vicente Mártir, viveu no início do Séc. IV e, no tempo do Imperador Diocleciano, sofreu o martírio em Saragoça, Espanha, às ordens do delegado imperial Daciano que, nesse tempo, moveu uma cerrada perseguição aos cristãos da Península Ibérica.
Vicente recusou oferecer sacrifícios aos deuses romanos, pelo que foi martirizado até à morte que terá ocorrido no ano de 304.
É representado umas vezes com palma e evangeliário, outras com uma barca e um ou dois corvos porque, segundo a lenda, quando por ordem de D. Afonso Henriques se traziam as suas relíquias do Cabo de São Vicente para Lisboa, dois corvos nunca abandonaram a barca que o transportou. Daí, que o brasão da cidade de Lisboa (de que São Vicente é padroeiro) seja uma barca com dois corvos.


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Para a sua Ordenação Sacerdotal que teve lugar no passado dia 11 de Maio, na Sé Catedral de Leiria, escolheu o diácono Fábio Bernardino uma reprodução da Última Ceia da autoria de Juan de Juanes, pintor espanhol do Séc. XVI (1523-1579).
As razões da escolha deste tema parecem-me evidentes: O encargo supremo do sacerdote é dizer missa e, esta, é, antes do mais, uma representação ritual da Última Ceia.

A obra, um óleo sobre madeira com as dimensões de 116x191cm, foi pintada cerca de 1560,[ii] tal como um conjunto de pinturas sobre a vida do patrono, para a Igreja de Santo Estêvão, em Valência e, actualmente, faz parte do acervo do Museu do Prado, em Madrid.

Trata-se, de uma das mais conhecidas representações da Última Ceia, desde logo porque estampas emolduradas com reproduções deste quadro existiam em muitas casas portuguesas, inclusive na Ataíja de Cima, em meados do século passado.

A composição é, aparentemente, baseada na famosa obra que Leonardo da Vinci pintou, em 1498, no refeitório de Santa Maria delle Grazie, em Milão, embora o modelado das figuras e a cor, dizem os peritos, remetam para Rafael[iii].

Sobre a mesa, diante da figura de Cristo, vê-se o cálice, que, ainda hoje, se conserva na Catedral de Valência a que foi oferecido, em 1424, por Afonso V. 
O jarro e a bacia em primeiro plano aludem à primeira lavagem dos pés que, como se sabe, teve lugar antes da Última Ceia.
Todos os Apóstolos levam seu nome inscrito no nimbo[iv] que paira sobre as suas cabeças, excepto Judas Iscariotes (à direita, de costas) que não tem nimbo, estando o seu nome inscrito no banco onde se senta. Segundo a tradição tem barba e cabelo vermelho, veste de amarelo, cor simbólica da inveja e esconde dos seus colegas o saco do dinheiro da traição.[v]
  




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Também para convidar os amigos para A Missa Nova, celebrada em 18 de Maio de 2014, o Padre Fábio recorreu ao Facebook, desta vez escolhendo para “foto de capa” uma reprodução da Adoração do Cordeiro Místico, quadro que faz parte do políptico conhecido por Retábulo de Gand, uma obra de grandes dimensões (aberto, 350x461cm, fechado, 350x223cm), da autoria dos irmãos Hubert e Jan Van Eyck, pintado em 1432 e que se encontra na Catedral de São Bavão, em Gand, na actual Bélgica.

A Adoração do Cordeiro Místico é o tema central e o mais importante, quer em termos artísticos quer em termos teológicos, dos 26 quadros (14 visíveis quando o retábulo está aberto, outros 12 quando fechado) que constituem o Retábulo o qual, no seu conjunto, é unanimemente considerado uma das obras-primas da pintura ocidental[vi].
O Cordeiro Místico é o Agnus Dei, o Cordeiro de Deus ou seja, o próprio Jesus Cristo sacrificado para salvação da humanidade.

Agnus Dei, qui tollis pecatta mundi, miserere nobis.[vii]

A representação de Cristo como um cordeiro recorda o uso antigo de sacrificar animais em honra dos deuses. O sacrifício de Jesus Cristo, sendo o sacrifício maior, o maior acto de amor de Deus pelos homens, veio tornar desnecessários (absoletos), todos os demais sacrifícios.


Vejamos, então, o Retábulo:

Retábulo de Gand (fechado)
 
Em cima, da esquerda para a direita: Anjo da Anunciação[viii] e Profeta Zacarias (sobre o Anjo)[ix]; Janela com vista[x] e, sobre ela, a Sibila da Eritreia[xi]; Nicho com lavatório e, sobre ele, a Sibila de Cumas[xii]; Nossa Senhora da Anunciação[xiii] e, sobre ela, o Profeta Miqueias[xiv].
Em baixo, também da esquerda para a direita: Doador[xv]; São João Baptista; São João Evangelista, Mulher do doador[xvi].


