O pátio era, até há menos de cinquenta anos, um elemento fundamental do conjunto arquitectónico que constituía a casa de morada de família.
Rodeado de muros altos, ficava normalmente situado na frente da casa, dando para a rua por um portão largo, através do qual se fazia, também, o acesso à residência.
Sempre coberto de mato, ali andavam à solta galinhas e porcos.
Por vezes existia nele uma arribana onde se recolhia o carro do burro ou das vacas e ao fundo da qual se montava um poleiro onde dormiam as galinhas.
Colados ao muro estavam uma corte para a porca grávida, ou parida com seus leitões, uma coelheira feita de madeira, o redil para o pequeno rebanho, o palheiro com as baias onde dormiam o burro e as vacas e a pequena adega.
A própria cisterna estava, muitas vezes, no pátio, já que esse era o melhor lugar para recolher a água dos beirais das diversas edificações.
Ali estavam, também, as amoreias do estrume e a da lenha e, quando existia, a casa do forno.
O que acabo de descrever, era um típico e comum modelo das casas ataíjenses da primeira metade do Séc. XX, ao qual escapavam algumas em que o acesso ao pátio era lateral à casa, cuja porta da “casa de fora” abria, então, directamente para a rua. O que, aliás, era muitas vezes inútil, continuando o tráfego diário a fazer-se pelo portão do pátio - a caminho da cozinha que era o verdadeiro centro da vida familiar -, abrindo-se a "casa-de-fora" e a “porta-da-rua” ao domingo, em raras ocasiões festivas e, necessariamente, na visita pascal.
Também escapavam ao modelo a generalidade das casas mais antigas, no centro da aldeia (o “lugar”), estas encostadas umas às outras, apenas com um pequeno pátio nas traseiras aonde, muitas vezes, se acedia através da própria porta da casa.
Isto, remete-nos para a questão da suposta antiguidade do pátio, enquanto elemento estruturador do assento de casas da família.
As casas dos camponeses medievais não tinham pátio, porque os que nelas habitavam eram gente pobre que nada, ou quase nada, tinha de seu e, quando possuíam animais estes viviam, na maioria dos casos, livremente, na rua e pastando nos campos, onde eram recolhidos em “chousas”.
O povo comum só começa a utilizar o pátio, talvez a partir do Séc. XVIII, por imitação dos solares da pequena nobreza e da burguesia rurais que, também eles, se estruturam em torno de um grande pátio ou terreiro.
Antes disso, a maioria dos terrenos eram incultos, baldios de que o povo tirava alguns usos mas de que não tinha a propriedade. Aí se cultivavam, intermitentemente, algumas courelas, (o pousio, era indispensável a terrenos fracamente arados e não adubados), recolhia-se lenha e mato, mel e frutos e criava-se gado: porcos, ovelhas e cabras.
No caso da nossa região, a multiplicação de pequenos proprietários é realidade que só o Séc. XIX, com o fim do Antigo Regime e das Ordens Religiosas, permite. Só então a efectiva apropriação camponesa da terra se materializa (ainda que subsistam foros que, agora, se assemelham muito a arrendamentos e se vão, pouco a pouco, liberando).
É por esse tempo que, um camponês médio, tendo a propriedade plena (ou o direito de exploração enfitêutica) de terras suficientes e de natureza diversificada (terras de semeadura, olivais, matos, vinhas), adquire a auto-suficiência alimentar e passa a produzir excedentes que carecem de ser armazenados.
É aí que surge a necessidade e a possibilidade do pátio e de todos os cómodos que o organizam.
E foi assim que, durante cerca de 150 anos, até à segunda metade do Séc. XX, quando passámos de uma economia agrícola para uma economia industrial, se organizaram todas as novas casas construídas, na Ataíja de Cima, na imediata periferia do núcleo urbano antigo.
O fechar-se da casa sobre si mesma, em torno do pátio, foi, também, rico de consequências ao nível das relações sociais: a convivialidade entre vizinhos, típica dos núcleos urbanos antigos, diminue drasticamente e a vida passa a centrar-se na família, agora, "defendida" do exterior pelos muros altos do pátio.
Começava a desenhar-se uma nova estratificação social, onde o pátio e os bichos que o habitavam, a dimensão e complexidade dos cómodos que o envolviam, eram indicadores seguros das posses da família.
Na esquina entre a Estrada do lagar dos Frades e a Rua da Ponte, as casas que foram de Luís Francelino e são o conjunto arquitectónico subsistente na Ataíja de Cima que, melhor, ilustra o que se diz neste texto.
As casas configuram-se como um pequeno castelo, com uma única entrada (note-se a recusa de um acesso directo à habitação: esta oferece uma parede cega à rua, quando se poderia, facilmente, ter aberto uma porta).
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