segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

A Chousa do Bruno e outros terrenos murados


O semanário Região de Cister, de 15 de Janeiro de 2015 publicitou a realização de uma escritura de usucapião cujo declarante, diz-se aí, reside na Rua Sousa do Bruno.
Trata-se de erro, como se percebe logo a seguir quando se declara que o objecto da escritura é um terreno rústico denominado Chousa do Bruno.

A chousa do Bruno, situa-se a nascente do IC2, no sopé da Serra dos Candeeiros, frente aos Casais de Santa Teresa e, é designação comum a vários prédios, de diferentes proprietários, dos Casais de Santa Teresa e da Ataíja de Cima e há-de ter sido, em outros tempos, uma propriedade de razoáveis dimensões, tão importante que deu nome ao sítio e, agora, também, à rua que, a partir do IC2, lhe dá acesso.

Quem seria o Bruno de quem era a chousa, isso, é-nos totalmente desconhecido.
Fiquemo-nos, então, pela chousa e deixemos o Bruno.

O que é uma chousa?

Informa o DPLP que, chousa é 1. [Antigo] Pomar; horta. 2. Pequena quinta com chousura e, do mesmo modo, também nos diz que, chousura é palavra antiga, com o significado de cerca ou tapume (que separa uma terra da outra).[i]
Chousa, chouso, chousal e chouseira e, ainda, choussa e chousseira, tudo é, diz-nos por sua vez José Pedro Machado[ii], fazendola, quintarola, rodeada de muro; pequena tapada. | Redil ou sebe que os pastores armam no campo, durante o verão, para ali recolherem o gado. | Tapada, cerrado.
Houaiss[iii], acrescenta, ainda, com idênticos significados, chousela e choussal.

Ou seja, chousa é um terreno vedado.

Para entender a importância de vedar os terrenos é preciso lembrarmo-nos de que a capacidade dos nossos antigos para cultivar era muito limitada, quer por não disporem de máquinas e instrumentos adequados, quer por a população ser escassa (ainda em meados do Séc. XIX, a população de Portugal era menos de metade da actual).
Daí, a maioria das terras estava, de facto, inculta e nela vagueavam, mais ou menos livremente, grande quantidade e variedade de animais, quer selvagens, designadamente lobos, raposas e texugos e animais domésticos ou domesticáveis sem dono (o chamado gado do vento), quer animais domésticos, fossem estes os pequenos rebanhos de cabras e ovelhas, que os locais mandavam a pastar a cargo dos filhos mais novos, ou varas de porcos, ou manadas de vacas, ou de cavalos que os senhores importantes faziam pastorear por onde lhes dava na real gana, sem o mínimo respeito pelos interesses dos camponeses.
Esses terrenos abertos tinham, assim, um alto valor económico quer como fonte de alimentação de quase todos os animais quer como local de abastecimento de madeira e de combustível (lenha), mato e caça, além obviamente de bagas e outros frutos silvestres, cogumelos e outras plantas comestíveis ou medicinais..

Para cultivar escolhiam-se, cuidadosamente, os terrenos que se espredegavam, utilizando-se a pedra assim obtida para construir as paredes com que se vedavam[iv]. Frequentemente, esses terrenos eram baixas ou pequenos vales integrando propriedades que se desenvolviam pelas encostas adjacentes[v], estas não cultivadas e destinadas a produzir mato, lenha, madeira para construção e alimento para cabras, ovelhas e outros animais domésticos. Nestes casos, tudo era devidamente murado, às vezes, duplamente murado, construindo-se paredes que separavam a parte cultivada da parte inculta com o objectivo de pastorear animais, sem correr o risco de eles invadirem as culturas.
  

Chousa é, no entanto, palavra de difícil pronunciação pelo que as gentes da Ataíja passaram a dizer soija e uma infinidade de variantes que vão do masculino soijo (que, na minha percepção, era soija pequena) a, diminutivos vários como soijinha e soijinho ou, de preferência, soijica e soijico que, na minha terra, o sufixo diminutivo é ico.

