Saber de onde vem o nome de um sítio, o que significa, quem, ou quando,
ou porquê o atribuiu são, evidentemente, preciosas informações que nos podem
elucidar sobre uma infinidade de factos e ajudar a compreender a história ou a
formular sobre ela conjecturas coerentes.
Ora, como bem diz Frei Fortunato de São Boaventura, tal como é citado por
Eduardo Marrecas Ferreira na sua interessante, única e esquecida monografia
“Aljubarrota - Pequena Monografia”, impressa em Lisboa, nas “Oficinas
Fernandes”, Rua da Cruz dos Poiais, 103, MCMXXXI:
“… não há um só ermo ou baldio nestes Reinos, a que os povos não tenham dado algum nome…”.
E, sendo certo que os nomes servem para distinguir as pessoas e as coisas
umas das outras e, por isso, convém serem diferentes, natural é que alguns
desses ermos, baldios ou qualquer espécie de sítio, – que tantos são -, tenham
sido baptizados com nomes menos óbvios.
Daí resulta que, em muitos casos, descobrir a razão ou o significado do
nome de um lugar se torna um verdadeiro bicho-de-sete-cabeças que são coisa tão
complicada e difícil de resolver que o próprio Hércules precisou da ajuda do
sobrinho para vencer a Hidra de Lerna.
Hoje, falaremos aqui de um bestiário local ataíjense: bichos, não de sete
cabeças mas nomes de bichos (ou, melhor, nomes que parecem nomes de bichos) a designar sítios.
Leitoas.
Na margem do IC2, entre este e o sopé da serra e a Ataíja de Cima e os
Casais de Santa Teresa, bem perto e a sul da Chousa do Bruno de que falamos no
post anterior, existe um terreno conhecido pelo muito curioso nome de Leitoas
(leitôas).
Leitoa é o feminino de leitão e, ambos, são bácoros, porcos pequenos que
mamam e, isso não parece ser nome que se dê a um terreno.
O DPLP (disponível online in http://www.priberam.pt/dlpo/Default.aspx) diz no entanto que, andar
“em leitão” significa andar nú, em pêlo. Assim leitoa significaria, neste
sentido, andar nua. Também, não parece lógico.
O grande arabista e filólogo
que foi o Dr. José Pedro Machado diz, por sua vez, no seu Grande Dicionário da Língua
Portuguesa que leitoa é uma variedade de pera.
E, António Houaiss, no seu
Dicionário Houaiss da Lingua Portuguesa explica que, em linguagem informal, leitoa
é qualquer abóbora.
Teríamos, assim, duas hipóteses para a origem deste topónimo: Ou se
tratava de terreno especialmente propício para a cultura de abóboras ou, nele,
terão existido pereiras leitoas, árvores essas que teriam de ser tão raras por
aqui que a sua simples menção identificaria suficientemente o local onde se
encontravam.
Tubaroas
Este estranho nome de tubaroas (tubarôas), tibaroas (tibarôas) ou
tubarões (tubaroens) encontrámo-lo em
escrituras do Séc. XIX e início do Séc. XX, nestas três diferentes grafias, a
identificar um terreno parcelas de cultivo, vinha e mato num sítio junto ao
caminho da ponte, perto das Rossanas e do Vale Cordeiro. Terreno esse que, julgo eu, está hoje em dia totalmente integrado nas pedreiras que aí existem.
Não temos, obviamente, a certeza sobre o que terá originado um tal
baptismo para este sítio mas, túberas são trufas, cogumelos subterrâneos.
Eu, não sei nada sobre cogumelos em geral nem, muito menos, sobre trufas em particular. Então, o melhor é dar-vos o link para o artigo Trufas da Wikipédia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Trufa, onde se fala das trufas francesas e outras que chegam a valer milhares de dólares por quilo e, um outro link, para um texto onde se fala sobre as trufas portuguesas, as túberas: http://trufa.planetaclix.pt/Tudb.htm.
Leiam estes textos e verão que faz todo o sentido.
De facto, o Vale Cordeiro e as Tubaroas eram, ainda há poucas décadas, pequenos terrenos de cultivo abertos entre grandes pedras e com suas testeiras de mato onde sempre havia um carvalho e, sob as copas desses carvalhos, em chão húmido, coberto de ervas sobre o tapete de folhas em decomposição, nasciam, no tempo próprio, cogumelos.
Eu próprio me lembro de andar nesses terrenos acompanhando um apanhador de cogumelos. Não me lembro de, jamais, ter visto ou ouvido falar em túberas.
Mas, lá que faz sentido que um lugar onde nascem túberas se chame tuberoas, isso faz. E, que tuberoas se tenham transformado, com o tempo, em tubaroas, tibaroas e, até, tubarões, também faz todo o sentido.
Eu próprio me lembro de andar nesses terrenos acompanhando um apanhador de cogumelos. Não me lembro de, jamais, ter visto ou ouvido falar em túberas.
Mas, lá que faz sentido que um lugar onde nascem túberas se chame tuberoas, isso faz. E, que tuberoas se tenham transformado, com o tempo, em tubaroas, tibaroas e, até, tubarões, também faz todo o sentido.
