Homem atento aos tempos que correm, o Padre Fábio Bernardino
convidou os amigos para as cerimónias da Ordenação Diaconal, da Ordenação
Sacerdotal e da Missa Nova também através do Facebook, criando “eventos” e ilustrando
os convites para as cerimónias (usando como fotos de capa dos respectivos
eventos, como se diz no linguajar facebookiano) com a reprodução de pinturas de
temática religiosa católica como, aliás, era mister.
As três imagens que assinalaram outros tantos momentos importantes
da sua vida religiosa, constituem como que uma iconografia pessoal e ilustram
um coerente e permanente desenvolvimento do percurso religioso do jovem padre,
nosso conterrâneo, desde a religiosidade inicial, fruto da vivência familiar e estreitamente
ligada à comunidade de origem, até à actualidade de uma religiosidade adulta,
consciente e profunda que se aventura pelos complexos (ao menos para os leigos)
caminhos de exigente Teologia.
Vale a pena, por isso, tentar conhecer e compreender melhor
as pinturas em causa.
Para a sua Ordenação Diaconal, ocorrida em 24 de Novembro de
2013, o Fábio Bernardino escolheu uma reprodução da “Glorificação de São Vicente”, ou "Aparição de Cristo a
São Vicente", pintura a óleo, sobre tela, datada de 1781, da autoria do pintor
português Pedro Alexandrino de Carvalho e existente na Capela de São Vicente da
Sé Catedral de Santa Maria Maior (Sé de Lisboa)[i].
Glorificação de São Vicente.
Cristo parece ordenar a São Vicente para se erguer, enquanto
ostenta na mão esquerda a palma do martírio que, sem dúvida, irá entregar ao
Santo. Atrás deste, um anjo prepara-se para lhe colocar uma coroa de rosas.
Pedro Alexandrino de Carvalho foi
o mais importante pintor português da segunda metade do Séc. XVIII e, dele, é
conhecida uma vasta obra que pode ser admirada, sobretudo, em numerosas igrejas
da região de Lisboa.
São Vicente é o santo patrono da
paróquia de São Vicente de Aljubarrota onde nasceu o Padre Fábio Bernardino e essa é, certamente, a razão da
escolha.
São Vicente de Saragoça ou São
Vicente Mártir, viveu no início do Séc. IV e, no tempo do Imperador
Diocleciano, sofreu o martírio em Saragoça, Espanha, às ordens do delegado
imperial Daciano que, nesse tempo, moveu uma cerrada perseguição aos cristãos
da Península Ibérica.
Vicente recusou oferecer
sacrifícios aos deuses romanos, pelo que foi martirizado até à morte que terá
ocorrido no ano de 304.
É representado umas vezes com
palma e evangeliário, outras com uma barca e um ou dois corvos porque, segundo
a lenda, quando por ordem de D. Afonso Henriques se traziam as suas relíquias
do Cabo de São Vicente para Lisboa, dois corvos nunca abandonaram a barca que o
transportou. Daí, que o brasão da cidade de Lisboa (de que São Vicente é
padroeiro) seja uma barca com dois corvos.
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Para a sua Ordenação Sacerdotal que teve lugar no passado
dia 11 de Maio, na Sé Catedral de
Leiria, escolheu o diácono Fábio Bernardino uma reprodução da Última
Ceia da autoria de Juan de Juanes, pintor espanhol do Séc. XVI (1523-1579).
As razões da escolha deste tema parecem-me evidentes: O
encargo supremo do sacerdote é dizer missa e, esta, é, antes do mais, uma
representação ritual da Última Ceia.
A obra, um óleo sobre madeira com as dimensões de 116x191cm,
foi pintada cerca de 1560,[ii] tal
como um conjunto de pinturas sobre a vida do patrono, para a Igreja de Santo
Estêvão, em Valência e, actualmente, faz parte do acervo do Museu do Prado, em
Madrid.
Trata-se, de uma das mais conhecidas representações da
Última Ceia, desde logo porque estampas emolduradas com reproduções deste
quadro existiam em muitas casas portuguesas, inclusive na Ataíja de Cima, em
meados do século passado.
