quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A Cisterna

do ti' Manuel Luís


Afastada que está a Ataíja, das fontes de água mais próximas (Chiqueda, Truil, Mogo), a vida nestas terras sempre dependeu, até há menos de vinte anos, do aproveitamento da água das chuvas que se retinha em cisternas e poços e, para os animais, em lagoas, barreirões, barreiros, pocinhos, piões e pias.


As cisternas (depósitos estanques com paredes de pedra argamassada e rebocadas) eram de difícil construção em terrenos pedregosos e tinham as suas paredes muitas vezes construídas com a própria pedra que se extraía para a abrir. Eram, por isso, obras muito caras, só ao alcance de alguns e são, em consequência, bastante raras (a maioria das cisternas existentes foram construídas já na segunda metade do Séc. XX).

Daí que, um certo dia, há já alguns anos, tendo olhado com atenção a belíssima cisterna existente junto à casa que foi do ti’ Manuel Luís, na Rua das Seixeiras, vendo a data de construção e sabendo que a família era pobre e os filhos muitos, perguntei ao ti’ José da Graça onde tinha o pai – com tão grande família para alimentar – arranjado dinheiro para a obra.

Ao que ele me explicou que o Manuel Luís e o seu irmão João Luís tinham um curioso meio de assegurar a subsistência das famílias: Eram, ambos, responsáveis por uma vacaria, numa quinta nos arredores de Lisboa, onde se criavam vacas leiteiras.

Revezavam-se na função, por períodos de cerca de três meses. Enquanto um tratava e mungia as vacas, o outro vinha até à Ataíja para cuidar das magras terras familiares e olhar pelas famílias (e, digo eu, fazer mais um filho que, do Manuel, teve a ti’ Maria da Graça 14 partos e, do João, teve a ti’ Rosalia outros nove).

A cisterna era encimada por uma cruz de que agora só sobra a base. A janela destina-se a ventilação. No bordo da abóboda corria um canalete que recolhia a água da chuva que caía sobre a cobertura.


 Retirava-se a água, à corda, com uma bilha de barro ou um balde de folha de flandres e despejava-se numa pia de pedra que existe no interior da cisterna, do lado esquerdo do acesso e que, no exterior, termina na gárgula que se vê na fotografia.


Do lado direito do acesso, a lápide, constituída por três pedras, contendo a data de conclusão da obra - 16-8-1923 e a identificação dos proprietários M.L.S. (Manuel Luís de Sousa) e M.G. (Maria da Graça).
Repare-se, ainda, no curiosíssimo desenho do G.
 
 
Eis um monumento ataijense que espero um dia ver recuperado, como uma homenagem à difícil vida dos nossos antigos e para que os jovens e os vindouros saibam alguma coisa acerca do que foi a sua luta pela sobrevivência.

Sem comentários:

Enviar um comentário