quarta-feira, 19 de abril de 2017

As Tapadas - património cisterciense esquecido




Nas Tapadas, os frades plantaram laranjeiras, dizia a minha avó.

Fig. 1


Vistas da Ataíja, são três longas linhas de pedra (agora quase ocultas no matagal), correndo a serra na horizontal, como traços de giz num quadro negro, servindo de remate ao olival do Santíssimo, ali, na parte inferior da encosta, à cota dos 250m, a partir de onde o solo se inclina demasiado para permitir qualquer cultivo.

Fig. 2
Perfil da Serra dos Candeeiros na zona do Olival dos Frades da Ataíja de Cima
(elaboração própria com base em Mapbox e OpenStreetMap):


Nessa transição de declives, por um momento, o solo é menos inclinado do que ao redor. Por isso havia quem, em vez de Tapadas, chamasse ao lugar as Covadas.

Nos anos de 1950 e 1960, o Ti José Ribeiro ainda cultivava a sua parte das Tapadas. Entretanto, as coisas mudaram e hoje o mar de oliveiras que bordejava todo o poente da Serra dos Candeeiros foi substituído, quase totalmente, por pinheiros e eucaliptos e, nas margens do IC2, por uma fila quase contínua de fábricas, oficinas, restaurantes e armazéns diversos. As Tapadas, essas, já quase se não veem, seja cá de longe, seja mesmo lá ao pé, submersas que estão em matos e silvas e moitas e em carrasqueiras impenetráveis, bem mais altas que um homem.

Numa visita recente foi, apesar de tudo, possível perceber o essencial da estrutura, como se mostra no esboço de planta do conjunto, tal como o pudemos observar (elaboração própria com base em Google Maps e observação no local):
Fig. 3


 
O muro interrompido que se vê à direita no desenho não faz parte da estrutura. Antes, indica o limite a montante da propriedade e serve de suporte a um carreiro conhecido por o caminho do guarda.
À esquerda do desenho, a jusante da estrutura, veem-se um pedaço de parede, com argamassa de barro (Fig. 4), incluindo o cunhal (Fig. 5) e um pedaço de muro, de construção idêntica (Fig. 6), correndo de montante para jusante (ESE/ONO) e aparentemente sem ligação com o anterior. Entre ambos, uma ligeira elevação do terreno revela-se uma escombreira onde são visíveis pequenos pedaços de telha de canudo (Fig. 7) e, muito perto, debaixo de uma carrasqueira (Fig. 8), mais restos de um muro, de características e orientação semelhantes ao antes referido.










As Tapadas ocupam uma extensa área, de mais de 2 hectares, e têm um comprimento de cerca de 360 metros. Os três muros longitudinais, são sensivelmente paralelos e afastados entre si de cerca de 30 metros. A estrutura fecha-se nos topos por muros cujas características não pudemos confirmar devido às dificuldades de acesso.
Em posição relativa que também não pudemos confirmar, pelo menos o espaço entre os muros médio e superior é interiormente seccionado por, pelo menos, um muro secundário. Na parte do muro superior que visitámos, observamos, ainda, a existência de duas aberturas, uma das quais se mostra, parcialmente, na foto abaixo.
Fig. 9


Os três muros principais, têm perfis diferentes, como se evidencia nos desenhos abaixo (elaboração própria).
Fig. 10


O muro de montante é o mais forte, com uma largura no topo (na zona que visitámos), variando entre 190 e 220 cm, a que acresce um socalco de 70 cm de largura e, considerando que, de jusante, a parede apresenta uma inclinação de cerca de 15%, a largura total na base atingirá os 330 cm.
Não foi medida a altura pelo exterior do recinto. Pelo interior foram medidos 200 cm até ao socalco e, daí 130 cm até ao topo, num total de 330 cm.
O muro intermédio é mais estreito, com uma largura de 120 cm no topo, a que acrescem dois socalcos de 40cm cada, numa total de 200 cm. Ambas as faces são verticais. De montante mediu-se a altura de 200 cm e de jusante 150 cm até ao primeiro socalco, mais 80 cm até ao segundo socalco e outros 80 centímetros até ao topo, somando a altura total de 310 cm.
O terceiro muro, que fecha o conjunto a jusante, é o de dimensões e formas mais simples, sendo constituído por uma parede com 120 cm de largura e uma altura, idêntica em ambas as faces, de cerca de 200 cm.