A composição é, aparentemente, baseada na famosa obra que
Leonardo da Vinci pintou, em 1498, no refeitório de Santa Maria delle Grazie,
em Milão, embora o modelado das figuras e a cor, dizem os peritos, remetam para
Rafael[iii].
Sobre a mesa, diante da figura de Cristo, vê-se o cálice,
que, ainda hoje, se conserva na Catedral de Valência a que foi oferecido, em
1424, por Afonso V.
O jarro e a bacia em primeiro plano aludem à primeira
lavagem dos pés que, como se sabe, teve lugar antes da Última Ceia.
Todos os Apóstolos levam seu nome inscrito no nimbo[iv] que
paira sobre as suas cabeças, excepto Judas Iscariotes (à direita, de costas)
que não tem nimbo, estando o seu nome inscrito no banco onde se senta. Segundo
a tradição tem barba e cabelo vermelho, veste de amarelo, cor simbólica da
inveja e esconde dos seus colegas o saco do dinheiro da traição.[v]
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Também para convidar os amigos para A Missa Nova, celebrada em 18 de Maio de 2014, o Padre
Fábio recorreu ao Facebook, desta vez escolhendo para “foto de capa” uma
reprodução da Adoração do Cordeiro Místico, quadro que faz parte do políptico
conhecido por Retábulo de Gand, uma obra de grandes dimensões (aberto,
350x461cm, fechado, 350x223cm), da autoria dos irmãos Hubert e Jan Van Eyck,
pintado em 1432 e que se encontra na Catedral de São Bavão, em Gand, na actual Bélgica.
A Adoração do Cordeiro Místico é o tema central e o mais
importante, quer em termos artísticos quer em termos teológicos, dos 26 quadros
(14 visíveis quando o retábulo está aberto, outros 12 quando fechado) que
constituem o Retábulo o qual, no seu conjunto, é unanimemente considerado uma
das obras-primas da pintura ocidental[vi].
O Cordeiro Místico é o Agnus Dei, o Cordeiro de Deus ou
seja, o próprio Jesus Cristo sacrificado para salvação da humanidade.
Agnus Dei, qui tollis pecatta
mundi, miserere nobis.[vii]
A representação de Cristo como um cordeiro recorda o uso antigo de sacrificar animais em honra dos deuses. O sacrifício de
Jesus Cristo, sendo o sacrifício maior, o maior acto de amor de Deus pelos
homens, veio tornar desnecessários (absoletos), todos os demais sacrifícios.
Vejamos, então, o Retábulo:
Retábulo de Gand (fechado)
Em cima, da esquerda para a direita: Anjo da
Anunciação[viii] e
Profeta Zacarias (sobre o Anjo)[ix]; Janela
com vista[x] e, sobre
ela, a Sibila da Eritreia[xi]; Nicho com
lavatório e, sobre ele, a Sibila de Cumas[xii]; Nossa
Senhora da Anunciação[xiii] e,
sobre ela, o Profeta Miqueias[xiv].
Em baixo, também da esquerda para a direita: Doador[xv]; São
João Baptista; São João Evangelista, Mulher do doador[xvi].
Retábulo de Gand (aberto)
Em cima, da esquerda para a direita: Adão; Caim e Abel
(sobre Adão); Anjos cantores; Virgem Maria; Cristo-Rei; São João Baptista; Anjos
músicos; Eva; Morte de Abel (sobre Eva).
Em baixo, também da esquerda para a direita: Os justos
Juízes; Os Cavaleiros de Cristo; A Adoração do Cordeiro Místico; Os Santos
Eremitas; Os Peregrinos.[xvii]
Adoração do Cordeiro Místico
A composição pictórica da Adoração do Cordeiro Místico
parece ser inspirada no Apocalipse de São João:
“Depois disto, vi uma multidão imensa,
que ninguém podia contar,
de todas as nações, tribos, povos e línguas.
Estavam de pé, diante do trono e na presença do Cordeiro,
vestidos com túnicas brancas e de palmas na mão.”
que ninguém podia contar,
de todas as nações, tribos, povos e línguas.
Estavam de pé, diante do trono e na presença do Cordeiro,
vestidos com túnicas brancas e de palmas na mão.”