Retábulo de Gand (aberto)
Em cima, da esquerda para a direita: Adão; Caim e Abel (sobre Adão); Anjos cantores; Virgem Maria; Cristo-Rei; São João Baptista; Anjos músicos; Eva; Morte de Abel (sobre Eva).
Em baixo, também da esquerda para a direita: Os justos Juízes; Os Cavaleiros de Cristo; A Adoração do Cordeiro Místico; Os Santos Eremitas; Os Peregrinos.[xvii]


Adoração do Cordeiro Místico
A composição pictórica da Adoração do Cordeiro Místico parece ser inspirada no Apocalipse de São João: 
Depois disto, vi uma multidão imensa, 
que ninguém podia contar,
de todas as nações, tribos, povos e línguas.
Estavam de pé, diante do trono e na presença do Cordeiro,
vestidos com túnicas brancas e de palmas na mão.”







[i] Identificar esta pintura foi, para mim, trabalho árduo – ou seja, não conheço a Sé de Lisboa tão bem quanto devia - e, aliás, só conseguido com o precioso auxílio de Rui Almeida, do Secretariado Nacional para os Bens Culturais da Igreja a quem, penhoradamente, agradecemos.
Aos interessados, informa-se que este serviço da Conferência Episcopal Portuguesa tem sede na Quinta do Cabeço, Porta D, 1885-076 Moscavide e os seguintes contactos: t. 218 855 481 | f. 218 855 461 | info@bensculturais.com, www.bensculturais.com / LOJA ONLINE /  Página do Facebook  
[iii] Rafael Sanzio ou, apenas, Rafael, foi um pintor italiano que viveu entre 1483 e 1520 e é, a par com Leonardo da Vinci e Miguel Ângelo, um dos grandes mestres da chamada Alta Renascença.
[iv] Nimbo, é círculo luminoso, auréola. No site do Museu do Prado (https://www.museodelprado.es) é possível ampliar a imagem até se conseguir ler com nitidez o nome de cada apóstolo, bem como apreciar, com grande pormenor, todos os aspectos do quadro.
[v] Para a descrição do quadro socorremo-nos de https://www.museodelprado.es (consultado em 5-8-2014).
[vi] Pode ver, com grande pormenor, explicação das personagens (em inglês) e qualidade gráfica, a reprodução da totalidade do Retábulo em Web Gallery of Art: http://www.wga.hu/index1.html, (consultado em 20-5-2014).
[vii] Cordeiro de Deus que tirais os pecados do Mundo, tende piedade de nós.
[viii] O Anjo da Anunciação foi, como sabemos, o Arcanjo São Gabriel.
[ix] Zacarias, um dos profetas menores, anunciou, repetidamente, a vinda do Messias.
[x] Este quadro, Janela com Vista e o seguinte, Nicho com Lavatório, são meramente funcionais servindo para completar o cenário da sala onde o Arcanjo Gabriel anuncia à Virgem a sua maternidade. A continuidade das vigas do tecto, transforma as molduras dos quatro quadros deste plano em molduras dos vidros de uma larga janela através da qual podemos contemplar toda a cena da Anunciação.
[xi] As sibilas eram figuras da mitologia greco-romana que se acreditavam terem poderes proféticos. A sibila da Eritreia era tida como tendo anunciado a vinda de Cristo).
[xii] Também tida como anunciadora da vinda de Cristo.
[xiii] Note-se sobre a sua cabeça, o Espírito Santo em forma de pomba.
[xiv] Um dos doze profetas menores, também anunciador da vinda do Messias.
[xv] Vijd Jacodus.
[xvi] Lysbette Borluut.
[xvii] Repare-se como, neste plano e quanto ao cenário, foi utilizada uma solução pictórica semelhante à que vimos acima (ver Nota [x]), para a cena da Anunciação. Também aqui, os cinco quadros partilham diferentes partes da mesma paisagem.

1 comentário:

  1. O Sr. Padre Fábio Bernardino teve a amabilidade de colocar na sua página do Facebook o seguinte comentário:
    "Felicito o meu conterrâneo José Quitério, por mais um excelente post no seu Blog dedicado à nossa terra! Desta vez, partilhou um estudo sobre algumas pinturas de temática cristã, com as quais, meses atrás, acompanhei a divulgação, no Facebook, das minhas Ordenações e da Missa Nova. Desde já, lhe agradeço por tão profundo e generoso estudo, que me deixou surpreso e me enriqueceu pelo seu conteúdo detalhado sobre iconografia de minha eleição."
    Obviamente satisfeito por o nosso trabalho lhe ter agradado, cumpre agradecer ao Pe Fábio a generosidade do comentário.

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