Na arca da minha
tia-avó Maria Marreca guardaram-se durante largas décadas três
documentos preciosos. Primeiro, um livro
de que já aqui dei conta e que, recolhido após o falecimento da Marreca, se
encontra actualmente na posse de uma sobrinha bisneta. A ele me refiro no post
publicado em 8 de Outubro de 2018, Um Livro do Séc. XVIII na Ataíja de Cima.
Segundo, o Alvará de Nomeação do Cabo de Polícia Joaquim da Graça, de que falei
recentemente no post O Cabo de Ordens, publicado em 7 de Janeiro de
2025.
Do terceiro
documento falaremos agora.
A mesma mão amiga
que me fez chegar o Alvará de Nomeação do Cabo de Polícia Joaquim da Graça, levou-me,
também, a duas cópias de uma mesma fotografia no verso de uma das quais alguém, em anos recentes, escreveu: “Pai
do Mariola … e, em letra diferente e escrito com esferográfica diferente, 1º Cabo de Ordens da Freguesia”.
Estas fotos são os mais maltratados dos documentos que a Marreca
guardou e, por não terem sido vistas pelos herdeiros ou por não lhes ter
interessado, ficaram elas no fundo da velha arca ainda por larguíssimos anos depois
do falecimento da guardiã.
Esse abandono será a causa do lamentável estado em que se encontram.
Trata-se do
retrato de um homem ainda jovem, bem penteado e bem barbeado, de camisa branca, gravata de
riscas oblíquas e casaco escuro, talvez preto, em papel fotográfico recortado
numa oval de 3x8 cm, colado sobre um cartão onde se vislumbra uma moldura
prensada em tracejado e, numa das cópias, a que, aliás, se encontra em pior
estado geral por, designadamente ter sido dobrada com a consequente quebra da
foto e do cartão de suporte, consegue-se vislumbrar vestígios de palavras que
identificam o fotógrafo.
Perante o estado
em que se encontravam, levei as fotos a uma empresa especializada (LUPA – Luís Pavão,
Lda), para limpeza. Apesar dos esforços da técnica, os resultados foram fracos
devido ao facto de a sujidade, sujeita a humidades, se ter entranhado e
danificado irreversivelmente os suportes.
Digitalizada e
muito ampliada a foto, foi possível ler a legenda: Foto Veneza, Rua D. Pedro V,
Alcobaça.
Ora, consultando
o livro Cem Anos de Comércio em Alcobaça, de Jorge Pereira de Sampaio e
Luís Afonso Peres Pereira, vemos que, conforme ao tempo foi anunciado no semanário local Semana Alcobacense, a Foto Veneza, de R. Lima Pereira, na Rua
D. Pedro V, em Alcobaça, foi inaugurada em 7 de Novembro de 1920.
O meu bisavô
Joaquim da Graça nasceu em 1853 e foi pai de, pelo menos, 10 filhos um dos
quais o Mariola. Não sei a data do seu falecimento mas, se era vivo e
julgo que era, em 1920 teria 67 anos.
Não é, assim, o
homem da foto.
O fotografado também
não é o seu filho Joaquim, que foi Cabo de Ordens (cabo de Polícia) em 1906, que esse, se fosse vivo, contaria em 1920 trinta e três ou trinta e cinco anos de idade mas, como a minha avó me contava, faleceu na tropa, ou seja, faleceu em
1906 ou pouco depois (ver, sobre este assunto, o post O Cabo de Ordens).
Quem será então o
homem retratado e o que justificou que a Marreca tivesse guardado a sua
fotografia por toda a vida?
Era, certamente,
um dos seus irmãos mas não o Manuel Mariola porque esse, nascido em 1908, tinha em 1920 apenas 12 anos. Nem o João, de alcunha Redondo, que esse casou na Ataíja e, se
tivesse “tirado o retrato”, o que duvido, tê-lo-ia levado para sua casa,
aliás, do outro lado da rua. Nem o António, também Redondo, que tinha 17 anos em 1920, embora a
fotografia possa ser de alguns anos mais tarde. É que o António casou e apesar de ter começado a fazer casa na Ataíja (1), foi viver para os Milagres, terra da sua mulher e aí ficou toda a vida e teve descendência. Se a foto fosse dele tê-la-ia, certamente, levado
consigo para os Milagres.
Assim, ou muito
me engano ou o fotografado é um outro meu tio-avô, o outro irmão homem da tia Marreca,
de seu nome Joaquim, nascido 1891 e que por
isso tinha em 1920 vinte e nove anos de idade e em data que ainda não logrei
apurar, ainda nos anos vinte ou no início dos anos trinta do séc. XX, emigrou para a
Argentina e de quem nunca mais houve notícia.
NOTA:
(1) A casa terá estado inacabada por largos anos, sem portas nem janelas, razão por que a minha avó lhe chamava "o pombal", mesmo depois de já estar habitada há bastante tempo pelos novos proprietários, os meus tios António Agostinho da Graça e Joaquina Pequena. A casa foi, há uns sessenta anos, destruída por um incêndio.