[i] Identificar esta pintura foi, para mim, trabalho árduo
– ou seja, não conheço a Sé de Lisboa tão bem quanto devia - e, aliás, só
conseguido com o precioso auxílio de Rui Almeida, do Secretariado
Nacional para os Bens Culturais da Igreja a quem, penhoradamente, agradecemos.
Aos interessados, informa-se que este serviço da
Conferência Episcopal Portuguesa tem sede na Quinta do Cabeço, Porta D, 1885-076
Moscavide e os seguintes contactos: t. 218 855 481 | f. 218 855 461 | info@bensculturais.com, www.bensculturais.com / LOJA ONLINE / Página do Facebook
[ii] Web Gallery of Art http://www.wga.hu/frames-e.html?/bio/j/juanes/biograph.html, (consultado em 20-5-2014).
https://www.museodelprado.es/coleccion/galeria-on-line/galeria-on-line/obra/la-ultima-cena/
(consultado em 5-8-2014)
[iii] Rafael
Sanzio ou, apenas, Rafael, foi um pintor italiano que viveu entre 1483 e 1520 e
é, a par com Leonardo da Vinci e Miguel Ângelo, um dos grandes mestres da
chamada Alta Renascença.
[iv] Nimbo,
é círculo luminoso, auréola. No site do Museu do Prado (https://www.museodelprado.es) é
possível ampliar a imagem até se conseguir ler com nitidez o nome de cada
apóstolo, bem como apreciar, com grande pormenor, todos os aspectos do quadro.
[v] Para a
descrição do quadro socorremo-nos de https://www.museodelprado.es
(consultado em 5-8-2014).
[vi] Pode
ver, com grande pormenor, explicação das personagens (em inglês) e qualidade
gráfica, a reprodução da totalidade do Retábulo em Web Gallery of Art: http://www.wga.hu/index1.html,
(consultado em 20-5-2014).
[vii]
Cordeiro de Deus que tirais os pecados do Mundo, tende piedade de nós.
[viii] O
Anjo da Anunciação foi, como sabemos, o Arcanjo São Gabriel.
[ix]
Zacarias, um dos profetas menores, anunciou, repetidamente, a vinda do Messias.
[x] Este
quadro, Janela com Vista e o seguinte, Nicho com Lavatório, são meramente
funcionais servindo para completar o cenário da sala onde o Arcanjo Gabriel
anuncia à Virgem a sua maternidade. A continuidade das vigas do tecto,
transforma as molduras dos quatro quadros deste plano em molduras dos vidros de
uma larga janela através da qual podemos contemplar toda a cena da Anunciação.
[xi] As
sibilas eram figuras da mitologia greco-romana que se acreditavam terem poderes
proféticos. A sibila da Eritreia era tida como tendo anunciado a vinda de
Cristo).
[xii] Também
tida como anunciadora da vinda de Cristo.
[xiii]
Note-se sobre a sua cabeça, o Espírito Santo em forma de pomba.
[xiv] Um dos
doze profetas menores, também anunciador da vinda do Messias.
[xv] Vijd Jacodus.
[xvi] Lysbette Borluut.
[xvii]
Repare-se como, neste plano e quanto ao cenário, foi utilizada uma solução pictórica semelhante à que
vimos acima (ver Nota [x]), para a cena da Anunciação. Também aqui, os cinco quadros partilham diferentes partes da
mesma paisagem.
O Sr. Padre Fábio Bernardino teve a amabilidade de colocar na sua página do Facebook o seguinte comentário:
ResponderEliminar"Felicito o meu conterrâneo José Quitério, por mais um excelente post no seu Blog dedicado à nossa terra! Desta vez, partilhou um estudo sobre algumas pinturas de temática cristã, com as quais, meses atrás, acompanhei a divulgação, no Facebook, das minhas Ordenações e da Missa Nova. Desde já, lhe agradeço por tão profundo e generoso estudo, que me deixou surpreso e me enriqueceu pelo seu conteúdo detalhado sobre iconografia de minha eleição."
Obviamente satisfeito por o nosso trabalho lhe ter agradado, cumpre agradecer ao Pe Fábio a generosidade do comentário.