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“… São inumeráveis as
merces , que o povo desta Villa recebe de Deos , por meyo da Imagem do Senhor
dos Passos , do Santo Crucifixo , e do Senhor prezo à coluna , as quaes se
achaõ autenticadas no Cartorio da Santa Caza da Misericordia . Dous milagres
obrou o Senhor ao mesmo tempo , os quaes foraõ , que indo a Irmandade em
procissão com o Santo Crucifixo em sesta feira Santa , como naquele tempo era
costume , à mesma Igreja Matriz , nella lhe vio um rustico , por nome Antonio
Coelho, natural da Ataíja de Cima , homem de boa vida , e honestos
procedimentos , cobrir os olhos , e com os seus arrazados de agua clamou ao
povo que advertisse naquele prodígio , por cujo alvoroço o Sacerdote , que o
levava , recolhendo-se com elle à dita Capella de Martin Palença , nelle
admirou huma gota de suor , que com toda a reverencia devida devida recolheo em
hum lenço , e voltando a procissão para a Misericordia , se achou abrazado pelo
fogo , por descuido , hum grande passo , formado de roupas de linho , em que
estava exposto o Senhor prezo à coluna , sem que do fogo recebesse a menor
ofensa.”
Assim descreve o Padre Luis Cardoso, a págs. 314 do Tomo I,
do seu “Dicionário Geográfico …”, publicado em Lisboa em MDCCXLVII, reinava o
Sr. Dom João V, dois milagres quase simultâneos que terão acontecido em
Aljubarrota, numa sexta-feira Santa.
O Padre Cardoso não nos diz a data de tais sucessos,
ao contrário do que faz no relato de um outro milagre, o da lenda da Senhora do Laço, também acontecido em Aljubarrota, cerca de 1615 (hà cerca de cento e
trinta anos, diz ele). Deduz-se no entanto que, também os milagres do suor e do fogo teriam ocorrido há, já, bastante
tempo, uma vez que a procissão (como naquele tempo se usava, diz), já não se
realizaria, nos anos de 1740, nos moldes descritos e, quanto à data certa em
que terão ocorrido, esclarece-nos o Vigário de Nossa Senhora dos Prazeres, nas
suas respostas ao Inquérito Pombalino de 1758 (Memórias Paroquiais):
“... há na Santa Casa
da Misericordia de Aljubarrota hum Santo Crucifixo, o qual no anno de mil, e
seis centos, e onze em sexta feira santa ao primeiro de Abril na paroquial
Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres da mesma Villa , sendo levado em processão
pelo provedor, e mais irmaõs da Santa Casa foi servido abrir os olhos e suar
agoa que chegou a correr …”.
Donde se conclui que os três “milagres” foram, praticamente,
simultâneos.
“Milagres” destes “aconteceram”,
ou foram “recuperados”, em grande quantidade, nos Séc. XVII e XVIII e estão na
origem de muitos edifícios religiosos, por vezes, imponentes santuários. (é o
caso – e para dar, apenas, três exemplos da nossa região – do Senhor Jesus da
Pedra, em Óbidos, do Santuário de Nossa Senhora da Nazaré, no Sítio e do
Santuário do Senhor Jesus dos Milagres, nos arredores de Leiria).
A sua veracidade é, no entanto e hoje em dia, objecto de
dúvida generalizada, inclusive por parte da Igreja Católica que não reconhece a
grande maioria deles.
Tais milagres foram, simplesmente,
inventados, aumentados, adaptados ou retocados, à medida da imaginação ou dos interesses do divulgador.
Veja-se, por ex. o
que, a propósito do milagre de Nossa Senhora da Nazaré, diz Pedro Penteado, in
http://www.cm-nazare.pt/custompages/showpage.aspx?pageid=48d53d58-0b11-41b8-86bb-c262c09723f8&m=b24 (consultado em 19-05-2012). E, a propósito deste milagre do suor, repare-se como em dois textos separados por, apenas, uma década, huma gota de suor se transforma em agoa que chegou a correr.
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