quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Namorados


Os jovens actuais, sobretudo as raparigas que, então tinham muito menos liberdade, não poderão, em rigor, imaginar como seria namorar, numa aldeia rural, nos anos 40 do século XX.
O caminho da missa, o tempo em que se levava a percorrer, a pé, a distância entre a Ataíja e São Vicente, era a melhor oportunidade para o rapaz dar corpo às trocas de sorrisos e olhares, estabelecer conversa e fazer a proposta de namoro.
Seguia-se um processo, às vezes longo, de formalização da relação: Ela precisava de falar primeiro com as irmãs, naturais aliadas, preparando a comunicação à mãe, o que conduzia a uma conferência entre as mulheres da família, em que se passava em revista o carácter do rapaz, a sua aparência e comportamento, o apego ao trabalho, as posses e estatuto da família, a estima de que gozava, ou não, as relações entre ambas as famílias.
Se aprovado, havia que comunicar ao pai que, então, mesmo que o quisesse, já não tinha grandes hipóteses de se opor à decisão feminina.
A partir daí, a conversa em público ficava autorizada e, algum tempo depois, o namoro podia ir até à porta da jovem, onde, nas tardes de domingo, tinham lugar longas conversas, com o rapaz sempre de pé e ela, por vezes, mostrando as suas habilidades, costurando ou bordando.
Se o pai dela entrava ou saía de casa, ele e o namorado não trocavam mais de três palavras: “Adeus ó fulano”. “Adeus ti’Sicrano”.
A entrada do rapaz em casa da namorada só acontecia com o pedido formal de namoro que, na verdade, era uma declaração da intenção de casar. Havia, aí, lugar a um pequeno sermão, geralmente a cargo da mulher que falava, sobretudo, da honra: O que estava interdito ao pretendente era falsear a confiança que se lhe dava, pôr em causa a honra da rapariga e da família.
De ambas as famílias.
O namoro passava, agora,  a ter lugar dentro de casa, sob a vigilância constante da mãe, da avó, ou de uma irmã ou irmão mais novo.
O contacto físico estava interdito, só podendo ter lugar em bailes – também, sempre, atentamente vigiados – ou às escondidas.

O namoro dos meus pais foi, mais ou menos, assim.

O dia de maior liberdade consentida, há-de ter sido o dia 29 de Junho de 1944 (ou 1945?), nas festas de São Pedro, em Porto de Mós, onde um grupo de jovens ataíjenses de deslocou sem vigilância paternal.
Caminho feito, a pé (uns bons 24 km, ida e volta), os sapatos da minha mãe, especialmente comprados, viram um fanico numa tarde inteira a dançar e tiveram de ir, de seguida, para o sapateiro.

Houve tempo, ainda, para uma fotografia, à la minuta:



Tinham, ela 18, ou 19 anos e ele 22, ou 23.
Casaram-se em 28 de Dezembro de 1946. 
Faz hoje 65 anos.

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