Ratinha
Na margem esquerda da Ribeira do Mogo, com o
principal acesso, a fazer-se a partir da Rua dos Arneiros, pela Rua das Covas.
A nossa família possui aí, a meia encosta,
um terreno com algumas características interessantes, partilhadas, aliás, com
os terrenos confinantes: o terreno, de mato, muito pedregoso, desenvolve-se em
torno de uma linha de água, orientada nascente-poente, que vai até à Ribeira do
Mogo. No tempo dos meus avós, o estreito vale era cultivado e, ainda há poucos
anos, aí subsistiam oliveiras e figueiras.
O nome Ratinha é comum às diversas
propriedades no sítio e, no Séc. XIX, parece ter servido para designar toda
aquela zona, incluindo a várzea que se desenvolve no fundo do vale da ribeira
do Mogo, como se vê de uma escritura de 1890 que teve por objecto a compra e
venda de “uma vinha e mata no sítio da Várzea da Ratinha que
confronta a Norte com José Carvalho e Visconde de Costa Veiga, Sul com José de
Horta, Nascente com caminho e Poente com regueira”.
Que significado terá este nome de sítio?
Rato pequeno fêmea não é, com certeza, apesar de que, por lá haverá
muitos ratos do campo. Nem parece que se trate de referência àqueles emigrantes
internos que, sazonalmente, desciam das Beiras a trabalhar nos campos do
Alentejo.
Dos muitos significados que os dicionários atribuem às palavras ratinho e
ratinha há, no entanto, dois que talvez mereçam, para este caso, a nossa
atenção:
O DPLP diz que existe um peixe de esqueleto cartilaginoso, semelhante à
raia que é conhecido por ratinho, ratão, rato, uja, uje, usga e urze. Por sua
vez, urze seria, segundo José Pedro Machado, não ratinha mas ratona, enquanto
ratinho seria um outro ou outros peixes, designadamente, o peixe-agulha.
Confuso?
Certo é que urze é também o nome de um arbusto de folha miúda e flores em
cacho, semelhante ao alecrim que é vulgar em todos os matos da Ataíja e também
nos da Ratinha.
Teríamos, assim, um peixe com nome de arbusto e um arbusto que, por
vulgar no sítio, o baptizou.
Talvez sim mas, eu prefiro outra hipótese:
Ratinhar é, segundo José Pedro Machado (e o Houaiss concorda), regatear,
economizar com avareza, dar com mesquinhez e, por isso, ratinho ou ratinha, há-de
ser uma pessoa mesquinha e avarenta.
E, temos, assim, uma boa solução para o nosso problema e, em qualquer
caso, material para inventar uma boa história:
Naquele tempo, os matos incultos eram terrenos preciosos. Aí se levavam
os rebanhos a pastar e se cortava o mato para servir de cama aos animais e de
tapete aos caminhos e se transformar em estrume, para adubar as terras de
cultivo. Aí se encontrava a lenha para a fogueira da cozinha e do aquecimento e
a madeira indispensável para a feitura de inúmeros objectos e instrumentos e
para a construção das casas.
Naquele tempo, dizíamos, todos estes terrenos estavam aforados pelos
frades a um velho rabugento, feio e invejoso, mesquinho e avarento que, diariamente,
policiava aquelas terras que não explorava (vivia dos juros de empréstimos
usurários - tinha uma arca ferrada, uma burra, cheia de dinheiro), impedindo os
camponeses de lá pôr sequer um pé, sob pena de os perseguir nas justiças de
Aljubarrota e do Abade, até lograr encerrá-los nas masmorras da vila de onde só
saíam a troco de pesadas multas.
Por isso, eram as terras do avarento conhecidas por, as do ratinho, a
ratinha.
Mais sítios com nomes de bichos, por aqui, só me ocorrem o Olival da
Burra, onde já não há burra e que já não é olival e está feito um bairro de casas e o Vale Cordeiro que, agora, é um gigantesco buraco de onde têm saído muitos
milhares de toneladas de Vidraço de Ataíja.
E pronto.
Havemos, a seu tempo, de voltar a estas curiosidades da microtoponímia talvez, para os mais gulosos, falando do sítio dos Caramelos que, como sabemos,
fica ali naquela ladeira que desce para a Regueira, quando vamos a caminho de
Aljubarrota.
É tudo menos óbvio um tal nome.
Que diacho pode aquela ladeira ter a ver com rebuçados feitos de calda de
açúcar queimado?
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NOTA: Na linha do apelo que, no último
post, fiz aos leitores ataijenses:
Gostaria de
poder desenvolver estes textos, como contributo para um dicionário topográfico
e toponímico da Ataíja de Cima, com melhor identificação e localização dos
diversos terrenos da zona da Ataíja de Cima, quer nas designações que lhes dão
as descrições matriciais e registrais quer, apenas, na tradição familiar dos
proprietários.
Ficarei muito
grato aos leitores que puderem ajudar-me com qualquer informação
(email:
jose.quiterio@sapo.pt).
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