Vista do muro superior, com o seu socalco:
Fig. 11



Muro intermédio com os seus socalcos
Fig. 12



Muro Inferior
Fig. 13
Muro inferior

No topo e fazendo parte da propriedade a que os frades chamaram olival do Santíssimo e por aqui era conhecido como Olival dos Frades, o qual vindo desde o caminho dos Arneiros, numa extensão de cerca de 2400 metros era, no início do Séc. XIX, com os seus cerca de 100 hectares e mais de 18.000 pés de oliveira, o maior olival da região, as Tapadas ainda hoje não passam despercebidas a um olhar atento que se lance sobre a serra, a partir da Ataíja, do Cadoiço, ou de Aljubarrota e seus arredores.

Trata-se, sem qualquer espécie de duvida de uma construção fradesca.

Apesar disso e do muito que tenho lido a propósito dos monges cistercienses de Alcobaça, nunca vi, que me lembre, qualquer referência escrita a esta estrutura monumental.

Da tradição popular, apenas se retém localmente essa ideia de que nas Tapadas os frades plantavam laranjeiras. E, está bem vivo quem, há mais de 50 anos lá andou a lavrar com os bois do ti Zé Ribeiro que ali terá semeado batatas. Nesse tempo, havia por lá uma figueira, mas não havia vestígios de laranjeiras.

Verdade é que o volume de pedra usado na construção dos 3 muros principais, ultrapassa largamente os 5.500 m3 a que há que acrescentar o volume dos muros transversais, de fecho e de divisão, cujo volume não conseguimos estimar. Um tal volume de construção e, ainda, o que parece ter sido um edifício anexo, implicou, necessariamente, uma gigantesca quantidade de trabalho e dinheiro, num investimento que, certamente, se esperava recuperar a prazo.

Não me parece credível que um pomar de laranjeiras pudesse, por si só, garantir um adequado retorno financeiro e, por outro lado, só uma total ausência de terrenos igualmente aptos à cultura justificaria o virem plantar-se em local tão difícil e de tão onerosa preparação, pelo que se nos afigura que as laranjas que a tradição popular recorda, não terão sido a razão principal, muito menos a única, que levou à construção das Tapadas.

Subsistem, assim, vários mistérios em torno desta construção:

- Quando e com que objectivos terá sido construída?
- Qual a razão porque é sistematicamente ignorada nos estudos sobre a actividade agrícola dos monges cistercienses de Alcobaça?

7 comentários:

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  3. Amigo Quitério, essa lenda das laranjeiras ainda faz recochete na minha memória. Sobretudo veiculada pela minha mãe, que provavelmente a transmitia de meu avô José Ribeiro. Certo é que desde a mais tenra infância estou familiarizado com as imponentes estruturas das Tapadas dado que uma parte delas ainda está na posse da família. O nosso quinhão do Olival do Santíssimo, mais conhecido como Olival dos Frades, ficou para o saudoso meu irmão António. Lembro-me sobretudo da apanha da azeitona, onde eu e ele, furtávamos azeitonas dos sacos das mulheres e homens que o meu pai Manuel Augusto contratava sazonalmente, para cumprirmos as tarefas por ele determinadas: "só podem sair daqui para o lagar quando encherem um saco de azeitona, chova ou faça sol", ditava ele. Missão cumprida, íamos para o lagar assar bacalhau na brasa, e batatas na cinza, que todos comiam com regalo. Bem hajas pelo trabalho admirável que levas a cabo para que essas estruturas não caiam no esquecimento.

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    1. A lenda das laranjeiras talvez não seja exactamente lenda. Talvez seja mesmo verdade.

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  4. Bom dia meu caro. Sou proprietário do lote mais a sul. Mesmo no final destes muros. Eu contei pelo menos 6 muros horizontais. Embora já tudo muito destruído também encontrei umas ruínas. Na minha parte acredito que fosse impossível cultuvar pois tamanha é a quantidade de pedra e no vejo terra aravel. Encontro sim oliveiras ou o que sobra de oliveiras antigas e os seus espaçamentos. Honestamente também gostaria de saber o porquê e qual a utilidade desta gigantesca obra.

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  5. Saudações meu caro. Queria-lhe deixar uma nota, visto que não o consigo contactar por email.
    Em minha opinião, e passados 3 anos de observação, posso considerar que o Olival do Santíssimo era composto por árvores "melhoradas". Digo isto porque, os ataques da mosca e da gafa pouco ou nada se fizeram sentir na azeitona. A azeitona está sã, quase a 100%. Isto sem o auxilio de produtos fitofarmacos. Mesmo assim coloquei a possibilidade de se tratar da localização geográfica e plantei uns bons rebentos em outras propriedades de forma a tirar as duvidas.

    Um grande abraço.

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  6. Obrigado pelo seu comentário. Julgo que não haverá qualquer dificuldade em contactar-me por email, que é: jose.quiterio@sapo.pt.
    Cumprimentos.

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