Mas, chousa e as suas variantes pareceram insuficientes para caracterizar devidamente os terrenos murados, pelo que temos, ainda, a cerrada e o cerrado, a cerradinha e a tapada.


Alguns topónimos locais relativos a terrenos murados:

Cerrada - (fechada). No linguajar local, dita a Sarrada. A Cerrada era uma das maiores propriedades da Ataíja, na ponta da aldeia, a caminho Lagoa Ruiva e do lagar dos Frades. Encontra-se, actualmente, partilhada entre vários proprietários. Foi antes de Maria “Botas” e de seu marido Luis de Horta e do irmão dela, Manuel “Botas”, cujas fracas cabeças os levaram a perder esta e outras propriedades e a acabar, o casal no Asilo da Mendicidade de Lisboa (em Alcobaça) e ao irmão, como pastor, em casa de Francisca “Crispa”, da Ataíja de Baixo, situações em que, aos três, ainda os conheci.
Ilustrando o pouco juízo que os levou à ruína, contava a minha avó que, não havendo, por desleixo, nada que comer lá em casa teria, um deles, proposto: Mata-se o galo! Ao que o outro logo acrescentou: E vou à taberna buscar 5 litros!
Cerradinha – (dita Sarradinha). Cerrada pequena.
Cerrado – (dito Sarrado). O meu avô José Agostinho da Graça era proprietário de um Cerrado, na Rua dos Arneiros (com acesso, também, pela rua do Martins), uma propriedade de dimensão notável para a aldeia, talvez apenas comparável à Cerrada. Esta propriedade foi a criação de uma vida e construiu-se a partir da junção, por aquisições sucessivas, de diversas propriedades confinantes, incluindo parte do olival do Brilhante (de José Maria dos Santos Brilhante, de Aljubarrota). Era uma propriedade completa para uma economia baseada na agricultura de subsistência (embora de dimensões insuficientes para o sustento da família), porquanto tinha áreas de olival e de vinha e terreno aberto para culturas diversas, incluindo uma chã muito propícia ao cultivo do milho (e, o pão que se comia era pão de milho). Dispunha, ainda, de árvores de fruto diversas, incluindo figueiras, nogueiras (os figos eram alimento privilegiado para o porco doméstico e, quando passados e tal como as nozes, constituíam um complemento alimentar, fortemente calórico, indispensável no Inverno), macieiras e ameixieiras de várias qualidades (algumas variedades de ameixas também se secavam, assim como uvas e maçãs).
Soija da Lagoa - Nome de diversas soijas situadas nos arredores da Lagoa Ruiva.
Soija de Baixo – Assim chamamos, na família, a uma soija sita na Rua dos Arneiros, frente ao antigo restaurante Rapótacho.
Soija do Bruno A soija que originou este texto. Fica situada frente aos Casais de Santa Teresa, a nascente do IC2, onde agora, uns duzentos metros a norte do entroncamento com o IC9, começa uma rua chamada, precisamente, Rua Chousa do Bruno.
Soijica - Soijinha. É comum na Ataíja utilizar-se o sufixo ico, por inho.
Soijinha - Diminutivo de Soija. É uma soija pequena, a família pode designá-la assim apenas porque tem uma outra soija maior. Existem várias. À maneira ataijense são, frequentemente ditas "soijica". Também se usa no masculino (soijo, soijico)
Tapada - Na zona existem ou existiram várias tapadas. A que mais me impressionava em pequeno era uma, ao tempo propriedade de Augusto Ribeiro, situada já em plena encosta da serra. Era um triângulo cultivado, que se destacava na paisagem árida sendo claramente visível de qualquer ponto da aldeia. Ficava ali, isolada, acima dos olivais, no meio dos baldios de alecrim, ao cimo da Serventia, limitada a nascente pelo chamado Caminho do Guarda, a norte do Cruzeiro que assinala o local até onde se desloca a procissão de Nossa Senhora da Graça, no dia 2 de Fevereiro para, daí, o Padre abençoar os olivais.
Encontra-se, actualmente, plantada de eucaliptos
Mais para sul, à distância de uns trezentos metros e à mesma cota, no topo do Olival dos Frades, continuam bem visíveis os fortes muros da Tapada do Mosteiro onde, contava a minha avó, os frades plantaram laranjeiras (e, consta, aqui há uns anos atrás, alguém plantou uns pés de cannabis).


