segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Um livro do Séc. XVIII na Ataíja de Cima


Conhecedora das minhas deambulações pelo passado ataíjense, mão amiga fez-me chegar um livro publicado há 233 anos.

Trata-se do “THESOURO BIBLICO, OU DICCIONARIO HISTORICO, E ETYMOLOGICO DOS Nomes próprios dos Póvos, Provincias, e Cidades, com as suas respectivas interpretações. E relação succinta das noticias, e acções principaes da maior parte das pessoas, que se encontrão nos veneráveis Livros da Sagrada Escritura. OBRA UTILISSIMA PARA A MELHOR INTELLIGENCIA DO ANTIGO, E NOVO TESTAMENTO E ASSIM MESMO PARA A LIÇÃO DA HISTORIA DA SANTA IGREJA, Lisboa, na oficina de Simão Thadeu Ferreira, ANNO M.DCC.LXXXV, Com Licença da Real Mesa Censoria”. (teve uma reedição, impressa no Porto, Typographia da Revista, em 1869)

O longo título e subtítulo que, como era uso naquela época preenche toda a página de rosto (acima reproduzida), é só por si esclarecedor do conteúdo do livro: Trata-se de, sob a forma de dicionário, explicar resumidamente, o essencial sobre as pessoas, povos, locais e factos referidos na Bíblia.

A necessidade deste tipo de livros – que, por outro lado, se inserem no movimento de publicação de dicionários e enciclopédias que, por aquele tempo, no chamado século das Luzes, percorreu a Europa – resulta do facto de a Bíblia não se encontrar traduzida e de os actos litúrgicos serem proclamados em latim.

O autor, que no livro é referido, apenas, pelas iniciais do seu nome: F.F.D.J.M.S., foi Frei Francisco de Jesus Maria Sarmento, frade e provincial da Ordem Terceira de São Francisco, o qual publicou diversas obras de cariz religioso e foi um dos responsáveis pela reconstrução do Convento de Jesus (onde, actualmente, funciona a Academia das Ciências de Lisboa) cujos edifícios sofreram, com o terramoto de 1755, gravíssimos danos que o deixaram inabitável.

O livro encontra-se disponível na internet em
http://books.google.com/books?id=qs4pAAAAYAAJ&pg=PA260&lpg=PA260&dq=thesouro+biblico&source=bl&ots=3tVTeWopPe&sig=mfqFq9hFsJgWbj78zja_U0w6sZs&hl=pt-PT&ei=M6UPTYTbD8K4jAfl5JzEDg&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=4&ved=0CCYQ6AEwAw#v=onepage&q&f=false, digitalizado a partir de um exemplar existente na Harvard University Library e é, também, passível de ser encontrado em alfarrabistas.


Não é isso, no entanto, o que nos leva a falar dele neste blog mas, antes, o facto extraordinário de o exemplar que temos presente ter sido preservado e em razoável bom estado, durante tanto tempo, sobretudo, quando sabemos que foi encontrado no espólio hereditário de uma ataijense  que, apesar de ser analfabeta, o conservou durante dezenas de anos, durante toda a vida.

O livro foi encontrado, após a morte da proprietária, em casa da que foi conhecida por Maria Marreca, a qual era meia-irmã da minha avó e o terá recebido o livro por herança paterna.
O livro contém, manuscritas, três indicações de propriedade: No verso da capa, a tinta, “este livro he de ..(ilegível) .. Cortez”, e uma outra, a lápis, “Este livro he” (sem indícios de ter sido escrito o nome que, naturalmente, devia seguir-se). No verso da contra-capa, perfeitamente legível, a terceira marca: “Este livro é de António Maria Cláudio”.


Pela grafia (é em vez de he) deve presumir-se que esta terceira marca é a mais recente.

Quem seria este António Maria Cláudio?

A minha avó falava-me do seu avô João Cláudio que combateu nas tropas anglo-portuguesas durante a Terceira Invasão Francesa e, com Wellington, atravessou toda a Espanha na perseguição aos exércitos napoleónicos.

Assim, talvez o António Maria Cláudio fosse descendente do João Cláudio e, por isso, meu familiar, talvez tio-avô ou tio-bisavô.

Hei-de investigar isso melhor quando e se me decidir a entrar a sério pelos caminhos, sempre tortuosos, da genealogia.

Até lá, resta-me agradecer à actual proprietária do livro e desejar que ela e os seus descendentes o saibam conservar, por mais 233 anos, como o souberam fazer os seus ancestrais.

(Reprodução das págs. 92 e 93 do Thesouro nas quais se vê, entre outras, uma descrição moral da figura bíblica de Caim)




Nota: O presente texto substitui uma primeira versão que foi publicada neste blog em 07-01-2011


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