sexta-feira, 18 de outubro de 2019

O Caminho do Forno e o Caminho do Barreirão



Um destes dias reparei numa placa, recentemente colocada no caminho que, a poente do campo de futebol, no início da Rua do Martins, segue para sul e ao qual a tal placa chama de Rua dos Barreiros.
Já há uns tempos que andava para falar desta rua porque, a 250 metros do seu início, quando atravessa o terreno que no meu tempo era conhecido por “Olival do Sá” ou “Olival do Couto”, se encontra o caminho “cortado”, numa distância de cerca de 50 metros, por um inusitado prolongamento do chão de uma oficina de transformação de pedra cujo pavimento se prolonga para poente criando um grande parque que ocupa o caminho e continua, de novo na propriedade privada da tal oficina, como se, tudo, propriedade privada fosse.

Não está (ainda não está?) o caminho fechado pelo que se pode subir do nível mais baixo a que normalmente se desenvolve, atravessar o dito “parque” e descer de novo para o nível do caminho continuando, então, até à Ataíja de Baixo, como secularmente se pode fazer.

Vejo agora que os nossos autarcas e todos aqueles que têm por dever zelar pelo interesse público (e, somos todos) não contentes em ficarem impávidos e serenos perante o que acima se descreve, resolveram chamar o dito caminho de Rua dos Barreiros.

Já antes aconteceu, num caminho paralelo, uma situação idêntica: 
Às tantas, a ignorância autárquica resolveu chamar Rua do Lagar à rua que, do lado da serra, bordeja o campo de futebol e o Largo do Cabouqueiro.

É certo que, pelo menos desde os finais do século XIX, lá existe um lagar, onde o Pedro Vigário continua a fazer azeite como já ali o fizeram o seu pai, o seu avô e o seu bisavô.
É certo que encostado a este houve um outro lagar, de que ainda se vislumbram ruínas. Mas esse teve vida mais curta: nasceu de umas partilhas e de umas partilhas morreu.
Seja como for, o dito caminho nunca se chamou caminho do lagar, nem tinha, agora, que se chamar Rua do Lagar. Antes, sempre (ou, pelo menos, durante uns duzentos e cinquenta anos) se chamou caminho do Forno.

Caminho do Forno porque à sua beira, onde agora são as traseiras da fábrica da MVC – Mármores de Alcobaça, Lda, existia um forno de cal que foi, certamente, propriedade dos frades de Alcobaça e terá servido para fabricar a cal indispensável à grande obra de construção do lagar a cujas ruínas hoje chamamos Casa do Monge Lagareiro. Os mais velhos dos ataijenses ainda se lembrarão das ruínas desse forno que, aliás, só há algumas décadas desapareceram de vez.

Veja-se a escritura de compra e venda, celebrada em Alcobaça, no Cartório do Notário Próspero Eugénio Carreira, no dia 28 de Janeiro de 1944, sendo vendedores Raul Ferreira da Bernarda e mulher Mariana Coelho, de Alcobaça e comprador José Ribeiro, da Ataíja de Cima:

Um olival denominado Olival do Santíssimo, confronta a Norte com Basílio Pereira Clemente, herdeiros de José Pereira Clemente, Francisco Vigário, herdeiros de Francisco Malhó e outros, Sul com José Fonseca Júnior, Nascente com Serra e Poente com caminho da Ataíja e herdeiros de José Pereira da Conceição. É uma quarta parte do olival dos frades. Parte desanexada e vendida: sete desasseis avos (desta quarta parte). A parte vendida é olival e confronta a Norte com Basílio Pereira Clemente, Sul com José Fonseca Júnior, Nascente com Serra e Poente com caminho do Forno.

Quase paralelo ao caminho do Forno, desenvolve-se o tal caminho a que agora chamaram Rua dos Barreiros. 
Mais uma vez, falou o desconhecimento.
Este caminho sempre foi chamado de caminho do Barreirão e, portanto, o seu nome devia ser Rua do Barreirão.

E, porquê caminho do barreirão? Porque, um barreiro, dizem-nos os dicionários, é uma lagoa pequena, (mas quando eu era miúdo, qualquer poça era um barreiro). Barreirão era e é, naturalmente, um barreiro grande.
Numa terra onde a escassez de água sempre condicionou a vida, todas as formações, naturais ou não, capazes de reter, ainda que temporariamente, qualquer quantidade, por pequena que fosse, do precioso líquido eram conhecidas e reconhecidas. Daí, que haja pias e piões, covas e covões, barrocos e barrocões, barreiros e barreirões, lagoinhas e lagoas.

Ali, onde estão as ruinas da Casa do Monge Lagareiro e em toda uma extensão paralela ao actual IC2, onde se situam as cotas de nível mais baixas e, portanto, para onde todas as águas tendem a escorrer, situava-se a grande Lagoa Ruiva, a maior lagoa que havia muitos quilómetros em redor e, naturalmente, outras lagoas e vários barreirões. Percebe-se para quê vendo, por exemplo, o Mapa elaborado em finais do seculo XVIII para a construção da estrada de Rio Maior a Leiria[i], a chamada Estrada de D. Maria, cujo traçado é, no geral, ainda bastante reconhecível. No troço desse mapa relativo à zona da Ataíja são, para o lado dos Casais de Santa Teresa, identificadas três lagoas com os respectivos lagares e, entre a Lagoa Ruiva e a Venda da Laranja, (ficava entre os Covões e Nossa Senhora da Piedade), são referidos mais três lagares, cada um deles carecendo de ter por perto a sua lagoa ou o seu barreirão (como exemplo de barreirões junto a lagares de azeite veja-se o caso dos Molianos onde, junto ao Lagar do Barreirão que actualmente serve de sede ao Rancho Folclórico, a Junta de Freguesia de Évora acaba de requalificar a lagoa, ou barreirão).

Veja-se esta escritura celebrada em 30 de Outubro de 1939, em Alcobaça, no cartório da Notária Tetralda Botelho Teixeira de Lemos, pela qual o Capitão Silva Mendes, uma célebre figura regional de que já falamos neste blog, comprou a Manuel Ângelo da Silva (que tinha herdado do seu pai Matias Ângelo um quarto do olival dos frades):

1/8 do Olival dos Frades, nesta parte confrontando de norte com Basílio Pereira Clemente e herdeiros de José Pereira Clemente, Sul José da Fonseca, Nascente Serra e Poente caminho do Barreirão


Eis, assim, três coisas mal feitas.
Todas ainda têm emenda.





[i] V. Azevedo, Ricardo Charters, A ESTRADA de Rio Maior a Leiria em 1791, Textiverso, Leiria, 2011

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