Muitas vezes, a chousa era total e permanentemente fechada pelo muro de pedra que a protegia, sem, sequer, um porto de passagem e só havia uma maneira de lá entrar: Passando-se sobre o muro. Pelo saltadoiro, claro. Mas, disso havemos de falar numa próxima oportunidade.


NOTA: Este texto é um esboço.
Gostaria de o poder desenvolver, como contributo para um dicionário topográfico e toponímico da Ataíja de Cima, com melhor identificação e localização dos diversos terrenos da zona da Ataíja de Cima que, quer nas descrições matriciais e registrais quer, apenas, na tradição familiar dos proprietários, são designados, por soija, soijo, soijinha, soijinho, soijica ou soijico e, bem assim, cerrada, cerrado, cerradinha, tapada ou nomes similares.
Ficarei muito grato aos leitores que puderem ajudar-me com qualquer informação.


(a Rua da Chousa do Bruno no Bing Maps)




[i] "chousa", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/chousa [consultado em 29-01-2015]. "chousura", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/chousura [consultado em 29-01-2015].
[ii] José Pedro Machado, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Círculo de Leitores, Lisboa, 1991.
[iii] Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Círculo de Leitores, Lisboa, 2002
[iv] Veja-se, neste blog, (http://ataijadecima.blogspot.pt/2011/05/um-testamento-de-1822.html), o testamento, de Micaela dos Santos, celebrado no ano de 1822 e no qual se identifica uma Terra de Pam e pouzio tapada sobre si no Sítio da Figueirinha. O mais forte elemento identificativo do terreno em causa é o facto de ser “tapada sobre si” quer dizer, ser uma soija o que, por outro lado, implica que os demais terrenos no local não eram tapados (sob pena de inutilidade da descrição)
[v] As matrizes e as escrituras antigas, estão cheias de descrições que começam por expressões do tipo: “uma terra de cultivo (ou uma terra de pão), com sua testeira de mato” 

2 comentários:

  1. Bom dia Sr. José Quitério.

    Estive agora a ler o seu blog, que aliás sigo com alguma assiduidade, e deparei-me com a sua observação a um suposto erro na indicação na rua da morada do senhor que outorgou a escritura de justificação, da qual consta um extracto no jornal que refere.

    De facto, a rua que é indicada é a que consta da morada fiscal do justificante, sendo essa que o cartório, no qual trabalho, tem de indicar na escritura.

    Se, de facto, existe erro, esse erro é do Serviço de Finanças.

    Grata pela sua atenção.

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  2. Olá Mónica! Obrigado pelo seu comentário.
    Quanto ao erro, sendo evidente, só o refiro como pretexto para a introdução ao tema.
    E, percebo - e gosto - o que diz em defesa do Cartório onde trabalha.
    Em rigor, o erro é do justificante que - à portuguesa - deixa andar e não promove a devida correcção (no que, por outro lado, tem razão porque o custo superaria, em muito, o benefício tangível).
    As escrituras, os registos, as matrizes estão cheias de erros - milhões de erros - mas, são o que conta.
    Estamos no maravilhoso reino da burocracia e, como ouvi uma vez ao Prof. Élio Beltrão;
    A burocracia é a prevalência do documento sobre o facto.
    Mais uma vez, obrigado.
    É bom saber que somos lidos.

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