Os grandes olivais foram no entanto, quase todos, durante muito tempo, propriedade de não residentes. Em 1950 ainda assim era com, entre outros, o olival do Mira e o olival do Sá. Grandes produtores locais de azeite eram os donos dos lagares: Luísa Ribeiro, José Ribeiro e Francisco dos Casais que herdara parte do olival dos frades e poucos mais.
A generalidade das famílias possuía pequenos olivais, muitas vezes, pés de oliveira isolados e os mais pobres ocupavam-se, no final da apanha, no “rabisco” seja, a catar das oliveiras alheias os bagos que ficavam após a apanha, fosse na árvore fosse no chão para, com isso, juntarem mais uns quantos litros de azeite à magra colheita familiar.
O azeite era, em geral, de muito má qualidade, em razão dos processos arcaicos em uso: As oliveiras, quando o terreno se não encontrava já limpo pelas lavouras das culturas de inverno, eram “enterreiradas”, o que consistia em raspar cuidadosamente o terreno para o libertar de ervas (trabalho que se fazia logo em Setembro ou no inicio de Outubro, após as vindimas) e sobre esse terreiro iam caindo as azeitonas mais fracas e doentes, gafadas ou picadas da mosca e também, no dia da colheita caiam todas as varejadas que era esse o processo corrente de apanha, sendo raro o recurso ao ripanço, por mais moroso e, assim, mais caro.
A apanha propriamente dita fazia-se do chão do terreiro, aproveitando-se tudo: as azeitonas sãs que tinham acabado de ser varejadas e todas as que se encontravam na terra, às vezes há mais de um mês.
Seguia-se o entulhamento, muitas vezes em casa do proprietário, por insuficiência de tulhas nos lagares e ali ficavam as azeitonas, deficientemente limpas de folhas e sujas de terra, salgadas para retardar e fermentação e o apodrecimento, a aguardar a sua vez de serem moídas e transformadas em azeite.
Hoje sabe-se que, idealmente, as azeitonas devem ser desfeitas até 24 horas após serem colhidas, sem prejuízo de estarem disponíveis no mercado sacos plásticos, certificados para uso em produtos alimentares onde, quando bem fechados, com o mínimo possível de ar e não empilhados e estando as azeitonas sãs, enxutas e limpas, se conservam em bom estado por alguns dias.
Com os métodos do enterreiramento e entulhamento fazia-se tudo ao contrário e, quando chegava a altura da moenda, as azeitonas eram, frequentemente, uma massa quase informe e malcheirosa de que resultavam azeites de muito má qualidade.
Era assim por todo o lado e só isso justifica que, em 1950, o proprietário de uma quinta em Camarate (arredores de Lisboa) se mostrasse interessado em adquirir azeite na nossa região.
Numa carta de 16 de Dezembro de 1950, enviada a José Coelho, o seu amigo Joaquim Pio (da Ataíja de Baixo) dá conta desse interesse e das condições para o negócio:
Em 9 de Dezembro de 1951 (na colheita seguinte àquela a que se refere a carta acima reproduzida), Joaquina Rosalia (mulher do José Coelho atrás referido) escreve a seu marido dizendo que o azeite se está a vender a “200$00 e mais, é conforme o grau” (este preço refere-se ao almude - 20 litros) e, numa carta anterior, de 25 de Novembro, dava conta que os homens estavam a ganhar 27$00 e as mulheres 15$00 e fornece outros elementos interessantes: que uma medura de 24 sacos deu 97 litros de azeite “livres” (quer dizer, após o lagar ter cobrado a respectiva maquia) e que vendeu o bagaço por 75$00.
Veja-se o valor do bagaço que, naquele tempo, salgado e depositado em pequenos poços a que chamávamos “covas do bagaço”, se aproveitava para alimentar porcos.
Em 31 de Março de 1952, o José Coelho há-de escrever a sua mulher dando-lhe ordem para vender algum azeite “mas só se te derem a 205$00 ou a 210$00”.
Hoje é possível comprar um bom azeite por menos de € 5,00 o litro. Ora, como vemos, naquele tempo a jorna de um homem dava para comprar apenas 2,7 litros de azeite e a de uma mulher para, apenas, 1,5 litros. O correspondente, hoje, respectivamente, a € 13,50 e € 7,50.
E, no entanto, esses eram valores de remuneração relativamente atraentes para os nossos pais e avós. Tanto que, na mesma carta, de 25 de Novembro, a Joaquina Rosalia diz a seu marido, certamente em resposta a um pedido para encontrar na Ataíja de Cima uma rapariga que estivesse interessada em ir para Lisboa como criada de servir: “José, quanto a criada, agora não se arranja por cá nenhuma porque agora há cá boa jorna e ninguém quer ir servir”.
2010, Novembro: O lagar de Francisco Vigário, o único actualmente existente naAtaíja de Cima
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